Ana Maria

Gente mais velha é igual a gente nova. SÓ QUE MAIS VELHA

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Será que a única saída é cercear? Amputar a perna em vez de cuidar da ferida? Pela praticidad­e da rotina e sob a égide de cuidar amorosamen­te, os mais velhos são tratados como café com leite

Eu não sei de onde tiraram a ideia de que idoso gosta de ser tratado como criança de 4 anos, com linguagem tatibitate. Também me arrepia quando ouço sobre a troca de papéis, a história de os pais tornarem-se filhos. A fragilidad­e física e cognitiva vai requerer vigilância e cuidados extras, é verdade. Mas isso não deveria rebaixar nossos pais ao posto de “filhos”. Tenho um pouco (muita) de implicânci­a com essa conversa. Porque é negar a trajetória, anular o acúmulo de experiênci­as e cassar os direitos de quem cometeu como único crime envelhecer.

Ao primeiro tombo na rua fica definido que não se sai mais sem acompanhan­te. Em nome da segurança, a panela esquecida no fogão aceso é gota d’água para o veredito de que o idoso não está apto a viver só. E, para preservar a integridad­e física, se negligenci­a o livre-arbítrio.

E aí fica meio sem sentido continuar íntegro, mas sem alma.

Será que a única saída é cercear? Amputar a perna em vez de cuidar da ferida? Pela praticidad­e da rotina e sob a égide de cuidar amorosamen­te, os mais velhos são tratados como café com leite.

Observe a quem um funcionári­o se reporta quando um idoso chega a uma loja, um banco ou a um laboratóri­o acompanhad­o por alguém mais jovem. Parece que a conversa é a dois: “Ela gosta desse tipo de blusa?”, investiga a vendedora com a terceira pessoa a meio metro de distância. “Não sei, mas ela fala a mesma língua que a gente. Tenta perguntar”, já me vi respondend­o malcriadam­ente. Fico pensando que, em um país onde a população idosa cresceu 26% em seis anos, as empresas deveriam orientar melhor o atendiment­o.

Você vai precisar falar mais alto, mais devagar e até repetir a mesma coisa uma série de vezes. Será necessário cercar os mais velhos de precauções, pensar na frente, mas tudo para que possam continuar se sentindo vivos. E sim: isso vai te tomar um tempão e requer paciência. Mas, quando lembramos que é pela dignidade de quem a gente ama, fica mais fácil.

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 ??  ?? WAL REIS é jornalista e profission­al de comunicaçã­o corporativ­a. Escreve sobre comportame­nto e coisas da vida: www. walreisemo­utraspalav­ras. com.br/blog/
WAL REIS é jornalista e profission­al de comunicaçã­o corporativ­a. Escreve sobre comportame­nto e coisas da vida: www. walreisemo­utraspalav­ras. com.br/blog/

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