GLAUBER ROCHA
Glauber Pedro de Andrade Rocha (Vitória da Conquista, Bahia, 1939 – Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 1981). Cineasta, escritor. Um dos líderes do Cinema Novo, movimento de vanguarda da década de 1960, Glauber Rocha propõe um cinema alinhado à realidade socioeconômica do chamado “Terceiro Mundo”.
O Cinema Novo é um movimento de renovação da linguagem cinematográfica brasileira, marcado pelo realismo e pela crítica social do país. Seus filmes caracterizam-se pela concepção de cinema autoral e pelo baixo orçamento de produção, coerente com as condições do Brasil da época.
Glauber Rocha traduz, de modo explícito, a célebre formulação do poeta russo Vladimir Maiakóvski (18931930): “não existe arte revolucionária sem forma revolucionária”.
Durante o ensino médio, em Salvador, frequenta o Clube de Cinema da Bahia, dirigido pelo crítico Walter da Silveira (19151970). Entre 1956 e 1957, organiza no colégio as Jogralescas espetáculos com dramatização de poemas modernistas; colabora como crítico em jornais; apresenta um programa de rádio sobre cinema e funda a produtora Yemanjá Filmes.
Em 1958, viaja pelo sertão nordestino e entra em contato com a cultura popular. No mesmo ano, ingressa na faculdade de Direito da Bahia e frequenta a escola de teatro da instituição. Em 1959, lança o curta experimental “Pátio”, com a atriz Helena Ignez (1942), e filma “Cruz na Praça”, obra inacabada. Em 1961, inicia as gravações de “Barravento”, exibido no Brasil, em 1967.
Gravado na Praia de Buraquinho, na Bahia, o filme conta a história do retorno de Firmino à comunidade natal, formada por pescadores negros descendentes de escravos. O filme apresenta aspectos da cultura afro-brasileira (a capoeira, o samba de roda e o candomblé), ao mesmo tempo em que o personagem denuncia seu caráter alienante (o “feitiço religioso” considerado por Firmino como causa da passividade da comunidade diante da exploração da indústria pesqueira).
Em 1963, publica o livro “Revisão Crítica do Cinema Brasileiro” e, no ano seguinte, lança seu filme mais importante: “Deus e o Diabo na Terra do Sol” (1964). Neste longa, Glauber Rocha amplia sua crítica social ao associar a miséria do sertão à exploração do trabalho do sertanejo e ao fervor religioso. No interior dessa divisão, Deus e
O diretor é reconhecido por se apropriar de inovações formais do cinema moderno europeu para filmar a realidade dos chamados “países subdesenvolvidos”. O uso da câmera na mão, a montagem descontínua, a teatralização do espaço e da encenação, a presença cênica da natureza, o improviso dos atores são alguns dos recursos formais utilizados. Eles se incorporam às manifestações da cultura popular, sobretudo às religiosas, e às alegorias políticas, distanciando os filmes do cinema comercial.
Diabo tornam-se forças sociais em conflito. A teatralidade do filme vinculada à literatura de cordel é visível na sequência em que os personagens Corisco, Dadá, Manuel e Rosa aguardam o encontro com Antônio das Mortes. Como destaca Ismail Xavier (1947) “[...] câmera e atores se deslocam de modo a traduzir visualmente o que é dito nos versos, numa representação que funde o espaço das imagens e o espaço da canção de cordel”.
A estreia do filme acontece alguns meses depois do golpe civil-militar, em abril de 1964, mas sua exibição é interditada pelo governo. Entretanto, com o êxito internacional no Festival de Cannes, o longa é liberado para maiores de 18 anos. O diretor viaja pela Europa e América, permanecendo fora do país até 1965, ano em que apresenta o manifesto “Estética da Fome”.
Na volta ao Brasil, é preso com outros sete intelectuais por protestar contra o regime militar em reunião da Organização dos Estados Americanos (OEA). O episódio ganha repercussão internacional. Em 1966, realiza os documentários “Amazonas Amazonas” e “Maranhão 66”, que contribuem para a concepção estética e política do longa seguinte, “Terra em Transe” (1967), com exibição proibida no país durante meses.
A geografia da floresta amazônica e as imagens do comício populista de José Sarney (1930) são reencontradas nesse longa. Como no filme anterior, “Terra em Transe” condensa nos personagens as forças sociais em conflito, desta vez no Brasil da primeira metade da década de 1960. E exibe aspectos grotescos da realidade brasileira e a distância entre política institucional e população. O filme tem grande repercussão e torna-se referência cultural do final dos anos de 1960, influenciando produções de cinema, teatro e música popular.
Em 1969, realiza “O Dragão da Maldade Contra o Santo Guerreiro”, retornando ao tema do cangaço, às manifestações da cultura sertaneja e ao personagem Antônio das Mortes. Com longos planos-sequências e improviso dos atores, o filme alegoriza a conjuntura sociopolítica do Brasil da época. O dragão representa os limites políticos de uma luta que parece extemporânea à conjuntura nacional e à modernização conservadora da ditadura em fins dos anos 1960.
“Deus e o Diabo na Terra do Sol” (1963), “Terra em Transe” (1967) e “O Dragão da Maldade contra o Santo Guerreiro” (1969) são três filmes paradigmáticos, nos quais uma crítica social feroz se alia a uma forma de filmar que pretendia cortar radicalmente com o estilo im
portado dos Estados Unidos. Essa pretensão era compartilhada pelos outros cineastas do Cinema Novo, corrente artística nacional liderada principalmente por Rocha e grandemente influenciada pelo movimento francês Nouvelle Vague e pelo Neorrealismo italiano.
Seu último filme, “A Idade da Terra”, é um afresco de episódios decisivos da história da humanidade, projetados no Brasil do final da década de 1970. A narrativa fragmentada, o improviso dos atores, as cenas documentais e os planos-sequências procuram condensar a formação social do Brasil, dividida entre classe dirigente e população trabalhadora e expressa em manifestações culturais e religiosas.
Inspirada pela realidade brasileira, especialmente a de fora dos grandes centros urbanos, a filmografia de Glauber Rocha é caracterizada sobretudo pela inovação da linguagem cinematográfica e pela incansável denúncia política e social durante os anos de repressão.
Perseguição política
Em 1971, com a radicalização do regime, Glauber partiu para o exílio, de onde nunca retornou totalmente. Em 1977, viveu seu maior trauma: a morte da irmã, a atriz Anecy Rocha, que, aos 34 anos, caiu em um fosso de elevador.
Em 2014, documentos revelados pela Comissão da Verdade indicaram que o governo militar pretendia matar Glauber Rocha, que se encontrava exilado em Portugal. O relatório foi produzido pela Aeronáutica, e descreve Glauber como um dos líderes da esquerda brasileira. A monitoração de Glauber era feita através de entrevistas que ele concedia a publicações europeias, criticando o governo militar e a repressão promovida por ele, considerando seus depoimentos um “violento ataque ao país”.
Morte
Glauber faleceu vítima de septicemia, ou como foi declarado no atestado de óbito, de choque bacteriano, provocado por broncopneumonia que o atacava havia mais de um mês, na Clínica Bambina, no Rio de Janeiro, depois de ter sido transferido de um hospital de Lisboa, capital de Portugal, onde permaneceu 18 dias internado. Residia havia meses em Sintra, cidade de veraneio portuguesa, e se preparava para rodar “Império de Napoleão”, a partir do argumento escrito em colaboração com Manuel Carvalheiro, quando começou a passar mal.
Curiosidades
•O cineasta Martin Scorsese nunca escondeu sua paixão pela arte de Glauber Rocha. Os dois estiveram juntos três vezes: em Nova York, Los Angeles e, por último, no Festival de Veneza em 1980.
•Em 1976, o diretor filmou, sob protestos da família, o velório do pintor Di Cavalcanti. O material rendeu um curta, que foi proibido de ser exibido depois que a filha do artista entrou com uma ação na justiça.
•Em 2004, o diretor Silvio Tendler finalizou “Glauber – O Filme Labirinto do Brasil”, que fala sobre a morte do cineasta. Demorou 21 anos para ficar pronto porque a família de Glauber demorou a autorizar sua realização.
•Sua mãe mantém um acervo com mais de 80 mil documentos e imagens feitos pelo cineasta. Eles estão guardados na sede do instituto Tempo Glauber, no Rio de Janeiro.