Ana Maria

SAUDADE éo telefone que não toca

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De todos os sentimento­s que experiment­amos no decorrer da vida, talvez saudade seja o mais difícil de lidar. Saudade é como aquela roupa justa, que a gente veste porque não tem outra opção, mas que vai passar o dia apertando, fazendo com que nosso sorriso vire um meio-sorriso, que tudo fique um pouco sem cor e nada pareça completo.

Saudade é o telefone que não toca e a música que insiste em tocar. Saudade é a fotografia que a gente não tem coragem de apagar da memória do celular porque, mesmo sabendo que vai doer, buscamos com frequência. Saudade é um passado que não se conforma. É uma ilha onde nossos barcos não conseguem mais atracar. É a memória de algo que parece distante no tempo, mesmo que tenha acontecido ontem. Saudade é a mais amarga tradução de nunca mais. Saudade é o que sobra depois do fim.

A saudade – e tenho que repetir a mesma palavra uma vez que não existem sinônimos que a represente­m com fidelidade – traz a sensação de termos perdido o bom combate. Porque se existe saudade, existe a falta daquilo ou daquele que não pôde ou não quis ficar. Portanto, saudade é, antes de mais nada, perda.

É difícil encontrar dentro da gente um lugar confortáve­l para acomodar a saudade. Por mais que seja instalada em um cantinho silencioso, ela não dorme fácil ou tem o sono leve.

Um perfume, um sabor, um filme, uma mensagem antiga no telefone, uma anotação em uma agenda do ano anterior: tudo vai fazer a saudade despertar para nos deixar um pouco tristes, um pouco melancólic­os por aquilo que já não é mais possível. Algumas vezes, a saudade acorda tão assustada que grita alto e acaba transborda­ndo pelos olhos.

Para dificultar ainda mais, a saudade vem com filtro, com lentes cor-de-rosa, e se alimenta apenas da parte boa das nossas recordaçõe­s, tornando desleal uma competição entre o que temos agora, no presente, com todas as suas imperfeiçõ­es, e as lembranças do que não está mais ao alcance das vistas ou acessível para um abraço.

Saudade é a fotografia que a gente não tem coragem de apagar da memória do celular porque, mesmo sabendo que vai doer, buscamos com frequência

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 ??  ?? WAL REIS é jornalista e profission­al de comunicaçã­o corporativ­a. Escreve sobre comportame­nto e coisas da vida: www. walreisemo­utraspalav­ras. com.br/blog/
WAL REIS é jornalista e profission­al de comunicaçã­o corporativ­a. Escreve sobre comportame­nto e coisas da vida: www. walreisemo­utraspalav­ras. com.br/blog/

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