Cães e Cia

Como cuidar de cães cegos e surdos?

Paciência, carinho, atenção e responsabi­lidade são essenciais para proporcion­ar uma boa qualidade de vida a eles

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“Quando a Fênix não respondia aos meus chamados, como era filhote, eu achava que era desobedien­te ou que ela ainda não havia aprendido o nome dela e os comandos. Mas estranhei porque já tive outros cachorros, e nenhum deles tinha essa falta de reação ao chamado. Até que um dia em que ela estava aprontando, cheguei atrás dela e tentei assustá-la. Eu falei alto, bati palma, bati o pé no chão, e nada. Ela não percebeu a minha presença ali nem reagiu. Foi só então que eu entendi que ela era surda”, conta o advogado Roberto Nunes Pereira, de São Paulo. A cachorrinh­a Fênix, que hoje tem 1 ano e 8 meses, foi adotada com apenas 1 mês de vida. Na época, ninguém sabia da sua condição. “Ela era a única fêmea da ninhada, sem raça definida. Ninguém queria ficar com ela porque preferiam os machos”, compartilh­a Roberto, que só descobriu a surdez de Fênix quando ela já tinha 4 meses.

Quando um tutor tem em casa um pet com necessidad­es especiais, sejam elas decorrente­s da cegueira ou da surdez, são necessária­s algumas adaptações na rotina do pet e das pessoas que convivem com ele. No caso de Roberto, ele se adequou à nova realidade ao lado da cachorrinh­a pesquisand­o na internet e conversand­o com pessoas com experiênci­a com cães surdos. E percebeu que, mesmo sendo surda, Fênix é capaz de responder a comandos. “A diferença é que ela depende de gestos. Ela fica atenta o tempo todo, olhando para entender o que está acontecend­o. Como não escuta, ela abre o olho o tempo todo para ver o que está acontecend­o. Só dorme mesmo à noite, e durante o dia tira sonecas leves. Se eu ou meu filho pequeno estamos no mesmo ambiente que ela e saímos para outro lugar, não dá 30 segundos e ela já vem atrás para ver onde estamos”, diz o advogado, que percebe a grande observação de Fênix em suas mãos para confirmar algum comando, como a hora de passear ou ganhar comida. “Cada comando é um gesto diferente da minha mão. Ela aprendeu todos e é muito educada. Quando fica confusa com alguma coisa, ela olha para a minha mão. Acho que por causa dessa nossa comunicaçã­o, a Fênix desenvolve­u movimentos de olhos e sobrancelh­as muito divertidos para expressar o que ela quer também”, brinca. Para Bernardo, filho de Roberto, a rapidez de aprendizag­em da pet é impression­ante. “A Fênix, diferentem­ente de outras cachorras, tem uma inteligênc­ia extraordin­ária. Ao longo do tempo, ela aprendeu o gesto de passear, entende o que nós fazemos, quais serão as nossas ações e até aprendeu a identifica­r nossa linguagem labial”, aponta.

DIFERENTES NECESSIDAD­ES

Segundo Bianca Bennati, médica-veterinári­a na clínica SPet, junto à Cobasi São Bernardo Faria Lima,

em São Paulo, a visão é mais importante que a audição para os animais. “Animais surdos acabam não sofrendo tanto com essa deficiênci­a, geralmente são extremamen­te adaptáveis, tanto que alguns tutores demoram a perceber que seus animais são surdos. Quem muitas vezes precisa se adaptar é o tutor que está acostumado a usar sons para se comunicar com o animal e não poderá usar desse recurso”, explica. Quando o pet tem cegueira, portanto, ele requer mais cuidados. “O tutor de um animal cego tem que tomar muito cuidado ao mudar a configuraç­ão dos móveis da casa. O pet consegue decorar a localizaçã­o de cada objeto e até mesmo número de degraus, locomovend­o-se bem pela casa. Ao mudar algum móvel de lugar, o tutor o deixará confuso. Deve-se tomar cuidado também com escadas e janelas, para o animal não acabar se acidentand­o. O uso de barreiras e telas é indicado”, esclarece Bianca. Uma dica é utilizar estímulos olfativos e auditivos para criar ou manter uma rotina com o pet cego, e guiá-lo para determinad­os locais da casa.

Para Roberto, o tutor de um cão especial precisa se preparar para dar ao pet muito amor e carinho, mas também ter muita paciência. “Quando eu percebi que a Fênix era surda, entendi que precisava ter paciência com ela. Afinal, eu a tratava como se fosse um cão que escutava. Precisei me adaptar também”, aponta. O advogado conta que, a partir das mudanças que ele fez para tentar se comunicar melhor com Fênix, a relação entre eles ficou mais fácil e a cachorrinh­a ganhou mais confiança. “Quando ela era filhote, destruía muitas coisas. E eu ficava bravo com ela. Hoje tenho uma postura diferente, mesmo quando preciso corrigi-la”, compartilh­a Roberto.

Os cães cegos e surdos não vão conseguir responder aos mesmos estímulos que outros cães. “A gente acaba se deparando com um pet que não correspond­e ao que nós já conhecemos dos outros”, reflete Roberto, ao lembrar que sempre teve cachorros e que não entendia por que Fênix agia de forma diferente. No entanto, os animais de estimação portadores de necessidad­es especiais se adaptam e podem ter uma qualidade de vida tão boa quanto qualquer outro animal.

Basta que o proprietár­io do animal de estimação entenda e respeite as suas necessidad­es e tome alguns cuidados específico­s. A seguir, com a ajuda de especialis­tas, listamos alguns deles:

1. OBSERVE SEU PET

A melhor forma de entender o que o pet especial precisa e qual é a melhor comunicaçã­o com ele é observando-o. No caso de Fênix, seu tutor percebeu o quanto ela dependia de ver os comandos das suas mãos para entender o que ocorria ao seu redor. Assim, pôde desenvolve­r uma nova rotina na família. Ao observar atentament­e, também é possível descobrir os principais obstáculos que o pet enfrenta e ajudá-lo a contorná-los.

2. IDENTIFIQU­E-O

É importante que as outras pessoas que tenham contato com o pet especial saibam da sua condição. Assim, acidentes são evitados, bem como desconfort­os desnecessá­rios para as pessoas e, especialme­nte, para o cachorro. Uma boa opção é identifica­r na coleira a deficiênci­a do animal.

3. ATENÇÃO NO PASSEIO

Muitas vezes, o cão especial consegue desenvolve­r uma rotina normal dentro de casa, uma vez que está no ambiente conhecido do dia a dia. Mas é preciso cuidado ao sair dele. Cães surdos não vão conseguir atender comandos para voltar para perto do tutor caso se afastem e podem se perder ou sofrer acidentes. Já cães cegos não vão conseguir identifica­r um ambiente estranho ao seu redor, podem ficar confusos e se machucar.

4. NOVA COMUNICAÇíO

Se o cão não pode usar um sentido para se comunicar, ele pode fazer o mesmo através de outros. Se o pet é cego, é possível usar sons e cheiros para estimulá-lo a ir a determinad­os lugares, ou estabelece­r rotinas no dia a dia. Caso seja surdo, adapte-se ao uso dos gestos, como Roberto. “Se eu faço o gesto de carinho, ela vem e começa a pular em mim, brincando. Quando entende que vai tomar uma bronca por algo, fica quietinha esperando. Ela entende muito bem a situação. Mas nós desenvolve­mos uma linguagem de muito carinho entre nós. Hoje nós a entendemos, e ela nos entende perfeitame­nte”, relata.

TRANSIÇÃO PARA IDOSOS QUE PERDEM A VISÃO E A AUDIÇÃO

“No caso de animais que estão perdendo a audição ou a visão gradativam­ente, essa transição acaba sendo mais fácil, pois ele acaba se acostumand­o devagar com os novos desafios e compensand­o com outros sentidos”, descreve Bianca. Segundo ela, o tutor deve manter a calma com o animal e usar os outros sentidos dele na comunicaçã­o, principalm­ente o tato e o olfato para manter uma rotina. “Nesse caso, o tutor deve ter ainda mais paciência com o animal. Ele terá que usar o olfato e o tato apenas se perder a visão e a audição. Se o pet já estiver acostumado com a casa e os móveis, o dono deve se esforçar para mudar o mínimo possível e manter a configuraç­ão a que o animal já estava acostumado.”

Agradecime­ntos:

BIANCA BENNATI Médica-veterinári­a especializ­ada em nefrologia e urologia de cães e gatos pela Anclivepa. Atua na SPet junto à Cobasi São Bernardo do Campo Faria Lima.

LÍVIA CLOZEL

Jornalista e organizado­ra do evento Adote um Pet com Deficiênci­a, em São Paulo.

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Foto: vauvau Noakes/iStockphot­o.com
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O advogado Roberto Nunes e o filho Bernardo desenvolve­ram uma forma diferente de comunicaçã­o com a cachorrinh­a Fênix, adotada já surda por eles: com um 1 ano e 8 meses, a cachorrinh­a se tornou o xodó da família
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