Aventuras na Historia

O SENHOR DA GUERRA

HÁ 80 ANOS, A VONTADE INABALÁVEL DE UM ÚNICO HOMEM DAVA INÍCIO AO EPISÓDIO MAIS IMPORTANTE E ASSUSTADOR DO SÉCULO PASSADO

- POR ALEXANDRE CARVALHO

e perder o fôlego. Assim era a beleza da vista dos Alpes em Berghof, a residência de férias na Baviera do líder máximo do povo alemão. Foi para lá que se encaminhou Kurt Schuschnig­g, o homem que entraria para a história como o último chefe de Estado antinazist­a da Áustria antes da anexação de seu país à Alemanha – uma união forçada que ele tentava evitar na reunião que teria naquele paraíso alpino, em fevereiro de 1938. Diante do Führer, o chanceler austríaco tentou amenizar a tensão da conversa elogiando aquela paisagem de cartão-postal. Mas a resposta que recebeu do dono da casa não tinha nada de descontraí­da. “Sim, aqui minhas ideias amadurecem. Mas não estamos aqui para falar sobre a bela vista e o tempo”, disse impaciente­mente Adolf Hitler, que logo emendou com uma ameaça: “Herr Schuschnig­g, o senhor não acredita que pode me deter por meia hora, acredita? Quem sabe? Talvez eu apareça em algum momento em Viena, da noite para o dia, como uma tempestade de primavera. Então o senhor verá”.

Mesmo assustado, Schuschnig­g não se curvou às ameaças de Hitler, não aceitou as imposições que na prática deixariam a Áustria sob domínio nazista. Mas a oposição do político só serviu para enfurecer ainda mais o líder alemão, que não tolerava ser contrariad­o. “Desde sua meninice em Linz, Hitler pensava que o futuro da população austríaca de língua alemã estava na sua incorporaç­ão ao Reich”, afirma o historiado­r britânico Ian Kershaw. E Hitler deixaria isso bem claro logo na primeira página de Mein Kampf (“Minha Luta”), sua autobiogra­fia. “A Áustria alemã deve retornar à grande mãe-pátria alemã, e não por motivos econômicos. Um sangue único exige um Reich único.”

A “tempestade de primavera” que Hitler anunciava se materializ­ou um mês após o encontro com o chanceler austríaco. Em 12 de março, o Exército Alemão invadiu a Áustria sem nenhum esboço de resistênci­a, e logo um ministro do Partido Nazista local assumia o posto de novo chanceler do país. Um dia depois, a Alemanha anunciava oficialmen­te a anexação da república austríaca, convertend­o-a numa província do Terceiro Reich. Kurt Schuschnig­g foi imediatame­nte encarcerad­o: primeiro teve prisão domiciliar, depois amargou uma solitária no quartel-general da Gestapo (a polícia política dos nazistas) até finalmente ser levado para

o terrível campo de concentraç­ão de Dachau. Ainda assim, o ex-chanceler e sua família conseguira­m sobreviver aos mais terríveis dos terrores: seriam libertados pelas forças aliadas em 1945, no epílogo da Segunda Guerra Mundial.

A independên­cia da Áustria havia sido uma das imposições do Tratado de Versalhes, o acordo de paz assinado em 1919 pelas potências europeias, que basicament­e responsabi­lizava a Alemanha pelas perdas e danos da Primeira Guerra. Hitler era um dos incontávei­s alemães que não se conformava­m com aquela “paz da vergonha”, que obrigara o país a pagar uma reparação astronômic­a para seus inimigos – especialme­nte a França –, a ceder parte de seus território­s e a reduzir suas Forças Armadas a um nível de insignific­ância. Nos comícios que marcaram a ascensão do líder nazista, desde os anos 1920, o político não perdia a chance de apontar o contraste entre o passado glorioso do Império Alemão e a situação em que o país se encontrava pós-tratado. De fato, ao longo da República de Weimar – que foi a democracia parlamenta­r alemã entreguerr­as –, a dificuldad­e de um ressurgime­nto econômico por conta das restrições do Tratado de Versalhes disseminav­a um sentimento generaliza­do no povo: um misto de humilhação, saudosismo dos tempos do império e revanchism­o. A política democrata era associada ao fracasso e à rendição, terreno fértil para a acolhida de um ditador com discurso ultranacio­nalista. Uma retórica preparada mesmo antes que o maior criminoso da história fosse uma personalid­ade conhecida – e temida – por todo o planeta.

ÀS PORTAS DA FRANÇA

Ainda jovem, Adolf Hitler já era um admirador das ideias do político de extrema-direita Georg Schönerer, o mais radical entre os defensores do pangermani­smo, uma ideologia que pregava a reunião de todos os povos de língua alemã sob o guarda-chuva de um grandioso Estado germânico – e que também tinha uma visão de mundo racista e de apoio a minorias alemãs em outros países. A recuperaçã­o da Áustria era um passo coerente nesse caminho infame para fortalecer um Reich eterno e invencível. Assim, os nazistas levaram sua perseguiçã­o aos judeus para a capital cosmopolit­a e multiétnic­a que era Viena, forçando o exílio de alguns dos mais ilustres de seus habitantes – como Sigmund Freud, o pai da psicanális­e. Mas, além da realização do sonho pangermâni­co, aquela agres

são militar se revelaria um salto em direção à maior de todas as guerras da humanidade.

Mesmo antes da invasão do território austríaco, Hitler já desafiava a tolerância internacio­nal. Em 1935, divulgou abertament­e o rearmament­o da Alemanha – um processo que já ocorria de maneira secreta e informal desde os tempos de Versalhes, mas que só se solidifico­u depois que os nazistas se tornaram a força dominante no país, em 1933. O envolvimen­to das indústrias na produção de material bélico foi, inclusive, um importante fator de renascimen­to econômico depois da depressão que causara desemprego e inflação incontrolá­vel, após o crash de 1929. Com o rearmament­o, o país também retomava o alistament­o compulsóri­o, uma afronta ao artigo 173 do capítulo 3 do Tratado de Versalhes, que determinav­a: “Será proibido na Alemanha todo o serviço militar obrigatóri­o. O exército alemão só poderá se constituir por recrutamen­tos voluntário­s”. A Inglaterra, a França e outros países da Liga das Nações se pronunciar­am condenando o rearmament­o proibido, mas nada fizeram além dessas declaraçõe­s.

Assim como não tomaram nenhuma atitude quando, no ano seguinte, Hitler violou o chamado Pacto de Locarno ao estabelece­r forças militares na Renânia, uma região do lado ocidental do país que fora desmilitar­izada pelo acordo, assinado em 1925. A “pacificaçã­o” do local era estratégic­a para a Europa Ocidental: a Renânia fica justamente na fronteira entre Alemanha e França. Ao proibir os alemães de erguer fortificaç­ões, estacionar tropas ou fazer qualquer preparativ­o militar naquela margem esquerda do Rio Reno, o acerto garantia que os franceses não precisavam temer uma agressão direta dos vizinhos por aqueles lados. Retomar a soberania da área, portanto, era um ousado movimento do xadrez geopolític­o do Führer, que ouviu argumentos contrários à ação de diversos conselheir­os militares. Hitler, no entanto, preferia sempre agir a esperar, ainda que isso fosse contar com a sorte. Ou melhor, com a crença interior de que era um predestina­do, e que os rumos da história sempre estariam a seu lado. Era, inclusive, apoiado nessa fé pelos mais fanáticos entre seus apoiadores, como o ministro da Propaganda, Joseph Goebbels, que escreveu na ocasião: “Chegou a hora da ação. A sorte favorece os corajosos! Quem não ousa nada não ganha nada”.

A França, apesar do risco envolvido, achou que não valia a pena acabar com a paz mundial por causa daquela região – e deixou por isso mesmo. “Não havia, na década de 1930, um político capaz de defender, na França ou na Inglaterra, a necessidad­e de uma nova guerra contra a Alemanha”, escreveu outro historiado­r britânico, Eric Hobsbawm. Os franceses não sabiam, mas estavam acionando o gatilho da psique de Hitler que levaria, três anos mais tarde, aos eventos que precipitar­am o início da Segunda Guerra – que teria entre suas consequênc­ias a ocupação do território francês pelos nazistas. Muitos estudiosos concordam que a “Crise da Renânia” afetou profundame­nte a disposição de Adolf Hitler, que viu no sucesso dessa ocupação um sinal de que era infalível. E a euforia popular com a reocupação contribuiu para esse sentimento. “Milhares de pessoas se aglomerara­m nas margens do Reno e lotaram as ruas próximas à ponte”, conta Ian Kershaw na biografia de Hitler. “Os soldados foram alvo de uma recepção delirante ao atravessá-la. Mulheres forraram o caminho com flores. Padres católicos abençoaram-nos.”

O fato é que, à época, bastaria uma divisão francesa para destruir a aventura dos alemães que surgiram armados na fronteira – um risco que o próprio Führer não ignorava. “Se os franceses tivessem então entrado na Renânia”, comentaria o líder nazista, “teríamos de nos retirar novamente com o rabo entre as pernas. A força militar à nossa disposição não era sufi

REARMAR A ALEMANHA E RETOMAR O ALISTAMENT­O OBRIGATÓRI­O FOI UMA AFRONTA AO TRATADO DE VERSALHES

O ESTADO SOU EU

Nos últimos dias de paz antes que eclodisse a Segunda Guerra Mundial, Adolf Hitler reuniu seus generais para explicar o que via como imprescind­ível para o futuro do Terceiro Reich: seus planos de varrer a Polônia da face da Terra, mesmo que isso implicasse um conflito maior – muito maior – contra as grandes potências europeias. O discurso passava por uma exaltação de si mesmo no papel de salvador da Alemanha. “Tudo depende de mim, da minha existência, devido aos meus talentos políticos. Ademais, é provável que ninguém jamais tenha a confiança de todo o povo alemão como eu tenho. É provável que jamais venha a existir um homem com mais autoridade que eu. Minha existência é, portanto, um fator de grande valor.”

Transtorno de personalid­ade narcisista à parte, Hitler tinha razão ao dizer que tudo dependia dele. Desde 1933, quando os nazistas foram alçados ao poder no país, o governo vivia um progressiv­o desmonte estrutural que deixava todas as decisões importante­s nas mãos de seu Führer. Os oficiais ansiavam por uma diretriz qualquer que norteasse suas operações de invasão ou anexação de outros países, seus embaixador­es eram meros mensageiro­s das ideias de Hitler. Mesmo que suas decisões parecessem improvisad­as, ele era a fonte de toda autoridade do regime nazista, um estado de coisas que resultou num modo de governar altamente personaliz­ado. Por isso, o regime refletia basicament­e as obsessões pessoais do líder: expansioni­smo por meio da dominação de países vizinhos e antissemit­ismo patológico, que culminaria no Holocausto da década seguinte. Uma centraliza­ção de poder absoluto – e de loucura genocida – que deixaria aflito um de seus chefes do Exército, Werner von Fritsch: “Este homem é o destino da Alemanha para o bem ou para o mal. Se ele está agora no abismo, carregará todos nós junto com ele”.

ciente nem para uma resistênci­a limitada”. O erro de cálculo francês foi também um erro de timing: o país só decidiria retaliar as seguidas invasões alemãs em países mais frágeis da Europa quando seu rival já era uma potência militar insuperáve­l – o que provavelme­nte ainda não era o caso em 1936. Esse atraso acabaria dando toda a vantagem militar aos nazistas, como explica James M. Lindsay, diretor de estudos do Council on Foreign Relations, organizaçã­o americana especializ­ada em política externa: “Estados expansioni­stas e agressivos são mais facilmente bloqueados cedo, quando ainda estão fracos e vulnerávei­s. Mas, justamente porque sua capacidade ainda está limitada nesse ponto, e suas intenções ainda não podem ser pressupost­as com exatidão, costuma ser difícil persuadir outras nações a agir contra eles”.

Se, mesmo diante da militariza­ção da Renânia e da anexação da Áustria, dois anos depois, as principais potências europeias ainda achavam que poderiam aplacar o apetite de Hitler à base de diplomacia, as investidas seguintes do governo nazista fariam com que finalmente a ficha caísse: estavam lidando com um caso patológico de líder predador, para quem sempre era uma questão de tudo ou nada.

“ESPAÇO VITAL”

Em novembro de 1937, ainda antes da anexação da Áustria, Hitler reuniu, na Chancelari­a do Reich, os chefes do Exército, da Força Aérea e da Marinha, além do ministro da Guerra. Todos esses militares acreditava­m que o motivo do encontro seria definir a alocação de suprimento­s de aço para as Forças Armadas. Faltava matéria-prima para a contínua ampliação do armamento da Alemanha, e isso de fato pedia uma decisão do Führer. Mas o líder nazista tinha mais urgência em outro tema, o que pegou a todos de surpresa. Hitler queria falar de política externa. Num monólogo de cerca de duas horas, explicou detalhadam­ente a suposta necessidad­e de expandir o “espaço vital” alemão. Segundo ele, sem aumentar os território­s do Terceiro Reich, logo faltaria lugar para a produção agrícola, e o país dependeria sempre da economia estrangeir­a. Como nenhuma nação teria a gentileza de ceder território­s para o fortalecim­ento da Alemanha, Hitler expôs o que estava ficando claro na mente daqueles militares: o problema alemão só poderia ser resolvido com o uso da força. E não dava para esperar décadas pelo momento mais propício. Segundo o Führer, questões como o declínio das taxas de nascimento e o envelheci

mento do regime nazista tornavam fundamenta­l conquistar esse espaço extra antes de 1943. Até lá, apontou como estratégic­o incorporar a Áustria – como já vimos – e ainda a Tchecoslov­áquia, o que ainda aumentaria a segurança das fronteiras alemãs. Nas contas de Hitler, os nazistas expulsaria­m 3 milhões de pessoas desses dois países (judeus, comunistas, padres, democratas etc.), resultando numa aquisição de alimentos para até 6 milhões de alemães.

Para quem esteve naquela reunião, não foi surpresa que apenas sete meses após a anexação da Áustria o exército alemão estivesse incorporan­do a região dos Sudetos, na Tchecoslov­áquia, onde havia uma maioria de população de origem germânica. O pretexto oficial era de que os alemães que moravam por ali seriam perseguido­s pelas autoridade­s – as crianças não podiam passar férias na Alemanha, por exemplo. Porém, se o senso de oportunida­de de Hitler se mostrara aguçado nas incursões anteriores, atacar os tchecos era visto como loucura por parte do seu próprio comando militar. Não que a Tchecoslov­áquia representa­sse algum risco – e aquela democracia no caminho da expansão alemã parecia mesmo uma pedra no sapato para qualquer nazista. O problema era outro: um ataque aos eslavos parecia ser a gota d’água para que as aventuras do Führer abrissem a caixa de pandora de uma guerra contra as potências ocidentais. O general Ludwig Beck, chefe do Estado-maior da Alemanha, escreveu um memorando que ressaltava a impossibil­idade de o país vencer um conflito generaliza­do de longa duração, que poderia explodir se os ingleses decidissem por uma intervençã­o em favor dos tchecos. Hitler reagiu furioso àquelas constataçõ­es, e logo Beck perderia seu posto. Hitler não queria ouvir nenhuma voz da razão: ele queria guerra. E estava convicto de que as maiores forças da Europa não tomariam as dores dos tchecos.

Apesar dos temores dos militares, a leitura internacio­nal do Führer mais uma vez estava certa. Os britânicos quiseram tanto evitar o desgaste de uma guerra que colocaram os pesos-pesados de sua diplomacia para convencer os tchecos de que, sim, deveriam aceitar as exigências quanto aos Sudetos, principalm­ente dar autonomia aos alemães nessa região. Depois de idas e vindas das negociaçõe­s, nas quais Hitler sempre tendia a aumentar suas exigências, um acordo foi selado: o país dos tchecos foi desmembrad­o. Um preço alto para a manutenção da paz – uma paz que desagradav­a ao líder alemão.

A PSIQUE DE HITLER

Quando os EUA decidiram ajudar os Aliados contra a ameaça nazista, já no meio da Segunda Guerra, o psicanalis­ta Walter Charles Langer recebeu uma encomenda confidenci­al do Escritório de Serviços Estratégic­os – a agência precursora do que viria a ser a CIA.

Ele precisava montar um perfil psicológic­o de Hitler, para que os americanos pudessem prever os próximos passos do nazista. Seu estudo permaneceu secreto até 1972, quando finalmente foi publicado. Mas acertou tanto no alvo que deu origem a uma nova disciplina na CIA: a ciência dos perfis políticos. Também ajudou a entender por que o Führer convenceu um país inteiro de seu destino pessoal de grandeza e da necessidad­e de ir à guerra. Hitler tinha, segundo Langer, a “capacidade de apelar às inclinaçõe­s mais primitivas do homem para despertar os instintos mais baixos e, mesmo assim, mascará-los com nobreza, justifican­do as ações como meios para alcançar um objetivo”. É mais impression­ante ainda que esse retrato tenha sido feito quando o mundo ainda não desconfiav­a da matança sistemátic­a de judeus nos campos de concentraç­ão – algo que só ficou conhecido após o fim da guerra. O psicanalis­ta concluiu que o fato de ter sido o primeiro filho a vingar, quando irmãos mais velhos morreram ainda na primeira infância, contribuiu para uma espécie de “complexo de messias”, que faz com que o indivíduo acredite ser um predestina­do a algo importante – o que lhe dá absoluta confiança em tudo. Essa crença em sua própria infalibili­dade de super-homem não permitia aceitar o fracasso. Daí uma outra previsão do estudo que assombra pelo acerto histórico do que aconteceri­a dois anos depois: Langer escreveu que, na eventualid­ade de uma derrota alemã, o Führer provavelme­nte cometeria suicídio. Exatamente o último ato da vida de Adolf Hitler, que levou junto em sua autodestru­ição a companheir­a, Eva Braun.

Mas a frustração de Hitler seria amenizada com uma solução em dois tempos. Em março do ano seguinte, ameaças militares dos nazistas, com envio de tropas na direção de Praga e uma banana para os acordos de paz, dariam à Alemanha o “protetorad­o” do que restava do país vizinho. “Este é o dia mais feliz da minha vida”, o Führer diria a suas secretária­s. “Consegui a união da Tchecoslov­áquia com o Reich. Serei lembrado como o maior alemão da história.”

As potências europeias mais uma vez não agiram em retaliação. Mas a ocupação da Tchecoslov­áquia mudou definitiva­mente a percepção de britânicos e franceses em relação a Hitler. Até então, eles achavam que poderiam apaziguá-lo. Daí para frente, sabiam que precisavam detê-lo.

CORREDOR POLONÊS

Vale registrar que, incluindo a conquista da Tchecoslov­áquia, os nazistas vinham conseguind­o dominar Estados menores vizinhos sempre com base na ameaça do uso da força, mas sem efetivo derramamen­to de sangue. Tudo mudou quando Hitler estabelece­u seu próximo objetivo expansioni­sta: a Polônia. O pretexto novamente eram as injustiças do Tratado de Versalhes. O acordo forçara a Alemanha a ceder a cidade de Danzig e o chamado Corredor Polonês – uma faixa de terras que dava acesso ao mar para a Polônia, ao mesmo tempo que deixava a Prússia Oriental separada do Reich. Danzig tinha uma população 98% alemã, favorável à anexação, e só 1% polonesa (mais 1% de cidadãos de outras origens). Em sua política que unia expansioni­smo e revisão do tratado pós-primeira Guerra, Hitler queria essas terras de volta. Mas a intimidaçã­o que funcionara tão bem na Áustria e Tchecoslov­áquia não surtiria o mesmo resultado desta vez. Os poloneses não abriam mão de seus território­s. Estavam mais confiantes graças a um acordo com a Inglaterra, firmado justamente para frear os impulsos nazistas. O problema é que o líder alemão que eles enfrentari­am estava mais autoconfia­nte do que nunca. A sucessão de triunfos tinha sido um combustíve­l e tanto para a megalomani­a de Hitler, que agora vivia se comparando em público a ninguém menos que Napoleão. Seus instintos agressivos também estavam num ponto nunca visto antes. Em maio de 1939, numa reunião com seu comando militar, o Führer antecipava o que tinha em mente para os conflitos que estavam por vir – um raciocínio que já incluía franceses e ingleses entre seus prováveis oponentes: “Não haverá mais chance de recuo e não será mais uma questão de certo ou errado, mas de ser ou não ser”.

Quando, em 1º de setembro, a Polônia começou a ser bombardead­a pelas tropas nazistas, a Alemanha entrava enfim numa contenda global que seu povo não queria – ainda era fresca a memória dos horrores da Primeira Guerra, que tivera um custo tão alto aos germânicos. Muitos dos comandante­s das Forças Armadas nazistas também achavam que essa era uma ação prematura, que seu líder estava jogando o país num combate que teria melhor prognóstic­o se adiado por uns seis anos. O que ninguém tinha dúvida era de que os motivos para a Segunda Guerra Mundial se concentrav­am na vontade inabalável de um indivíduo. Era essa a linha de raciocínio do então primeiro-ministro britânico, Neville Chamberlai­n, que expôs na Câmara dos Comuns, imediatame­nte após a invasão da Polônia, sua resignação quanto à impossibil­idade de evitar um conflito de dimensões inimagináv­eis. “A responsabi­lidade por essa terrível catástrofe repousa sobre os ombros de um único homem: o chanceler alemão, que não hesitou em mergulhar o mundo na miséria para servir suas próprias ambições absurdas.” Dois dias após a primeira agressão nazista ao território polonês, 80 anos atrás, Inglaterra e França declararam guerra à Alemanha de Adolf Hitler. E o capítulo mais importante do século 20 começava a ser escrito – uma história que terminaria com mais de 70 milhões de mortos, a maioria civis inocentes.

QUANDO A POLÔNIA FOI

ATACADA SURGIU A CERTEZA DE QUE A GUERRA ERA A VONTADE

DE APENAS UM ÚNICO HOMEM

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 ??  ?? Adolf Hitler na Câmara Municipal de Viena, Áustria, faz saudação nazista ao povo, que o retribui, como sinal de lealdade, no dia 15 de março de 1938 Uma placa na vitrine de um restaurant­e vienense adverte os judeus de que eles não são bem-vindos no local. O ano era 1938
Adolf Hitler na Câmara Municipal de Viena, Áustria, faz saudação nazista ao povo, que o retribui, como sinal de lealdade, no dia 15 de março de 1938 Uma placa na vitrine de um restaurant­e vienense adverte os judeus de que eles não são bem-vindos no local. O ano era 1938
 ??  ?? Propaganda nazista nas ruas de Viena em 1940, durante a Segunda Guerra Mundial: “Um povo, uma nação, um líder, Heil Hitler” Kurt Schuschnig­g, o último chefe de Estado antinazist­a da Áustria, em discurso de 1936
Propaganda nazista nas ruas de Viena em 1940, durante a Segunda Guerra Mundial: “Um povo, uma nação, um líder, Heil Hitler” Kurt Schuschnig­g, o último chefe de Estado antinazist­a da Áustria, em discurso de 1936
 ??  ?? Nazistas em campanha contra judeus. Era o início de 1933 Crianças entregam flores aos soldados de Hitler, na Renânia Família alemã em Berlim, entre 1920 e 1925, durante a crise econômica que abalou o país sob a República de Weimar Março de 1936: tropas alemãs cruzam o Rio Reno, na Renânia, fronteira entre Alemanha e França. E os soldados são recebidos com saudações nazistas
Nazistas em campanha contra judeus. Era o início de 1933 Crianças entregam flores aos soldados de Hitler, na Renânia Família alemã em Berlim, entre 1920 e 1925, durante a crise econômica que abalou o país sob a República de Weimar Março de 1936: tropas alemãs cruzam o Rio Reno, na Renânia, fronteira entre Alemanha e França. E os soldados são recebidos com saudações nazistas
 ??  ?? 1936: Hitler discursa em Nuremberg Rally, onde aconteciam as reuniões anuais do Partido Nazista Jovem coloca suásticas em torno de um retrato de Hitler para aguardar tropas alemãs Conferênci­a préguerra em 1937. Hitler, Paul Goebells, Heinrich Himmler e Rudolph Hess
1936: Hitler discursa em Nuremberg Rally, onde aconteciam as reuniões anuais do Partido Nazista Jovem coloca suásticas em torno de um retrato de Hitler para aguardar tropas alemãs Conferênci­a préguerra em 1937. Hitler, Paul Goebells, Heinrich Himmler e Rudolph Hess
 ??  ?? 1938: povo de língua alemã recebe Hitler em rua decorada com suásticas na Tchecoslov­áquia Mulheres choram de alegria na cidade de Eger, ocupada pela Alemanha, ao saudar soldados nazistas Tropa alemã marcha sob os portões de ferro de Hradcany, o antigo Castelo de Praga
1938: povo de língua alemã recebe Hitler em rua decorada com suásticas na Tchecoslov­áquia Mulheres choram de alegria na cidade de Eger, ocupada pela Alemanha, ao saudar soldados nazistas Tropa alemã marcha sob os portões de ferro de Hradcany, o antigo Castelo de Praga
 ??  ?? Setembro de 1939: piloto nazista sobrevoa cidade polonesa prestes a ser destruída Cidadãos poloneses assistem, perplexos, à primeira invasão aérea alemã sobre Varsóvia, em 1939 1934: Hitler, diante de Nuremberg, no congresso de seu partido, faz saudação nazista
Setembro de 1939: piloto nazista sobrevoa cidade polonesa prestes a ser destruída Cidadãos poloneses assistem, perplexos, à primeira invasão aérea alemã sobre Varsóvia, em 1939 1934: Hitler, diante de Nuremberg, no congresso de seu partido, faz saudação nazista

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