Facetas do amor
Obra de estreia de Sérgio Giacomelli se passa na Itália, em 1949, e aborda temas como o empoderamento feminino, parentalidade e pioneirismo empresarial um romance de época que retrata as relações interpessoais no pós-guerra
AÉ março de 1949, o vento frio de final de inverno sopra nas ruas de Milão cruzando esquinas e balançando roupas estendidas nas varandas estreitas dos prédios que resistiram aos bombardeios daquele agosto de 1943. Passaram-se quase seis anos daqueles dias terríveis, e perto de quatro anos, que o corpo de Benito Mussolini foi exposto de cabeça para baixo na Piazzale Loreto. Fatos que registram a história de um povo e causam sentimentos antagônicos de tristeza e de euforia com a vingança. Matteo traz esses dois acontecimentos gravados na lembrança como marcos em sua vida. Ele se lembra claramente daquele mês de agosto. Mesmo com toda a complexidade da guerra, estava viajando a negócios em Nápoles. Ainda no hotel, teve a informação de que Milão havia sido bombardeada durante duas noites seguidas. Temeu por sua família, sua mulher e seu casal de filhos, porque sabia que a guerra não escolhe vítimas. Era sábado, mas somente voltaria para Milão na terça-feira. São nítidas as lembranças de Matteo ao recordar o momento em que, no seu retorno, chegou à cidade e se deparou com destruição e escombros. Depois disso, sua mente tenta apagar as cenas fortes que viveu. Apenas uma vez por ano revive-as, quando ainda leva flores brancas do campo ao cemitério, porque estas eram as flores de que sua esposa gostava. E ali, ao lado da mãe, sua filhinha, seu anjo de dez anos que o esperava na estação todas as vezes que voltava das viagens. Como um presente, a vida lhe assegurou que seu filho permanecesse ao seu lado e, junto com ele, sempre no mês de agosto, é feita essa homenagem singela e de saudade profunda. De forma contrária, lembra também daquele final de maio de 1945.
A notícia de que Mussolini havia sido capturado e morto ecoava nas ruas de Milão. Matteo sabia que aquele homem era um dos motivos de seu país ter sido tão sacrificado naquele período da guerra. Inocentes como sua mulher e sua filha foram vítimas como tantos milhares de outras pessoas, e com a morte daquele senhor, a revolta que havia em seu coração se desvanecia no ar. Ao saber da notícia, sentiu uma mistura de prazer, alegria e alívio. E por mais que o povo comemorasse e gritasse palavras de ordem nas ruas, preferiu ficar junto ao seu filho no pouco conforto que havia em seu lar, mas, considerando o período de guerra, era o suficiente. Aqueles dias seguidos de outras notícias, a morte de Hitler e o fim da guerra, proporcionaram-lhe momentos de paz e de reflexão em uma caminhada sozinho. Esta foi sua decisão: a de que a vida devesse recomeçar em companhia de seu filho, ainda na adolescência e que necessitava muito de sua atenção para aprender as coisas boas e fascinantes da vida. A guerra lhe havia mostrado, de uma forma dura e cruel, acontecimentos e tristezas que cruzaram seu caminho. Seria um recomeço; uma nova vida; uma ponte entre o ontem e o amanhã. Ser feliz dependeria de como ambos vislumbrariam o futuro e, portanto, sua experiência de quarenta e oito anos poderia contribuir para a vida de seu filho - um garoto tímido de quatorze anos que acabara de deixar a infância para trás enquanto a juventude ainda aflora em seu corpo franzino e perturba seus pensamentos. Quatro anos se passaram desde aqueles fatos. O país está se reconstruindo; o filho Giovanni, agora com dezoito anos, ajuda nos negócios e, quando o pai viaja, toma conta de suas duas lojas de roupas elegantes na cidade. Apesar da timidez, Giovanni é peça-chave na organização e gosta de receber os clientes.
“Ser feliz dependeria de como ambos vislumbrariam o futuro e, portanto, sua experiência de quarenta e oito anos poderia contribuir para a vida de seu filhos”