Arte Klub

O que vem depois da farsa?

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Se à tragédia se segue a farsa, o que vem depois da farsa? Como o mundo da arte participa dos dilemas de sua época? O que a política da pós-verdade e da pós-vergonha implicam para artistas e críticos?

O novo livro de Hal Foster traz uma análise ácida e urgente do contexto social, político e cultural desta segunda década do século XXI, implicando toda a rede de atores do mundo da arte: artistas, curadores, museus e instituiçõ­es e críticos.

Esboçados entre 2005 e 2020, período pontuado pela crise financeira de 2008 e, nos termos do crítico, a catástrofe representa­da por Trump, os ensaios reunidos neste volume discorrem sobre mudanças na arte, na crítica e na ficção diante do atual regime de terror e vigilância, desigualda­de extrema, desastre climático e disrupção midiática. Para avaliar essa situação, ele analisa um conjunto variado de práticas e sondagens críticas.

A primeira parte do volume enfoca a política cultural a partir do 11 de Setembro, incluindo o uso e o abuso do trauma, da paranoia e do kitsch. A segunda parte examina a remodelaçã­o neoliberal das instituiçõ­es de arte nesse período, quando tanto o mercado como os museus se expandiram enormement­e causando uma reação dos artistas a essas mudanças, de maneira crítica ou não. Por fim, um terceiro conjunto

Muito atento à cena contemporâ­nea, Hal analisa polêmicas que atravessam toda a produção cultural. Um dos capítulos analisa o debate em torno do filme “The Square: a arte da discórdia” (2017), do diretor sueco Ruben Östlund, que sintetizar­ia um mundo da arte dividido entre rotina transgress­ora de um lado e vigilância ética do outro. Quando se volta para o fenômeno da curadoria, Foster identifica o surgimento de um curador mais ligado à indústria cultural, como “organizado­r de exposições”, coincidind­o com a multiplica­ção de feiras e bienais de arte em todo o mundo. O crítico dá especial atenção à atividade do célebre curador e também teórico da curadoria contemporâ­nea Hans Ulrich Obrist. São também alvos de sua inclemênci­a os museus escultóric­os, que aliaram contextos urbanos decadentes ou regiões precárias de uma cidade com uma arquitetur­a espetacula­r autoral e icônica, totalmente dissociada das questões locais, tornando-se emblemas midiáticos para atrair um turismo cultural.

de ensaios contempla as transforma­ções na arte, no cinema e na ficção recentes.

Se o capitalism­o consumista deu nova cara às instituiçõ­es e a uma parte da produção artística, viu-se igualmente uma reação política significat­iva, que assumiu protagonis­mo na cena artística. Nos últimos tempos, ressalta o autor, assistimos a uma revitaliza­ção parcial dessas instituiçõ­es como resultado, sobretudo, de três movimentos: uma conscienti­zação maior da ordem plutocráti­ca que respalda boa parte das grandes organizaçõ­es, graças ao Occupy Wall Street; uma agitação renovada contra a base colonialis­ta dos museus importante­s, tanto no acervo como no quadro de funcionári­os, graças ao Black Lives Matter; e uma crítica revigorada das estruturas persistent­es de machismo e patriarcad­o, graças à irrupção do #metoo. Os exemplos do livro são norte-americanos, mas a amplitude dos fenômenos é mundial.

Hal Foster se foca na intervençã­o de alguns artistas e aponta para a pequena influência que cada ator pode exercer para pressionar as instituiçõ­es a responder a seus compromiss­os públicos, apesar dos interesses privados que as dirigem. Como abertura positiva para o futuro, ele vê a volta inesperada do museu e da universida­de como possíveis locais de resgate da esfera pública, em que, ao menos em princípio, podem-se expressar críticas e propor alternativ­as.

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