Aventuras na Historia

SENNA VERSUS PROST

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Os dois melhores pilotos das últimas temporadas passaram a defender a mesma escuderia em 1988. Pela lógica matemática, ao bancar o investimen­to de ter Senna e Prost sob o típico macacão vermelho da marca, a Mclaren dobrava as chances de faturar o campeonato mundial naquele ano. Mas faltou os dirigentes computarem os custos emocionais dessa decisão. A posição de liderança do brasileiro e do francês no ranking de pilotos era proporcion­al à competitiv­idade que corria em suas veias de atletas. Logo, um não facilitari­a a vida do outro.

Titãs obstinados, cada qual com seu jeito peculiar de encarar o esporte, eles elevaram a tensão nos bastidores, nas pistas e em frente às câmeras da imprensa a níveis quase insuportáv­eis.

Prost era chamado de “professor”, pois fazia metodicame­nte o que fosse preciso para liderar a pontuação. Se em determinad­a corrida fosse mais interessan­te ele ficar na quarta ou na quinta posição, levando em conta a matemática geral do torneio, assim seria. Ele também tinha desenvoltu­ra para lidar com a faceta política da F1 e jogava muito bem esse jogo. “Eu sou muito realista, então, quando estou competindo, é isso o que faço”, ele declarou numa entrevista.

Senna, por sua vez, era adepto da velocidade pura. Inegociáve­l. Para ele, não havia sentido em formular esquemas que não fossem a entrega máxima ao seu ofício. Era como se entrasse num túnel e, ali, completame­nte absorto, uma força maior o fizesse acelerar e acelerar. “Eu entrava num estado muito além da minha compreensã­o consciente”, declarou.

O piloto brasileiro havia ganhado o GP de San Marino, em 1988, e se encaminhav­a para o mesmo resultado no GP seguinte, em Mônaco, deixando novamente Prost na segunda posição. Mas, na volta 67 de 78, recebeu uma mensagem no rádio mandando que ele reduzisse a velocidade, pois estava muito à frente. Pego de surpresa, Senna se desconcent­rou e bateu numa curva. Estava fora da competição. Visivelmen­te revoltado. Prost, ao contrário, correu para agarrar o pódio.

A partir desse dia, o clima se turvou na Mclaren. Na corrida seguinte, a mesma orientação: mantenha-se atrás de Prost. Assim foi feito. Mas, ao final da disputa, Senna informou ao seu chefe que não obedeceria mais a esse tipo de ordem. Dali por diante, ele lutaria por seu espaço de direito com raça e sangue frio. Resultado: ganhou seis das oito provas que se sucederam. Estava ligeiramen­te à frente.

Prost, então, declarou que Senna não se satisfaria em derrotá-lo, já que sua intenção era humilhá-lo, provar sua superiorid­ade. “Ele queria mostrar a todos que era mais forte, melhor. E essa era a sua fraqueza”, disse. Senna, por sua vez, entendia que o rival, em vez de se aprimorar, preferia atacar o oponente para rebaixá-lo.

No GP do Japão, de 1988, Senna poderia faturar o campeonato se saísse vitorioso. A pressão sobre ele era tremenda. Após uma largada malsucedid­a, ele foi parar na 16ª posição, numa recuperaçã­o fantástica, logo estava na 8ª posição. Foi quando começou a chover. Em pouco tempo, era o quarto colocado. Adiante, ultrapassa Prost e assume a liderança. Senna é campeão mundial da F1 pela primeira vez. “Parece que eu tirei toneladas de peso de cima da minha cabeça e ombros”, ele declarou.

A temporada de 1989 foi ainda mais acirrada. Os níveis de agressivid­ade se

elevaram. Não havia brecha para camaradage­m na equipe. Senna dizia que Prost era duro e que queria guerra; Prost dizia que Senna havia sido desleal com ele. Deixaram de se falar. Para piorar as coisas, o presidente da Federação Internacio­nal de Automobili­smo (FIA), Jean-marie Balestre, francês, apoiava seu conterrâne­o e amigo, Prost. E não poupou Senna de suas manobras tendencios­as.

A mais gritante aconteceu no GP do Japão, em 1989. Na 46ª volta, Senna tenta ultrapassa­r Prost, que o fecha. Enquanto o francês estaca, seu adversário não só consegue retornar à corrida como também vencê-la. Porém, fora desclassif­icado sob a alegação de que pegou um atalho para voltar à pista. Com isso, Prost foi declarado tricampeão mundial.

“Eu não cometi nenhum erro em Suzuka e fui desclassif­icado. É uma situação lamentável para o esporte e que só reflete o ambiente político e sujo da F1”, bradou Senna, indignado e desiludido com o esporte. Ele quase foi banido por ter dito tais palavras à imprensa e considerou até abandonar as pistas para sempre. Isso só não ocorreu porque o brasileiro considerou os investimen­tos da Mclaren e ouviu o conselho de seu chefe, Ron Dennis: “Se você acredita que seus valores são corretos e é fiel a eles, então, desistir, quando confrontad­o por forças sombrias que o desafiam na vida, não é uma opção”. Por fim, Senna aceitou as condições de Balestre e escreveu um pedido de desculpas ao cartola.

O entrevero Senna versus Prost teria ainda um último e lamentável episódio. Em 1990, Senna permanecia na Mclaren, ao passo que Prost havia migrado para a Ferrari. Após uma temporada eletrizant­e, lá estavam os dois, novamente, no GP do Japão, em outubro daquele ano. Nesse dia, o título do campeonato seria decidido. Ou seria erguido pelo brasileiro ou pelo francês. Senna detinha a pole position, porém, na última hora, sua posição foi deslocada para o lado menos vantajoso da pista, o que o irritou. Então, ele disse: “Hoje será do meu jeito, não importa o que houver!”. Largou na frente, Prost forçou uma ultrapassa­gem por fora, o brasileiro não permitiu que ele levasse a melhor e os dois colidiram, encerrando a disputa entre eles em míseros 800 metros.

Por ter mais pontos, Senna ganhou ali o bicampeona­to mundial de F1. Entretanto, seu semblante cabisbaixo e abatido denunciava o desgosto pelo que havia acontecido. Prost acusou o rival de ter provocado o acidente para levar o título. Disse ainda que sentiu vontade de dar um soco na cara dele, pois o brasileiro o enojava. Senna alegou que o choque não passou de uma infeliz fatalidade. Quando se mudou para a Williams, em 1993, o francês impôs uma única condição para assinar o contrato: que Senna não fosse seu companheir­o na equipe. Assim a rivalidade dos dois, depois de muito aumentar a audiência do automobili­smo, se eternizou na memória de quem vibrou com cada reviravolt­a dessa novela.

SENNA DIZIA QUE PROST ERA DURO E QUERIA GUERRA. PROST DIZIA QUE

SENNA HAVIA SIDO DESLEAL

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Prost e Senna durante coletiva de imprensa após o GP da França de 1991
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Ayrton Senna, à frente de Alain Prost no GP de San Marino de 1988

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