Consciência coletiva
A obra da jornalista Maria Elisa Coelho e do publicitário Gustavo Annecchini é um romance que conduz o leitor à autorreflexão, procurando despertar a busca por um comportamento lúcido e equilibrado
Passava das 11 da manhã. A janela estava entreaberta. A cortina de linho branco dançava suavemente sobre a cama, embalada pelos ventos de outono. Os raios de sol iluminavam o pequeno quarto decorado. Na cama, Chiara di Bernardi sentiu em seu rosto a brisa morna de uma já raiada manhã. Lutou para não ter que abrir os olhos; a ideia de perder a hora, naquele momento, lhe soava muitíssimo bem. Seu corpo preferia se manter na horizontal por prazo indeterminado. Sem se mexer muito, passava a ponta dos dedos das mãos no lençol de seda, para sentir sua delicada textura. Tudo parecia colaborar para algumas horas a mais de sono. Chiara se revirou na cama mais uma vez, travando uma grande batalha consigo mesma, relutando ter que abrir os olhos e começar o dia. Estava relaxada, como há dias não ficava, porém o esforço de tentar fechar a cortina a fez despertar.
Droga, resmungou, coçando o rosto. O que estou esquecendo? Chiara olhou lentamente ao redor, como que esperando que algum objeto de seu quarto lhe respondesse que dia da semana era aquele, que já se iniciava atrasado, e o que deveria estar fazendo em vez de estar acordando àquela hora. Seus olhos ardiam, mas nada comparado à enxaqueca que ganhou de presente da noite anterior. Chiara tinha tomado um analgésico e largado os croquis de plantas baixas sobre o criado-mudo ao lado da cama. O celular vibrou no criado-mudo, e Chiara se forçou a olhar as mensagens não lidas.
“Oi, amiga. Felicidades e divirta-se muito! Desejo a vc muita luz e expansão sempre. Aproveite o seu dia! Te amo! Parabéns!”
A mensagem era de uma amiga da faculdade. Divirta-se? Do que ela está falando? Depois vieram as mensagens da mãe. Várias.
“Parabéns, minha filha. Eu e seu pai mandamos mil bjs pra vc.”
“Padre Lúcio disse coisas tão lindas. Se vc tivesse ido à missa, teria adorado. Fiz vários pedidos pra minha filha linda durante a homilia.”
“O almoço será servido às 13h em ponto, ok? Sua tia Lucrecia mandou bjs.”
“Vc já acordou? Tá quase tudo pronto. “A que horas vc chega?” Chiara fechou os olhos por alguns instantes e respirou fundo, mantendo metade do corpo preso à cama. Achou por bem desligar o celular e pensou em voz baixa:
— Ai, como eu fui me esquecer, meu Deus? Quantas pessoas na face da Terra são capazes de se esquecer do próprio almoço de aniversário?...
Do outro lado de Roma, a bela casa dos pais de Chiara estava agitada desde muito cedo. Gianluca e Manoela di Bernardi eram o tipo de casal que não deixava passar a oportunidade de transformar um simples almoço em um verdadeiro evento. Acabavam exaustos, mas divertiam-se mais que todos.
E, naquele dia, o casal desejava celebrar. Chiara acabara de se formar no curso de arquitetura, pela Sapienza Università di Roma, com uma coleção de notas espetaculares e elogios dos professores, o que parecia garantir que ela seguiria os firmes passos do pai.
— Bom dia, senhores — saudou Gianluca aos dois rapazes de macacão branco que aguardavam na entrada. Vocês são da Decora Interiores, imagino.
— Sim, sr. di Bernardi. Eu me chamo Mario, e este é Andrea, meu sócio. Podemos descarregar as minivans com o mobiliário que o senhor escolheu para a festa?
— Claro, claro!, confirmou
Gianluca...
“Seu corpo preferia se manter na horizontal por prazo indeterminado. Sem se mexer muito, passava a ponta dos dedos das mãos no lençol de seda, para sentir sua delicada textura”