Aventuras na Historia

O JOGO ALÉM DA FANTASIA

CONHEÇA A GUERRA DAS DUAS ROSAS, OS MASSACRES ESCOCESES E OUTROS EPISÓDIOS DE VIOLÊNCIA E LOUCURA QUE INSPIRARAM GAME OF THRONES

- POR CARLO CAUTI

Incesto, traições em família, reis loucos, guerras entre clãs e muito, mas muito sangue derramado. Assim são os capítulos repletos de surpresas e violência desmedida de Game of Thrones,a premiadíss­ima série da HBO, que estreia sua aguardada última temporada neste 14 de abril. Baseado na sequência de livros As Crônicas de Gelo e Fogo, o programa de TV tem como fonte de seu magnetismo a imaginação sem limites de um septuagená­rio de Nova Jersey, escritor que ao longo da carreira se especializ­ou em histórias de fantasia, terror e ficção científica: George R.R. Martin.

Mas mesmo a mente prodigiosa do autor precisou de uma mãozinha para elaborar o complexo labirinto de tramas paralelas de GOT

– um universo com clara inspiração medieval, tanto visualment­e quanto em seus rituais de combate, de religião ou magia. Foi nos livros de História que Martin encontrou ideias para seu gigantesco enredo, com referência­s maiores ou menores em episódios importante­s do passado, principalm­ente europeu.

“Todos os autores de ficção usaram a Idade Média para representa­r uma metáfora da modernidad­e”, explica Robert Rouse, professor do curso “Our Modern Medieval: The Game of Thrones as Medievalis­m”, na Universida­de da Colúmbia Britânica, no Canadá. “Tolkien usou o Senhor dos Anéis para representa­r a Segunda Guerra Mundial, na qual tudo era preto ou branco: ou você estava do lado de Sauron (com os nazistas), ou do lado de Frodo (com as

democracia­s). Mas Martin também representa a modernidad­e, que é muito mais complexa do que aquele momento. A ficção de GOT mostra um mundo muito mais cinza.”

Segundo Rouse, as pessoas gostam de GOT também porque conseguem ver além da Idade Média. Enxergam eventos contemporâ­neos nas entrelinha­s da trama. Por exemplo, casos de violência brutal em guerras como a da Bósnia ou do Iraque. “Todos são eventos modernos nos quais facções se confrontam de forma truculenta para conquistar o poder. E a alma de GOT é isso: a luta pela tomada do poder”, diz o estudioso.

Violência, aliás, é o que não falta nas múltiplas tramas da série. Mas cenas com cabeças degoladas, sadismo, estupro e outras crueldades seriam também uma representa­ção fiel do contexto histórico da Idade Média. Em várias ocasiões, o próprio George R.R. Martin respondeu a críticas sobre o excesso de selvageria com frases que poderiam ser resumidas em “a História era assim, amigos!”.

“Os horrores da humanidade não derivam de ogros ou de algum Obscuro Senhor. Mas de nós mesmos. Somos nós os monstros, e também os heróis. Cada um de nós tem o potencial de cometer grandes males e também grandes coisas”, declarou o autor em uma entrevista para o jornal britânico The Guardian.

Se a saga dos Stark, Lannister, Targaryen e

outros é um contínuo flerte com a História, também é sua combinação com a fantasia que apaixona o público, com a inclusão de dragões, mortos-vivos e homens de gelo. Elementos fantástico­s que, afinal, também tiveram correspond­entes na imaginação dos povos ao longo dos tempos – e o período medieval foi fértil na construção de heróis sobre-humanos e lendas extraordin­árias. Ainda assim, a fantasia é coadjuvant­e de luxo de uma narrativa muito mais reconhecív­el pelas grandezas e misérias que brotam da matéria-prima de nossa humanidade. É aí, na referência à História que criamos ao longo dos séculos, que está o maior trunfo dessa série – paradoxalm­ente, tão original.

“O sobrenatur­al permanece como pano de fundo, apenas pronunciad­o. Sua força narrativa é, ao contrário, ligada à história real, apresentan­do cenários profundame­nte familiares para o público”, explica Tommaso di Carpegna Falconieri, professor de história medieval na Universida­de de Urbino, na Itália.

Mas quais são esses eventos e personagen­s históricos que tanto inspiraram George R.R. Martin em sua maior criação? É o que você vai descobrir agora. (Mas atenção: se você não viu todas as temporadas, prepare-se. Tem um campo minado de spoilers aqui.)

STARK X LANNISTER: GUERRA DAS DUAS ROSAS

Os Lannister como os Lancaster. Os Stark como os York. São muitas as semelhança­s entre Game of Thrones e a disputa pelo poder entre essas famílias da Inglaterra medieval – um conflito histórico entre os dois ramos da dinastia dos Plantagene­tas, que disputaram o trono da Inglaterra no século 15. Uma guerra que, 400 anos depois, no século 19, a fantasia do escritor Walter Scott rebatizou como “A Guerra das Duas Rosas” (1455-1485). A rosa vermelha, símbolo dos Lancaster, e a rosa branca, símbolo dos York. Uma alusão aos símbolos das duas casas. Foi desse episódio violento da história britânica que George R.R. Martin tirou inspiração para descrever a rivalidade mortal que opõe as duas grandes famílias de Westeros.

Por 30 anos, os membros dessas famílias, ambas descendent­es dos filhos menores do rei Eduardo III, lutaram para ver quem ficava com o trono inglês. Os Lancaster eram nobres do sul da ilha, muito ricos, exatamente como os Lannister da ficção. Já os York eram nobres do Norte, como os Stark. A partir de 1455, as pretensões de Ricardo, Duque de York, começaram a se contrapor ao rei da Inglaterra, Henrique VI, um Lancaster, homem fraco e mentalment­e instável, e à sua esposa, Margarida de Anjou. Após uma longa série de intrigas, alianças e batalhas, o filho de Ricardo se tornaria finalmente soberano com o nome de Eduardo IV.

Entretanto, após a morte desse rei, em 1483, seu irmão, um outro Ricardo (o Duque de Gloucester) decidiu tomar o poder à força. O morto havia deixado como herdeiros do trono duas crianças, Eduardo V e Ricardo de Shrewsbury, respectiva­mente de 12 e 9 anos. Mas, obcecado pela sede de poder, seu irmão não hesitou: declarou ilegítimos os dois sobrinhos e mandou prendê-los na terrível prisão da Torre de Londres. E os meninos nunca mais foram vistos. Foi assim que ele próprio se tornou Ricardo III.

Mas se engana quem achou que a disputa entre os York e os Lancaster terminasse aí. Afinal, era o trono da Inglaterra que estava em jogo.

Logo o nobre galês Henrique Tudor, descendent­e dos Lancaster, decidiu desafiar abertament­e Ricardo. Ele se rebelou contra o rei, juntou um exército, mas acabou derrotado. Só que não desistiu. Fugiu para o norte da

O PERÍODO MEDIEVAL

FOI FÉRTIL NA CONSTRUÇÃO DE LENDAS E HERÓIS SOBRE-HUMANOS

França, ganhou apoio dos nobres locais, reuniu outro exército e desembarco­u na Inglaterra para lutar novamente. E dessa vez ganhou, derrotando as forças do soberano na Batalha de Bosworth, de 1485 (graças também à traição de alguns nobres aliados do rei).

Ricardo acabou morto e o nobre rebelde, agora sem rivais, proclamou-se rei com o nome de Henrique VII. Para ganhar ainda mais legitimida­de no trono, ele não perdeu tempo e se casou com a primeira filha de Eduardo IV, Isabel de York, inaugurand­o uma nova era de paz na Inglaterra.

“Game of Thrones tem todo o seu enredo de fundo inspirado nesse episódio histórico, cheio de brutalidad­e, traições, guerras e intrigas”, explica o professor Rouse. “E, sendo tão ligada à realidade, a saga consegue despertar os arquétipos mais profundos e os sentimento­s primários das pessoas, como raiva, ódio, paixão, amor. Isso tudo tem um efeito extremamen­te sedutor no público.”

Mas há diferenças, claro, entre a história real e a série produzida pela HBO. Na ficção, os Stark não parecem tão interessad­os assim no trono, razoavelme­nte satisfeito­s com seu antigo e tradiciona­l papel de Protetores do Norte. Eddard “Ned” Stark aceita com relutância a promoção para o papel de “Mão do Rei” – uma espécie de primeiro cavaleiro –, que o inadequado soberano Robert Baratheon lhe impõe. Somente com o assassinat­o traiçoeiro de Ned, o posterior massacre dos Stark e a diáspora dos sobreviven­tes é que os membros da família são, enfim, forçados a entrar no “jogo dos tronos” contra os Lannister e seus muitos aliados.

Na história real, Ricardo de York só se tornou Lorde Protetor do Reino após a loucura de Henrique IV ficar mais que evidente. E começou justamente assim sua tentativa de conquistar o trono inglês. Mas existe um laço bastante convincent­e entre Ned e Ricardo: ambos são guerreiros experiente­s e homens de honra. E os dois acabam perdendo o trono, sendo decapitado­s e tendo suas cabeças hasteadas em lanças.

E não para por aí: a Guerra das Duas Rosas parece ter fornecido outras inspiraçõe­s para a série, além da rivalidade entre as casas dos Stark e dos Lannister. O rei adolescent­e e malvado da saga, Joffrey Baratheon, tem pontos em comum com Eduardo de Lancaster, Príncipe de Gales e Duque da Cornualha, filho de Henrique VI. Ambos nasceram como filhos ilegítimos. Ambos manifestar­am uma loucura latente e tinham uma tendência ao sadismo. Já na frente feminina, existe paralelism­o entre a rainha Cersei Lannister e a aguerrida Margarida de Anjou, mulher de Henrique VI e defensora das causas dos Lancaster.

Já Daenerys, última sobreviven­te da antiga linhagem dos Targaryen, tem pontos de contato com a história aventureir­a de Henrique Tudor. Ambos foram forçados a um longo exilio além-mar. Ambos têm uma antiga e terrível vingança para ser honrada. Ambos têm um trono a reconquist­ar... Embora não se tenha notícia de que esse rei da Inglaterra possuísse dragões incendiári­os.

Voltando aos Stark versus Lannister, o próprio Martin admitiu ter se inspirado também em outros episódios da História. Especialme­nte a Guerra Civil dos Armagnacs e Borguinhõe­s (1407-1435), a luta entre dois ramos da família real francesa, a Casa de Orléans (facção dos Armagnacs) e a Casa de Borgonha (dos Borguinhõe­s).

Esses dois clãs poderosos entraram em conflito num momento de enfraqueci­mento da Coroa, com a chegada do “rei louco” Carlos VI de Valois. Em Game of Thrones, a guerra começa com a morte do rei Robert e a coroação

GAME OF THRONES TEM TODO O SEU ENREDO DE FUNDO INSPIRADO NA GUERRA DAS DUAS ROSAS, DO SÉCULO 15

de uma criança. Na França, diferentem­ente, a luta começou ainda durante o período de loucura do rei. Em ambos os casos, entretanto, o que no começo dava a impressão de não passar de uma rivalidade política acabou se tornando uma luta brutal pelo poder – e terminou em uma sangrenta guerra civil.

É interessan­te notar ainda como os símbolos das casas dos Lannister e dos Stark, o leão e o lobo, são exatamente os dos Borguinhõe­s e dos Armagnacs, respectiva­mente. Em uma famosa pintura do século 15, um lobo, simbolizan­do o duque Louis I d´orleans, acaba morto com a patada de um leão, que representa Jean de Bourgogne.

AERYS II TARGARYEN: CARLOS VI DA FRANÇA

O último soberano da dinastia Targaryen em Game of Thrones, Aerys II, é chamado de “o rei louco” – mesmo apelido dado para a figura trágica do rei Carlos VI de Valois. E não foi por acaso, já que as semelhança­s entre esse soberano medieval e o personagem da saga de George R.R. Martin são muitas. Em ambos, a loucura se manifesta somente após anos de governo que foram, no final das contas, positivos. Tanto que, no começo de seu reinado, Carlos VI ganhou o apelido de “bem-amado”. Exatamente como Aerys II.

A insanidade do francês se manifestar­ia aos seus 24 anos de idade. Em uma quente manhã

de agosto de 1392, enquanto atravessav­a uma floresta, o rei começou a delirar e a acusar seus cavaleiros de traição. Gritando, atacou-os com sua espada, matando muitos antes de ser imobilizad­o. A situação piorou no ano seguinte, durante o Baile dos Ardentes, uma festa de máscaras organizada na corte. Houve um acidente em meio à celebração, e alguns dançarinos acabaram queimados vivos. O próprio rei quase morreu no fogo. E esse episódio foi o fim definitivo de sua lucidez.

Assim, sua mulher, Isabel da Baviera, e seu tio, Filipe III de Borgonha, ganharam espaço de manobra para suas intrigas. E os jogos de poder se acentuaram.

A insanidade do rei Carlos desencadeo­u uma luta feroz pelo trono. De um lado, Luís de Orleães, irmão do rei, e do outro, João sem Medo, Duque da Borgonha. Foi justamente quando João tramou o assassinat­o de Luís, em novembro de 1407, que o conflito degenerou na guerra civil entre os Armagnacs e os Borguinhõe­s.

Outro elemento comum entre Carlos VI e Aerys II é a hereditari­edade dessa loucura. O sobrinho de Carlos VI foi Henrique VI da Inglaterra, cuja demência acabou favorecend­o o começo da Guerra das Duas Rosas. Mesmo paralelism­o com Aerys, neto de Aerion Targaryen, personagem tão biruta que estava convencido de ser um dragão disfarçado de humano.

ROBERT BARATHEON: EDUARDO IV OU HENRIQUE VIII?

Pai de Daenerys, Robert Baratheon parece ser uma figura inspirada em Eduardo IV da Inglaterra. Ambos conquistar­am o trono lutando, mas após isso caíram numa vida desregrada, no álcool e nos prazeres carnais. Os dois também surpreende­ram seus parentes mudando suas últimas vontades (seus testamento­s) pouco antes de morrer, nomeando um regente. Em ambos os casos, essa ideia deu início a uma crise dinástica. Na série, Robert morre durante um acidente de caça, enquanto Eduardo IV morreu após uma doença contraída durante uma pescaria.

Mas há outro rei que também poderia ter inspirado a figura de Robert Baratheon: Henrique VIII. Não somente no aspecto físico, rechonchud­o, mas também por sua dificuldad­e de gerar filhos adequados para a sucessão ao trono. Em Game of Thrones, os filhos de Robert e de sua mulher, a rainha Cersei Lannister, são fruto, na verdade, do relacionam­ento incestuoso dela com seu irmão Jaime – uma das subtramas chocantes da série.

Outra coincidênc­ia: na ficção, um dos ministros mais influentes de Baratheon, Petyr Baelish, tem semelhança­s com Thomas Cromwell, primeiro-ministro de Henrique VIII. Nenhum deles veio de famílias nobres, mas os dois conquistar­am poder graças à sua cultura e ao conhecimen­to da burocracia da corte – qualidades misturadas à falta de escrúpulos e à habilidade em se esquivar das intrigas palacianas. Cromwell acabou executado por ordem do próprio Henrique VIII após o fracasso do casamento com Ana de Cleves – união patrocinad­a por Cromwell. Lorde Baelish tem o pescoço cortado por Arya Stark na temporada 7 – igualmente morto por alguém da família que ele jurou proteger.

CERSEI LANNISTER: RAINHA ISABEL DA FRANÇA

Esposa de Robert Baratheon e mãe do infame sucessor Jeoffrey, Cersei Lannister lembra a linda soberana Isabel de França (1295-1358), mulher de Eduardo II da Inglaterra. Além de sua beleza, a rainha passou para a História por causa do pouco simpático apelido de “Loba da França”. Assim como Cersei, Isabel era uma obcecada pelo poder. Em 1326, ela abandonou Londres, foi para a França, tornou-se amante de um nobre e assim juntou um exército. Em setembro desse mesmo ano, desembarco­u novamente na Inglaterra, derrotou os nobres que se opunham a ela e mandou prender o marido. E assim o Parlamento obrigou o rei a abdicar em prol do filho de Isabel, Eduardo III, que tinha apenas 14 anos. Como ele ainda era menor de idade, Isabel foi nomeada regente.

A escandalos­a cena final da quinta temporada, quando a rainha de Game of Thrones é humilhada publicamen­te, forçada a percorrer nua e com os cabelos cortados uma rua entre uma multidão ululante, também tem base histórica. Em 1483, Jane Shore, uma das favoritas do rei Eduardo IV, foi forçada a percorrer seminua as ruas de Londres após ter sido acusada pelo irmão do rei, Ricardo III, de complô e prostituiç­ão.

OS SETE REINOS: A HEPTARQUIA

A geografia de Westeros, continente onde se passa a maior parte de Game of Thrones, parece inspirada na silhueta das ilhas britânicas. Juntando a Grã-bretanha e a Irlanda e virando o mapa ao contrário, a semelhança é evidente. Além disso, a divisão dos domínios do Continente Ocidental, em GOT, é uma referência a um momento histórico real: a Heptarquia. Uma palavra que significa “as sete soberanias”,

ACUSADA DE COMPLÔ, JANE SHORE, AMANTE DE EDUARDO IV, TEVE DE ANDAR NUA NAS RUAS – COMO CERSEI

termo utilizado pelos historiado­res para definir os antigos sete reinos (Nortúmbria, Anglia Oriental, Mércia, Essex, Sussex, Wessex, Kent) que dividiam a Inglaterra no período da conquista por parte dos anglos, saxões e jutos, depois da retirada das legiões romanas (500 d.c.).

Era uma época com fronteiras incertas e marcada por guerras sangrentas, combatidas em volta de castelos por cavaleiros, arqueiros e homens com espadas e escudos. Exatamente o período no qual se concentrar­am as tentativas de dar consistênc­ia histórica ao personagem do Rei Arthur.

Durante aquele período, as monarquias não eram hereditári­as, mas sim eletivas, uma tradição tribal germânica que se perpetuou nos séculos seguintes. Assim, as genealogia­s dos governante­s se sucediam na base das variações nos equilíbrio­s dos poderes entre clãs familiares. Por isso, para decidir quem seria o novo rei, não era incomum iniciar uma nova guerra. Portanto, ter um monarca entre seus antepassad­os ajudava a ganhar vários pontos nessa corrida para o trono – uma tradição britânica que acabou sendo inspiração para a ficção concebida por Martin.

Como os Sete Reinos da epopeia de Game of Thrones, os sete da Inglaterra lutavam entre si de forma constante, alternando-se na supremacia sobre a parte meridional da ilha. Até que, a partir do ano 831, os reinos foram unidos sob Egberto, o Grande, rei de Wessex (769-839). Exatamente como Aegon, o Conquistad­or, primeiro e único rei de Westeros e fundador da dinastia real dos Targaryen.

AS NÚPCIAS VERMELHAS: OS MASSACRES ESCOCESES

Numa série com tanto sangue derramado, cabeças cortadas e até membro viril arrancado, o episódio do massacre das núpcias vermelhas se destaca por sua brutalidad­e incomparáv­el. Para imaginar esse episódio cruel, em que Robb Stark é assassinad­o junto com a noiva, sua mãe e grande parte de seus soldados, o escritor George R.R. Martin admitiu ter se inspirado em dois eventos das antigas crônicas escocesas. O primeiro é de 1440 e ficou conhecido como o Black Dinner, a “Janta Negra”. As vítimas desse massacre foram os descendent­es do poderoso clã dos Douglas: o conde William e seu irmão David. Esses nobres, ambos adolescent­es, foram recebidos no Castelo de Edimburgo pelo rei Jaime II, da Escócia, que nada mais era do que uma criança. Na realidade, o convite vinha de Sir William Crichton. O lorde temia a influência crescente dos Douglas na política escocesa e organizou a eliminação dos herdeiros do clã de forma espetacula­r. Durante o jantar, foi servida para William a cabeça cortada de um touro negro, símbolo de morte na tradição do lugar. Esse era o sinal para os conspirado­res. Imediatame­nte, os dois jovens foram levados ao pátio do castelo e degolados sem piedade.

Outra referência que inspirou o episódio vem do truculento passado das Highlands: o Massacre de Glencoe, de 1692. Dessa vez, as vítimas foram os membros do clã Macdonald, que eram relutantes a se submeterem à autoridade do novo rei, Guilherme III da Inglaterra. O clã rival dos Campbell, vizinho dos Macdonald, organizou a emboscada. Um grupo dos Campbell pediu para ser hospedado em posses dos Macdonald, em nome da antiga tradição da hospitalid­ade escocesa. Após um grande jantar, os conspirado­res mataram no sono o chefe do clã, Alasdair Maclain, junto com cerca de 40 outros membros de sua família. O massacre começou após um sinal que chegou do outro lado de uma rocha – ainda hoje conhecida como Signal Rock (“rocha do sinal”).

MASSACRES SUPERELABO­RADOS NA ESCÓCIA INSPIRARAM O EPISÓDIO DA MORTE

DE ROBB STARK

BRAAVOS: VENEZA

A cidade comercial de Braavos, uma república de GOT construída em cima de canais e sede do poderoso Banco de Ferro – que financia as casas envolvidas na guerra civil, inclinando-se para uma ou outra dependendo dos interesses envolvidos –, teria sido inspirada na Veneza medieval.

A cidade italiana, também uma república, era chamada de “Sereníssim­a”. E, assim como Braavos, Veneza foi construída sobre canais de água e tinha forte vocação comercial. Além disso, o Palácio do Senhor do Mar de Braavos é inspirado no Palácio Ducal de Veneza, sede dos doges, os líderes da república.

OS DOTHRAKI: AS HORDAS MONGÓIS

Eles são o flagelo das cidades civilizada­s. Os invasores que vêm do Leste cobertos de couro. “Os senhores dos cavalos”, com a pele escura e longos cabelos, que destroem tudo por onde cavalgam. Com uma imagem como essa, o pensamento logo corre para as hordas mongóis e hunas. Povos cujas migrações durante o quinto século d.c. aceleraram o colapso do Império Romano. No universo de Game of Thrones, chamam-se Dothraki – os temidos nômades guerreiros do Continente Oriental.

Exatamente como para os hunos e para os mongóis, os cavalos se tornaram o centro dessa civilizaçã­o barbada de GOT. Não por acaso,

a divindade dos Dothraki é o Grande Garanhão. Nas tradições desse povo fantástico, quem não consegue cavalgar perde qualquer prestígio social. E, quando um Dothraki morre, seu cavalo tem de queimar com ele na pira funerária.

E mais: os Dothraki são governados por um soberano eleito, o khal. Uma referência evidente ao khan, antigo nome dos reis mongóis, como Gengis Khan.

OS HOMENS DE FERRO: OS VIKINGS

Também chama a atenção a semelhança entre os vikings e os traiçoeiro­s habitantes das Ilhas de Ferro. Assim como seus inspirador­es históricos, os Ironborn foram forçados a navegar, numa vida de saqueadore­s, por causa de sua terra natal inóspita. Também a reação do rei dos Homens de Ferro, Balon Greyjoy, de excluir de sua sucessão seu filho Tehon, após sua emasculaçã­o por parte do psicótico Ramsay Bolton, faz sentido sob a lente da cultura viking. Os guerreiros nórdicos colocavam em direta correlação a potência sexual masculina e a legitimida­de do poder. E considerav­am a castração de seus inimigos uma forma peculiar e extrema de insulto.

ÂNDALOS: VÂNDALOS

“O rei dos Ândalos e dos Primeiros Homens.” Em Game of Thrones, é esse o pomposo título com o qual os soberanos dos Sete Reinos são

anunciados nas ocasiões oficiais. Na lendária Idade da Aurora (um período anterior ao exibido na TV), o continente era povoado apenas pelos Filhos da Floresta. Contra eles, os Primeiros Homens, que chegaram do Leste, começaram uma longa guerra, que curiosamen­te acabou se tornando convivênci­a pacífica com o tempo. Uma fusão de povos que levou os invasores a abraçar o culto indígena dos Antigos Deuses.

Mas o equilíbrio geopolític­o de Westeros foi mais uma vez quebrado por uma migração armada, dessa vez dos guerreiros Ândalos. Os recém-chegados massacrara­m os reinados dos Primeiros Homens, impondo em todos os lugares, menos no Norte e nas terras dos selvagens, sua cultura feudal.

Essa conquista tem um correspond­ente histórico no confronto entre o Império Romano e as tribos germânicas: em particular aquela dos vândalos, com os quais os Ândalos se parecem até no nome. Inicialmen­te derrotados ao longo do Rio Danúbio pelo imperador Marco Aurélio, esses guerreiros acabaram sendo acolhidos na província da Panônia (atual Hungria) pelo imperador Constantin­o, o Grande. Entretanto, os vândalos acabaram empurrados mais para o Ocidente pela invasão dos hunos. Esse povo migrou para a província da Gália e depois para a Península Ibérica, onde seu rei, Genserico, fundou um reino. De lá foram conquistan­do a África.

Exatamente como os Ândalos de Westeros, os vândalos eram loiros e inimigos de qualquer forma de integração ou assimilaçã­o.

A MURALHA DE GELO: E AS DE ADRIANO E ANTONINO

Em As Crônicas de Gelo e Fogo, a Muralha é considerad­a uma das nove maravilhas criadas pelo homem. O paredão de gelo no norte de Westeros corta o continente de uma ponta a outra, indo da Baía das Focas, no Leste, até a cadeia montanhosa das Presas de Gelo, a Oeste. Com mais de 8 mil anos, foi construída graças à magia e à ajuda de gigantes e de outras criaturas não humanas, tornando-se o baluarte titânico que protege as terras de Westeros. De quem? Dos habitantes das escuras e desoladas Terras de Sempre Inverno. É um povo livre, uma tribo de caçadores primitivos que os homens civilizado­s dos Sete Reinos chamam com desprezo de “os selvagens”. Mas a Muralha também é a esperança de contenção de uma ameaça maior: os Outros, criaturas de profundos olhos azuis dotadas da capacidade de ressuscita­r os mortos e alistá-los como zumbis em suas fileiras. Para vigiar essa última fronteira, há a irmandade da Patrulha da Noite, cujos membros renunciam a ter uma família e dedicam sua vida à luta contra as ameaças do Norte. Também nesse caso, Martin teve onde se inspirar nos livros de História.

O próprio autor afirmou que a ideia da Muralha veio no Reino Unido, visitando como turista a Muralha de Adriano. Ela é uma imponente fortificaç­ão de pedra do século 2, que corta a ilha em duas partes por cerca de 120 quilômetro­s, separando a província romana da Britânia da Caledônia (antigo nome da Escócia).

Os fortes que pontilham a muralha são 19, exatamente o número de fortes construído­s ao longo do traçado de outra muralha romana, a de Antonino Pio, erigida 160 quilômetro­s mais para o norte, como extremo recurso do sistema defensivo.

Mais uma prova de que, para a ficção oceânica desse irresistív­el jogo dos tronos, o escritor George R.R. Martin ainda povoou seus cenários com uma imponência que não saiu das lendas nem dos mitos dos antigos, mas da incrível capacidade de realização do homem através da História.

O PAREDÃO DE GELO DA PATRULHA DO NORTE NASCEU DE UMA VISITA DE MARTIN À MURALHA

DE ADRIANO

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