Reportagem especial
Conheça o trabalho de voluntários de grupamento de busca e resgate que usa o mantrailing para desvendar casos de desaparecimento
Cães especialistas na busca de desaparecidos
A causa é nobre e a recompensa é a satisfação em ajudar famílias cujos entes queridos desapareceram de forma abrupta e aparentemente inexplicável. Digo aparentemente, pois para o time de 15 cães farejadores que fazem parte do Grupamento de Busca e Resgate – Sul Paulista (GBR) nada é impossível.
A maioria deles é da raça Bloodhound – raça de melhor desempenho para a realização de busca de pessoas –, embora haja cães das raças Pastor Alemão (segunda raça mais usada na tarefa), Pastor Belga Malinois e até dois sem raça definida treinados no grupo. “O Bloodhound se destaca disparado do
Pastor Alemão na função, pois ele ama fazer isso, é a brincadeira da vida dele. Se puder faz isso até morrer”, explica a treinadora Ana Beatriz Albernaz, de Araçoiaba da Serra, SP, líder do grupo que fundou há 13 anos. Ainda segundo ela, o Bloodhound possui resistência física inigualável para perseguir
os odores que lhe foram designados, caminhando por 10 ou 15 km em um único dia sem se cansar. Esse cão trabalha por dias atrás de uma trilha, sem perder o estímulo e a vontade de encontrar o que procura. “Além disso, a conformação da raça contribui para a função. Ela possui orelhas longas que vão varrendo o chão e levam os odores em direção ao nariz; uma barbela no focinho que desempenha a mesma função; uma membrana olfativa cinco vezes maior que a do Pastor Alemão; patas alongadas e pés e mãos redondas que ajudam nas caminhadas”, lista Ana Beatriz.
Um treino diferente
A modalidade de busca e resgate realizada pela equipe através dos cães é chamada de mantrailing e é totalmente diferente do trabalho que é feito com outros cães farejadores, como os de entorpecentes e explosivos. Para começar, no mantrailing quem dá as coordenadas de onde a equipe deve se deslocar para as buscas é o cão, não o condutor, pois somente ele sabe seguir uma trilha através do olfato. “Os cães seguem o que chamamos de partículas de decomposição celular (PDC), que ficam suspensas no ar como se fossem grãos de uma farinha de polvilho que sopramos num ambiente”, compara a treinadora. Aliás, um dos desafios da técnica é deixar o cão seguir sua trilha exclusivamente pelo cheiro, sem influenciá-lo com possíveis indicações visuais que nós, seres humanos, encontramos e tendemos a ter como referência de trilha, como pegadas. “Muitas vezes o cheiro desce o relevo e se deposita em locais mais úmidos, que o vento vai levando enquanto não encontra uma barreira. Então não é incomum o cão trabalhar do lado oposto do local onde achamos uma pegada, por exemplo”, detalha.
Outra diferença é que nessa modalidade o cão não precisa ter obediência. “Iniciamos os treinos no play drive, ou seja, na brincadeira, primeiro com a pessoa no campo visual do cão e depois com a pessoa se afastando, para o cão encontrá-la e ganhar muito carinho. O cão trabalha muito livre e a indicação dele (que mostra que achou sua trilha) é a mais feliz possível. Ele vai fazer festa quando encontrar a pessoa, vai pular nela, a gente vai fazer festa também quando ele achar. Já um cão de detecção, treinado para procurar entorpecentes ou explosivos, deve ter muita obediência, fazer uma indicação passiva, sentado, e o condutor é quem determinada a área na qual ele trabalha”, diferencia Ana Beatriz. Em linhas gerais, um cão de mantrailing irá executar uma função de sua natureza – a de caça – mesmo que seja feito um treinamento para que ele aperfeiçoe suas habilidades como cão de mantrailing. “O tempo de treino demora o tempo da vida do cão. Temos que usar nossa criatividade e colocar desafios constantes de situações que podem acontecer num caso real”, explica Ana Beatriz.
Estrelas do GBR
Todos os cães usados no trabalho do GBR são pets dos membros ou vivem em canis da polícia. “São tratados como pets, com todos os cuidados, são
queridos e quando se aposentam – o que é muito raro, pois têm prazer em trabalhar até o fim da vida –, ficam na casa do condutor”, diz Ana Beatriz ao apontar que a raça, geralmente, vive entre 7 e 8 anos, como muitos cães de grande porte.
Entre os cães mais ativos do grupo, Ana Beatriz cita os Bloodhounds Max, da Guarda Civil Municipal (GCM) de Itupeva, SP, e a irmã dele, a Rana Bela, da GCM de Itu, SP. “Eles estão bem conhecidos pela população, então vêm sendo bastante ativados. Diria que, por baixo, eles trabalham em três casos no mês.”
Entre os vários casos de sucesso do grupo, Ana Beatriz cita o do americano David, que foi assassinado por um cafetão – a polícia já procurava o corpo por 15 dias – e o cão foi decisivo para mostrar quem era o assassino. Também foram os cães que ajudaram a encontrar o assassino da menina Vitória Gabrielly, de 12 anos, que sumiu ao sair para andar de patins. Ainda teve o caso do menino Joaquim, em Ribeirão Preto, SP, de 4 anos, que sumiu de dentro de casa e o corpo foi encontrado em um riacho de outra cidade: os cães identificaram o padrasto como acusado e inocentaram a mãe. “Não comentamos sobre casos que ainda estão em aberto, pois isso atrapalha a investigação policial, a pessoa pode fugir ao ver na mídia o que está sendo apurado”, comenta Ana Beatriz.
Equipe humana
Trabalhando juntamente com os cães, existem 30 membros da equipe de busca, formada por policiais (GCM, Polícia Militar e Polícia Civil), membros das Forças Armadas e civis. “A única exigência que fazemos para treinar um novo membro é que ele trabalhe voluntariamente. Nosso objetivo é prover cães treinados para a população brasileira, para atuarem na buscar por pessoas desaparecidas, dando apoio em casos de sequestro, assassinatos etc.”, esclarece Ana Beatriz, que possui membros tanto no estado de São Paulo – em cidades como São Paulo, Guarulhos, Sorocaba, Araçoiaba da Serra, Ribeirão Preto e Franca –, como na Costa do Dendê, BA, e no sul – em Blumenau, SC, Florianópolis,
Santa Maria, RS, Farroupilha, RS, no Paraná e na região oeste de Santa Catarina. “Cursos já demos até na Argentina, Uruguai – onde também temos membros atuantes – e nos estados de Minas Gerais e Rio de Janeiro”, acrescenta. De acordo com Ana Beatriz, da forma como o trabalho é feito no GBR, organizado e com membros voluntários espalhados pelo Brasil, eles são pioneiros e recentes – o grupo se consolidou há 7 anos. “Existem outras pessoas que trabalham de forma independente, mas cobram pelo serviço”; postura que não tem vez na GBR – Sul Paulista! “É um trabalho que exige muita dedicação, doação, é uma filosofia de vida. Todos temos empregos paralelos para sustentar o grupo, pois não nos interessa transformar isso em um negócio. Não se pode brincar com uma família desesperada – que vai te dar o que não tem, vai se endividar para te pagar. E essa não é a nossa proposta”, finaliza.
Para acompanhar o trabalho do grupo, acesse:
Facebook/Grupamento de Busca e Resgate Sul Paulista