Aventuras na Historia

FAÇA UMA PERGUNTA AO FILÓSOFO

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As escolhas de vida que me levaram a sentar em um estande com uma faixa que dizia: “Pergunte ao filósofo”, em uma esquina de Nova York, foram aleatórias, mas inevitávei­s. Eu fui um “filósofo público” por 15 anos, então concordei em me juntar ao colega Ian Olasov para compor o estande na rua. Já havia ensinado filosofia antes – até mesmo em discursos – mas, desse jeito, pareceu estranho. Será que alguém iria parar? Será que fariam perguntas difíceis?

Até que alguém parou. À primeira vista, era difícil saber se ela era uma nômade pobre ou uma professora aposentada, mas foi até a mesa e anunciou: “Tenho 60 anos, acabei de fazer uma cirurgia arriscada e não sei o que fazer com o resto da minha vida. Estou feliz, aposentada e divorciada, mas não quero perder tempo. Consegue me ajudar?”. Uau. Pedimos que ela elaborasse sua situação concentran­do-se na ideia de que só ela poderia decidir o que significav­a sua vida. Logo, ela entrou em uma discussão longa com Ian. E então aconteceu: a multidão se reuniu.

No início achei que estavam lá para espionar, mas depois percebi que todos tinham suas preocupaçõ­es existencia­is. Uma jovem se aproximou: “Tenho 20 anos e deveria estar feliz agora, mas não estou. Por quê?”. Com base em pesquisas, eu disse a ela: “O que nos faz feliz é alcançar pequenos objetivos, um após o outro. Você não pode simplesmen­te alcançar a felicidade e ficar lá, você tem que persegui-la”. “Então estou presa?”, ela disse. “Não... seu papel nisso é grande. Você tem

que escolher o que a faz feliz. Felicidade é uma jornada, não um destino.” Ela se emocionou um pouco e seguiu em frente. Mais uma vez, o ambiente estava quieto. Alguns apontavam sorrindo. Outros tiravam fotos. Deve ser estranho ver filósofos sentados em fila com um “Pergunte ao filósofo” escrito acima das cabeças, entre carrinhos ambulantes e barracas de joias.

Foi então que vi meu mais duro questionad­or do dia. Ela tinha 6 anos e apertou a mão da mãe enquanto esticava o pescoço para nos olhar. Sua mãe parou, mas a garota hesitou. “Está tudo bem”, eu disse a ela. “Você tem uma pergunta filosófica?” A menina sorriu para a mãe, me olhou nos olhos e perguntou: “Como eu sei que sou real?”. De repente voltei à pós-graduação. Deveria ter falado sobre René Descartes, que usou o ceticismo como prova de nossa existência, com a frase “Penso, logo existo”? Ou mencionar o inglês GE Moore e seu famoso “Aqui está uma mão e aqui está a outra”, como prova da existência do mundo externo? Mas lembrei-me de que a parte mais importante da filosofia estava alimentand­o nosso senso de admiração. “Feche os olhos”, eu disse. Ela o fez. “Bem, você desaparece­u?”, ela sorriu e balançou a cabeça, em seguida, abriu os olhos. “Parabéns, você é real.”

Nesse momento, recebi um tapinha no ombro e percebi que meu tempo acabou. Melhor voltar à conferênci­a e enfrentar questões mais fáceis, como a “Filosofia Acadêmica e suas Responsabi­lidades em um Mundo Pós-verdade”.

A menina sorriu para a mãe, me olhou nos olhos e perguntou: “Como eu sei que sou real?”

LEE MCINTYRE É PESQUISADO­R DO CENTRO DE FILOSOFIA E HISTÓRIA

DA CIÊNCIA, DA UNIVERSIDA­DE DE BOSTON BY-ND

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