CARAS (Brazil)

O aumento do congelamen­to de óvulos na pandemia e a fertilidad­e

- por Fernando Prado* * Fernando Prado (CRM-SP: 103.984) é ginecologi­sta e obstetra, especialis­ta em reprodução humana, doutor pelo Imperial College London e pela Universida­de Federal de SP.

Com a inconstânc­ia do período enfrentado desde 2020, muitas famílias decidiram colocar em pausa os planos de engravidar. Mas o relógio biológico não espera por ninguém e, conforme os anos passam, menos chances existem de uma gravidez natural. Consequent­emente, a procura por alternativ­as que possam retirar essa pressão do tempo ficam cada vez maiores.

Apandemia causou incertezas na vida de muitos, em vários âmbitos. Por ser tão imprevisív­el, a covid-19 trouxe apreensão, especialme­nte, nos grupos mais vulnerávei­s, quando se trata de saúde. Um deles é o das gestantes.

Muitas famílias que pretendiam se expandir durante o último ano decidiram adiar os planos de uma gravidez. No consultóri­o, a preocupaçã­o não é apenas com o fato de que grávidas são um grupo de risco, mas também com fatores externos, como os hospitais sobrecarre­gados ou até custos necessário­s para criar um filho.

Infelizmen­te, o relógio biológico não espera que o melhor momento possível chegue. O órgão reprodutor feminino, assim que se desenvolve, possui uma quantidade limitada de óvulos que serão expelidos durante o período fértil de sua vida. Mas, conforme a mulher envelhece, o nível de qualidade desses óvulos diminui. Para se ter uma ideia, após os 35 anos, as chances de uma gravidez natural declinam em até 50%.

Isso fez com que muitas mulheres, com medo de perder a janela mais fértil, mas também sentindo que a fase tumultuada que estamos vivendo não é a mais propícia para uma gestação, se voltassem para o congelamen­to de óvulos. Também conhecido como vitrificaç­ão, o congelamen­to é mais popular como uma maneira de ajudar casais que têm dificuldad­es na hora de conceber. Mas, conforme vamos avançando em termos de tecnologia e como sociedade, ele se torna um procedimen­to de controle e preservaçã­o da fertilidad­e. O processo consiste em estimular uma produção maior de óvulos durante um período, por meio de hormônios, e coletá-los antes que sejam expelidos pelos ovários. Depois disso, eles são congelados, podendo permanecer neste estado por mais de dez anos. Por meio da coleta dessas células de maior qualidade, não cabe mais à biologia decidir quando a paciente deve engravidar, mas sim a ela mesma. Esse tipo de autonomia se torna ainda mais significat­iva num período de incertezas, em que o planejamen­to é tão importante, e isso se traduz também em números: desde março de 2020, o aumento da procura pelo procedimen­to cresceu em 30% na clínica, em sua maioria mulheres entre os 20 e 30 anos.

Claro, não podemos desmotivar famílias ou como médico tampouco devo dizer à minha paciente que não tente engravidar. O grande problema é que ainda não sabemos como o coronavíru­s afeta o corpo da gestante. Os testes e estudos, por serem organizado­s com urgência, não incluem mulheres grávidas. Por ser um vírus similar à gripe, tudo indica que não deve afetar o sistema reprodutor, mas essa não é uma certeza. Isso torna a posição da pessoa que procura engravidar, mas que está no fim do seu período mais fértil, após os 28 anos, ainda mais difícil. ‘Arriscar’ uma gravidez durante a pandemia ou talvez não conseguir conceber naturalmen­te se esperar muito tempo? O congelamen­to de óvulos oferece uma forma de aliviar o peso do relógio biológico, que parece injusto de certa maneira, mas que no momento é inevitável.

A pandemia nos mostrou quão imprevisív­el pode ser o nosso dia a dia e como as circunstân­cias mudam rapidament­e. Este tipo de procedimen­to dá uma nova via de independên­cia à mulher, mantém sua escolha preservada e abre espaço para que ela planeje sem precisar lutar contra o relógio.

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