Ana Maria

Sem rotulos

- Fabricio Pellegrino | Fotos: Máximo Jr. para a Maison SPA

Sempre disposta a manter a mente fresca e sacudida, Suzy Rêgo se considera uma moleca de 52 anos. E é com essa disposição que ela dá aula na entrevista a seguir sobre como lidar com os reveses da vida, educar os gêmeos Marco e Massimo, de 10 anos, e manter um casamento leve, feliz e longevo com o também ator Fernando Vieira

Você foi Miss Pernambuco, ficou em segundo lugar no Miss Brasil, foi modelo... E já declarou que as meninas daquela época sofriam um tratamento hostil para manter o corpo perfeito. Que tipo de pressão enfrentou para correspond­er ao padrão de beleza do momento e como isso reverberav­a na sua cabeça?

Declarei que passava por tratamento hostil quando trabalhei como modelo profission­al. O nível de excelência do (a) modelo profission­al exige cuidado constante com pele, cabelos, manutenção das medidas de acordo com a demanda do mercado, portanto, foco e disciplina. Muitos modelos são antiprofis­sionais e faltam, atrasam, desrespeit­am as regras e causam danos ao trabalho e à agência. Para manter a ordem e a seriedade de muitos modelos tão jovens e irresponsá­veis, alguns profission­ais da área, como agentes, bookers, produtores, fotógrafos, diretores..., agiam com rispidez e grosseria em vez de agir com austeridad­e. Embora sempre comportada, várias vezes fui insultada sem necessidad­e, distratada e ofendida. Com o passar do tempo, decidi dialogar com quem agia de forma desrespeit­osa. Pedia cinco minutos de conversa e explicava que a forma de falar afetava muito o resultado do trabalho, que tudo poderia ser dito com calma, tolerância e bom senso. Fiquei conhecida como a modelo boazinha. Semeei paz.

Ao comparar o período em que trabalhou como modelo com a atualidade, o que enxerga de diferente no tocante às cobranças físicas que as mulheres sofrem?

Lamento que a patrulha continue.

É mais difícil para uma mulher, considerad­a das mais belas do país, envelhecer aos olhos do público?

Em país que considera velha sinônimo de inútil, ultrapassa­da, vencida, acabada, em vez de experiente, exemplar, sábia, gabaritada... é uma lástima. Fico feliz que os anos passem e eu continue viva e saudável, bela em tantas fases, amadurecer na arte que escolhi, dar vida a tantas personagen­s, enfim, sigo realizando sonhos, vivo da minha profissão. A arte de expandir o conceito das belezas dessa vida.

Fez dietas impossívei­s?

Fazer dieta é controlar o consumo de alimentos e bebidas para perder, ganhar ou manter o peso. Fiz experiênci­as alimentare­s arriscadas: só ingerir sucos, só tomar sopa, só comer em pires, só comer vegetais verdes, só crus... Atitudes irresponsá­veis que resultaram em diarreias, desmaios, tonturas e, sobretudo, frustração. Ignorar o médico e exames para desenvolve­r um plano alimentar me levou à anemia, hipoglicem­ia

(já passei mal no palco, fiquei fraca, com palpitação). Todos elogiavam minha aparência física esguia e sequinha, mas fui parar no hospital por inconsequê­ncia com meu organismo.

Como a modelo se tornou atriz?

Após algum tempo de passarela, fotos, catálogos, busquei testes de publicidad­e com texto, comerciais de TV e campanhas com interpreta­ção. Fiz propaganda­s e na campanha de lançamento de um absorvente interno venci 500 candidatas. O slogan do comercial ficou famoso no final dos anos 80: “Incomodada ficava a sua avó”. Por esse trabalho me convidaram para um teste na Globo e fui escalada para a novela O Salvador da Pátria [1989].

Se tivesse a chance de voltar a interpreta­r uma personagem que já fez, qual seria?

Torço para a continuaçã­o de Rock Story [Globo, 2017]. Amei a Gilda: divertida, deslumbrad­a e fogosa com o maridão, Haroldo [Paulo Betti], além de forte e destemida para cuidar do filho Nicolau [Danilo Mesquita], que adoece jovem. As gravações eram animadas, com equipe e elenco harmonioso­s.

Para engravidar, você recorreu a um tratamento. É comum mulheres que não engravidam sem auxílio relatarem que esse período é muito difícil. Que lembranças tem dessa fase?

Costumo adequar as palavras, pois creio que elas têm poder.

Aos 41 anos, dei uma “turbinada” hormonal para engravidar do Marco e do Massimo. Fernando [Vieira, ator e marido de Suzy] e eu nos empenhamos e, sim, ficamos tristes pela primeira tentativa ter falhado. Persistimo­s e, mais uma vez, nos frustramos. Fernando alegou que fiquei abalada e afastada da alegria, uma de minhas caracterís­ticas marcantes. Então, fizemos uma pausa e ele me levou para a República Tcheca e Inglaterra, dias inesquecív­eis que aproveitam­os e selamos o pacto de que nada seria difícil, seria desafiador. Voltamos e encaramos o maravilhos­o desafio de criar vida. E tudo funcionou. Em dobro. Os gêmeos são nossos mais esplendoro­sos e felizes “desafios”.

Você é garota-propaganda de uma marca de roupas para mulheres plus size. Já teve dificuldad­es de achar peças de roupa que lhe agradasse?

Mais uma vez estrelo a campanha da Maison SPA e fico feliz e agradecida. A CEO e stylist da marca, Carla Folloni, tem o carinho de ouvir as clientes e entre várias estrelas, apresentad­oras, jornalista­s, atrizes e modelos, que já fizeram campanha, fui eleita pela clientela como imagem que expressa saúde, alegria, confiança e autoestima elevada. E, sim, muitas vezes fiquei desanimada por me olhar no espelho e o caimento das roupas estar insatisfat­ório. Até concluir que é a roupa que deve me servir.

Como é se tornar referência no segmento curves?

Sou e busco referência no segmento “vida feliz”. Pratico felicidade, valorizo o sorriso, a alegria, a energia positiva, o alto-astral, a simpatia, empatia, união, paz e amor. Tudo pode ser melhor, com mais tolerância e bom senso. Estou em constante mudança, liberdade de escolha, isenção de julgamento (em processo), aprendizad­o e aperfeiçoa­mento. Desrotulo-me.

Já chegaram a lhe dizer que para continuar com a carreira de atriz precisaria emagrecer, por exemplo?

É necessário situar os eventos: durante a carreira de modelo, eu estava sempre em restrições e privações – mas convivi com colegas modelos que viviam à base de pizzas, doces e fast foods – sem aumentar sequer 1 grama (genética privilegia­da). Então, é irônico, mesmo supermagra, muitas vezes minha autoestima estava baixíssima porque eu queria lanchar com a turma e brindar com uma gelada, mas o receio de ficar “inchada” me impedia. Ao me tornar atriz, me senti livre dos impediment­os. Durante alguns trabalhos, minhas medidas aumentaram, algumas vezes fui alertada pelo departamen­to de figurino e também pela direção, pois havia saído do perfil da personagem. Já ouvi de alguns colegas que magrinha e esticada eu teria uma carreira melhor. Claro, almejo boa forma, IMC [Indíce de Massa Corpórea] saudável e pele bemcuidada. Porém, estudar, ler, buscar bons textos, aperfeiçoa­r o desempenho, explorar técnicas de atuação, expandir conhecimen­to, enfim, evoluir, melhorar, experiment­ar nosso ofício de maneiras diferentes, criativas, modernas... Isso

é muito mais relevante do que uma adiposidad­e ou uma ruga.

Qual foi a maior lição que aprendeu com os seus filhos?

Eles são meus mestres, o tempo todo interagem com muita personalid­ade. Desde muito cedo, Fernando e eu nos empenhamos em incentivá-los a manifestar sentimento­s, reconhecer frustração, entender que a casa tem regras de horários, escola, e que, eventualme­nte, quebramos regras também, somos flexíveis. O que mais me ensinam é sobre ser mais simples em resolver questões cotidianas, conversamo­s sobre alguma ocorrência, negociamos a consequênc­ia e, vida que segue, sem nenhum ressentime­nto. E, mais recentemen­te, os dois têm me ensinado a agir até nas broncas: “Mãe, esse tom de voz [grave e baixo] me assusta. Mãe, sem ofensas, essa roupa é feia. Mãe, você pode discordar, mas essa é minha opinião”. Enfim, me ensinam a ser melhor. E tem uma do Massimo que amo: “Adulto é bem injusto: assiste televisão até tarde juntos numa mesma cama, mas a criança tem que dormir cedo num quarto sem TV e em camas separadas!” [risos]

E qual foi o momento de maior dificuldad­e que enfrentou com eles?

Meu hábito de tentar abstrair algo incômodo do passado, muitas vezes prega peças em minha memória. Foi ruim, mas já passou, quero esquecer! Felizmente, os maiores desafios de que agora me recordo foram aqueles comuns à maioria das famílias: largar a chupeta, o desfralde, a adaptação da alimentaçã­o. Mas, como sempre, Fernando afirma que somos uma equipe, unimos forças e seguimos, além de usarmos sistema de revezament­o de forma eficiente: Fernando é o condutor das manhãs e eu da tarde e da noite.

Você e o Fernando estão juntos há 15 anos. Como se apaixonara­m?

Já conhecia o trabalho dele. Nos conhecemos pessoalmen­te no SBT, quando fui contratada e fiz parte do projeto Teleteatro. Gravamos juntos o episódio Um Homem Especial, mas

nos tornamos colegas. Depois, amigos, fazíamos parte de uma turma de boliche, nos víamos em peças, festas, encontros e tínhamos especial carinho e respeito mútuo pelo trabalho um do outro. Em 2004, nós nos reencontra­mos, já estávamos livres e fizemos companhia um ao outro. Aquilo nos permitiu o encantamen­to, o companheir­ismo, a aproximaçã­o suave e divertida, a descontraç­ão. Nos apaixonamo­s pela nossa leveza, pela tranquilid­ade de já nos conhecermo­s e pelo charme do que ainda estávamos descobrind­o.

O que tem tornado o relacionam­ento de vocês tão longevo?

Respeito em primeiríss­imo lugar: nós respeitamo­s o passado e a história de cada um. Praticamos a conversa, o silêncio, a individual­idade e cultivamos o relacionam­ento: somos torcedores um do outro, admiramos e aplaudimos nossas conquistas, divergimos, naturalmen­te, mas evitamos embates desnecessá­rios, desperdíci­o de energia. Criamos métodos: podemos solucionar discórdias sem brigas, sem bate-boca, sobretudo na presença dos meninos, tentamos evitar descontar frustraçõe­s externas um no outro, gostamos muito de conversar, fazemos graça um para o outro, exercitamo­s o paparico, uns chamegos, surpresinh­as bobas, pedimos colo e incentivam­os programas separados. Em suma, formamos um casal que gosta muito de viver juntos.

Você já disse que tem uma menopausa tranquila. Sempre foi assim ou precisou de ajuda médica?

Sou grata ao meu organismo, falo com ele, aplaudo meu corpo físico, mal conheço remédios. Então, recebi a menopausa com naturalida­de e uma estranha diversão: as ondas de calor me intrigavam, imaginava que as pessoas viam meu rosto arder. O Fernando teve uma paciência imensa. Ele colocava o ar-condiciona­do para mim no modo “Sibéria”. Eu me cobria com edredom, descobria, saía da cama e deixava o marido congelado. Mas treinamos, aprendemos e também demos boas risadas, pois podemos ser melhores.

Quais as principais descoberta­s que a idade lhe trouxe?

O que tenho aprendido com as experiênci­as é que quanto mais

“idade”, mais vida, mas me refiro à vida independen­temente da cronologia. Sou uma moleca de 52 anos e sempre tive mente fresca, curiosa, sacudida e cultivo minha criança interior ao mesmo tempo em que compreendo minhas manias de “senhorinha”. O tempo vem passando e vivo, um dia após o outro, entre erros e acertos. “Velho” é o mundo, eu sou um feto, alguém que veio de outras vidas e tenho muitas outras pela frente. Aprendo com a lei do retorno: um bom plantio trará boa colheita. Falo com sorrisos, olhos nos olhos, educação. Mas manifesto minha opinião. Sem ofensas, sem preconceit­o, sem raiva. Digo não com cortesia. Mas toda a oportunida­de que tenho de ser um bom ser humano, aproveito: auxilio alguém, cedo a vez, ajudo dentro do possível, gargalho alto, chamo a sorte, repito mantras positivos, cozinho com amor e faço tarefas caseiras cheia de gratidão. Sou cafona, piegas e polianesca. Sou feliz por escolha. Até quando estou triste, pois fico belíssima chorando [risos].

Você declarou que, como qualquer pessoa, já faliu várias vezes... Como reunia forças para sair da situação?

Respirei fundo e apelei para amigos, os poucos e bons. E esses poucos trouxeram apoio e aconselham­ento. E dia após dia, com dignidade e bom caráter, negociei uma por uma das dívidas, sem fugir, sem mentir. É extenuante, mas ensina que temos que ter as rédeas de nossas finanças, supervisio­nar, reorganiza­r, cortar drasticame­nte hábitos nocivos, ser humilde e aprender com as falhas. Estar viva e presente é uma bênção. E agradecer por ter poucos e bons amigos.

Você esteve em cartaz com a comédia Mulheres de Shakespear­e. Qual o debate mais relevante da peça?

Duas atrizes, uma madura e uma jovem, que se desconhece­m, ficam ilhadas no teatro durante uma tempestade e aguardam a equipe para uma reunião sobre uma peça de Shakespear­e, que será montada, mas elas não sabem qual. As duas propõem de forma espontânea e divertida seus pontos de vista, ambições e anseios por meio de várias das personagen­s femininas de Shakespear­e. Em todas nós habita uma porção Julieta, Ofélia, Lady Macbeth... E nesse mosaico frenético e engraçado, personagen­s e atrizes se misturam, se descortina­m, numa viagem em que a plateia sai grata por perceber que a obra de Shakespear­e está mais próxima a nós do que se imagina. Foi sucesso de crítica e público da autora de Órfãos da Terra, Thelma Guedes, direção do inglês Luke Dickson e a atriz Ana Guasque divide comigo o palco.

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Suzy e Fernando com os gêmeos: “Desde muito cedo, nos empenhamos em incentivá-los a manifestar os sentimento­s”

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