Reportagem especial
Raça Pastor de Malinois dá auxílio no rastreamento de carcaças de animais alados
Cães da raça Pastor Belga Malinois ajudam a avaliar impactos no meio ambiente
Um trabalho pioneiro com cães tem sido realizado no Rio Grande do Sul, na cidade de Chuí, no Parque Eólico Minuano. Cães da raça Pastor Belga Malinois têm sido usados para auxiliar biólogos no rastreamento de aves e morcegos mortos acidentalmente em linhas de transmissão e parques eólicos.
Quem faz o trabalho é Mariana Faria Corrêa, bióloga e treinadora de cães, em parceria com condutores para a busca de odores específicos da FARO Simbiota, programa criado em 2008 pela Simbiota Consultoria Ambiental, empresa contratada pela Chuí Holding SA para a condução do licenciamento ambiental de seu parque eólico. “Os animais mortos precisam ser quantificados, recolhidos e identificados para que se tenha uma ideia da magnitude desse impacto, sendo possível elaborar formas de evitar essa mortalidade. Assim, quanto mais eficiente for o trabalho, melhor se pode fazer essas análises”, explica Mariana, ao apontar que os cães já aumentaram em 70% a eficácia do trabalho de rastreamento.
Ainda segundo ela, estudos realizados no exterior mostram que o índice de carcaças rastreadas por cães pode chegar aos 90% de eficácia. Tal sucesso se dá pelo faro apurado deles. “Um cão tem condições de distinguir uma gota de sangue em cinco litros de água”, aponta Marcelo Santos, treinador de cães e condutores da Cão Sentinela, que desde 2011 tem parceria com a Faro Simbiota. “Com o faro apurado, cães conseguem identificar inclusive pequenos vestígios de animais mortos, como fragmentos de ossos, penas ou partes das carcaças”, ressalta Mozart da Silva Lauxen, de Porto Alegre, analista ambiental do Ibama (órgão junto ao qual o parque eólico é licenciado) e membro da Diretoria de Licenciamento Ambiental, Núcleo do Rio Grande do Sul.
Segundo Mozart, normalmente, a procura de vestígios de aves ou morcegos mortos em parques eólicos é realizada por humanos, através de busca visual em um raio de cerca de 100 metros no entorno de cada aerogerador, por um ou dois biólogos. Ainda segundo ele, em áreas onde a vegetação dificulta a visualização, seja pelo capim mais alto ou pela presença de arbustos, ressalta-se ainda mais a capacidade de detecção dos cães. “Diversos trabalhos científicos estimaram que os caninos têm uma eficiência de 4 a 12 vezes maior do que os humanos nessa tarefa”, enfatiza.
Treinamento dos cães
“Priorizamos a utilização de Pastor Belga Malinois pela eficiência, rusticidade e precocidade da raça. Não utilizamos raças de caça (como Pointers) para não conflitar com o instinto – que funciona independente de qualquer aprendizado”, explica Marcelo.
O tempo de treinamento de um cão para essa função é de 200 horas e a metodologia usada é baseada em um curso de faro especializado homologado pelo Exército Brasileiro – usualmente conhecido como “K-9”.
“Para selecionar os cães priorizamos a saúde do animal, depois temperamento e por último treinamento. Todos devem ser de linhagem de trabalho”, diz Marcelo. Hoje, existem dois Malinois ativos desempenhando a função, e outros em treinamento. “Trabalhamos sempre respeitando os limites do animal. Em um dia de clima favorável o cão consegue trabalhar em uma escala de 40 minutos de rastreamento e 15 minutos de descanso, durante dois turnos consecutivos. Nunca trabalhamos com sol alto e não mais do que três horas por turno, sempre terminando com o cão ainda querendo trabalhar”, aponta Mariana. A idade máxima de trabalho de um cão é 9 anos. Quando ele se aposenta, passa a viver somente com sua família.
Fora do Brasil
Embora seja algo pioneiro no Brasil, Mozart comenta que em países como Austrália, Espanha, Estados Unidos, Inglaterra e Portugal tal recurso é usado há mais de 20 anos em parques eólicos. Aliás, o programa da Simbiota nasceu inspirado em trabalho de Portugal. “Fomos estudar alternativas e conhecemos esse trabalho. A partir daí adquirimos o primeiro cão e começamos a treiná-lo”, conta Mariana.
Extensão do projeto
Segundo Mozart, hoje temos cerca de 600 usinas eólicas em operação no Brasil, onde funcionam quase 19.000 aerogeradores, especialmente nas regiões litorâneas do Nordeste e do Rio Grande do Sul. “Temos também mais de 140.000 km de linhas de transmissão de energia em alta tensão interligando o país. Em todos estes empreendimentos é exigido o licenciamento ambiental, e em muitos deles é monitorado o impacto relacionado à colisão de aves”, aponta. Portanto, o potencial de atuação para cães treinados para essa tarefa é imenso. “Técnicos de alguns órgãos ambientais incentivam a utilização da dupla condutor-animal nos monitoramentos, dadas suas vantagens em relação ao método tradicional, porém não há nenhuma exigência legal quanto a isso. No entanto, há bastante desconhecimento quanto às vantagens da utilização de cães em estudos ecológicos. Em razão disso, os órgãos ambientais não estimulam o método, tampouco as empresas que realizam os estudos o propõem”, lamenta Mozart. Parte desse desinteresse se dá pela crença de que o custo de treinamento encarece o trabalho. “Porém, produzimos resultados que melhor retratam a realidade, de forma mais eficiente, reduzindo tempo e custos”, avalia.