Sofrimento e superação
A obra é um envolvente romance que narra a jornada de Erico e Livia, dois amigos adolescentes que enfrentam o doloroso bullying por usarem óculos com lentes grossas. Ambientada no ano em que se preparam para o vestibular, a história revela os bloqueios e desafios decorrentes desse trauma
O meu décimo segundo aniversário foi marcante. Não porque eu tenha ganhado muitos presentes ou tenha viajado para Disney, mas porque um dia antes eu fui buscar meus óculos novos. E quando eu digo “óculos”, não falo de um objeto sofisticado ou discreto o suficiente para não ser visto no pátio da escola, mas daquele conhecido como “fundo de garrafa”. Eu já usava óculos desde muito pequeno, mas com doze anos passei a usar o bendito “fundo de garrafa”. Tenho um alto grau de miopia – 11 graus nos dois olhos, para ser mais específico – e nesse dia me olhei no espelho e percebi como meus olhos ficaram pequenos. Tinha um degrau nas laterais do meu rosto, que ficou completamente deformado por causa da rossura da lente. Senti muita vergonha de me imaginar chegando na sala de aula daquele jeito. Hoje, com quase 18 anos, estou num momento decisivo da minha vida e, quando olho pra trás, vejo o quanto tudo isso que passei me deixou marcas. No ensino médio, passei por dias trevosos. Ganhei muitos apelidos e tive poucos amigos. O bullying era o meu companheiro, e quando eu ficava sozinho – o que não foi pouco –, chorava baixinho e me perguntava: “Por que comigo? Por que tive o azar de nascer com este problema? Por que as pessoas eram tão cruéis? Por que os professores não faziam nada?”. Por quê? Lembro do dia que foi a gota d’agua naquela escola. Ali eu havia estudado desde a primeira série, e já entrei lá usando óculos. Com o passar do tempo, começaram a me chamar de Quatro Olhos, Cegueta, Mister Magoo e outros apelidos muito desagradáveis. O mais incrível e revoltante era que a escola parece que fechava os olhos para isso. Minha mãe foi conversar, mas nada adiantava. Até que um dia o maldito Joãozinho e sua gangue me cercaram na saída da escola, começaram a me xingar e bater na minha cabeça, até que um deles me deu um tapa na orelha que fez meus óculos voarem longe. Não satisfeito, João foi lá e pisou com força nas lentes e quebrou os dois lados. Nossa, que dia terrível. Meus pais, então, resolveram me trocar de escola. No novo colégio existiam regras mais rígidas quanto a violência e agressividade entre os alunos, mas ainda rolava a mesma chateação que eu já estava acostumado. Eu me destacava muito nas matérias de exatas: adorava Matemática, Física e Química, o que consequentemente me fez ser visto como “CDF”, e alguns espertinhos queriam sempre que eu os ajudasse em momentos de aperto; quando eles não conseguiam aprender direito, me chamavam para dar “aula particular” para eles. Às vezes eu ficava na biblioteca com cinco ou seis garotos que adoravam jogar futebol. Eles pensavam pouco sobre as coisas do futuro, só queriam bagunçar e jogar bola. Mas eu sempre ofereci ajuda, por mais que soubesse que, talvez no dia seguinte, eles me ofenderiam e me deixariam de lado, ao menos naqueles momentos eu me sentia incluído e pertencente ao grupo. O bullying é um inimigo silencioso; ele vai te corroendo aos poucos, e por mais que eu fingisse ser forte na frente deles, lá no fundo me magoava muito, me feria e me fazia sentir incapaz. Apesar dos momentos tensos no colégio, em casaeu tinha paz: meus pais sempre me apoiavam em tudo e procuravam me dar muito amor e cuidado. Como os dois eram míopes, também tiveram muita empatia para os sérios percalços que eu passava desde muito...
O bullying é um inimigo silencioso; ele vai te corroendo aos poucos, e por mais que eu fingisse ser forte na frente deles, lá no fundo me magoava muito, me feria e me fazia sentir incapaz