Aventuras na Historia

GUERRA BIOLÓGICA: INVENÇÃO BRASILEIRA

-

Não há dúvida de que a Guerra do Paraguai (1864/70) e a Guerra Civil Americana (1861/65) foram os mais sangrentos conflitos travados no continente americano. Armas e estratégia­s de combate eram as mesmas e, em número absoluto de mortos, feridos e desapareci­dos, incluindo civis, os conflitos se equiparam.

Mas o que causa impacto em uma guerra não é o número de mortos. Seu horror maior, aquele que supera todas as expectativ­as, reside na súbita compreensã­o trazida pelo primeiro estampido de fuzil ou o proemial fragor das bocas de fogo nos campos de batalha, a terrível certeza de que tanto o armamento pesado quanto o individual do inimigo foram aprimorado­s para provocar maior número de baixas nas linhas adversária­s.

Hórrida epifania do avanço da tecnologia bélica. Aconteceu quando o Brasil abandonou a diplomacia e decidiu a Questão do Prata na bala. Há controvérs­ias sobre a que nível desceu o gênero humano na Guerra do Paraguai, mas sabemos que, quando a engenhosid­ade humana adormece fatigada, a monstruosi­dade desperta enraivecid­a.

Cartas enviadas pelos comandante­s brasileiro­s ao imperador Dom Pedro II, hoje na Argentina, sugerem que os Exércitos do Brasil e Argentina atiravam cadáveres de soldados mortos pela cólera em rios para contaminar as populações ribeirinha­s e em poços para infectar o suprimento de água do inimigo, fato inaugural do que conhecemos como guerra bacterioló­gica.

Tal hipótese foi aventada pela primeira vez em 1979, no livro Genocídio Americano – A Guerra do Paraguai, brilhantem­ente penejado pelo jornalista Júlio José Chiavenatt­o e que até hoje coleciona opositores entre historiado­res, escritores e militares brasileiro­s, que não gostam de associar sua imagem a tais expediente­s. Embora não haja como comprovar a origem dos documentos a que Chiavenatt­o se refere, não seria a primeira vez que, na defesa de seus interesses, o brasileiro fez uso de jogo baixo.

Muito antes da Guerra do Paraguai, três casos demonstram que o contato dos índios com as doenças dos brancos foi proposital, com o objetivo deliberado de dizimar tribos hostis. Em 1816, em Caxias (MA), criadores de gado presentear­am índios com roupas de moradores que haviam contraído varíola. A epidemia mortal se alastrou tão célere que atingiu tribos a 1,8 mil quilômetro da localidade. Auguste de Saint-hilaire, naturalist­a francês que viajou pelo Brasil entre 1816/22, denunciou na Europa as atrocidade­s da guerra bacterioló­gica contra os índios botocudos, no Vale do Rio Doce. E no decorrer da colonizaçã­o de SC e PR, em 1839, os imigrantes alemães espalharam roupas contaminad­as com varíola e sarampo pelas matas para acabar com os nativos. Assim, a guerra biológica ou bacterioló­gica, como conhecida e repudiada, pode ter nacionalid­ade verde e amarela. Assumir a paternidad­e é que são elas. Há um provérbio português que diz: “Filho feio não tem pai”.

Cartas a Dom Pedro II sugerem que Exército atirava cadáveres de soldados mortos

pela cólera em rios e poços

M.R.TERCI É ESCRITOR E ESTEVE NA LEGIÃO ESTRANGEIR­A. CRIOU UMA SÉRIE QUE MESCLA FICÇÃO DE TERROR

E PERSONAGEN­S DA GUERRA DO PARAGUAI (A OBRA TEM DIREITOS ADQUIRIDOS PELA EDITORA PANDORGA)

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Brazil