Análise Técnica: o Fusca ganha potência e nomes superlativos
O Fusca ganha potência e vira Fuscão, Super-fuscão, Bizorrão...
OFusca nasceu com um problema: seu criador. Como Ferdinand Porsche sempre foi desde bem jovem um nome intimamente ligado às corridas de automóveis, era normal o dono de Fusca querer que seu carro “andasse mais”. No início dos anos 1950, quando o Fusca ainda era 1100 (1.131 cm³), havia um punhado de preparadores famosos dedicados a aumentar a potências dos VW, como Oettinger na Alemanha e Denzel, na Áustria. Era comum também a prática de instalar compressor das marcas Shorrock e Judson.
Quando o especialista Jorge Lettry, expert em VW e Porsche naqueles anos pioneiros, dono de uma oficina na capital paulista, resolveu arregaçar as mangas para modificar um Fusca para a primeira edição da Mil Milhas Brasileiras, em novembro de 1956, teve que lançar mão de engenhosidade: colocar um miolo de Porsche 1500 na carcaça de um Fusca 1100 ano 1952, com vigia split window, cilindros e virabrequim de Porsche 1500, com dois carburadores duplos.
O motor de 1.131 cm³ com cilindros de 75 mm de diâmetro e curso dos pistões de 64 mm, passou para 80 mm de diâmetro e 74 mm de curso aumentando a cilindrada para 1.488 cm³.
Isso foi possível porque o regulamento da Mil Milhas estabelecia que a preparação do motor era livre mas o bloco tinha que ser da marca do veículo e também porque naquela época o Porsche utilizava a carcaça do Volkswagen. Pronto: os pilotos Christian Heins e Eugênio Martins tinham nas mãos um Fusca com motor Porsche 1500.
A potência era de apenas 74 cv, segundo nos contou Lettry anos mais tarde, mas foi o bastante para o Vw-porsche liderar metade da corrida e quase vencê-la, não fosse a quebra do cabo do acelerador perto do final. Mesmo assim o Vw-porsche chegou segundo, um grande feito.
Por aí se vê que eram tempos difíceis para se conseguir potência no Fusca e que durariam até 1967, ano em que surgiu o motor 1300 de construção inteiramente nova. Cabe observar que os Porsches 356 há muito já tinham motores inteiramente separados do Volkswagen, de modo que era muito difícil conseguir componentes dos motores antigos.
Em que pese o Fusca 1300 ter representado um grande avanço em termos de desempenho, os que queriam mais teriam de esperar três anos para satisfazer seus anseios. Em 1970 era lançado o VW 1500, logo apelidado de Fuscão, nome que a fábrica nunca reconheceu, ao contrário do nome Fusca, oficializado como nome de modelo em 1983.
O Fuscão era propulsionado pelo mesmo motor da Kombi e do Karmann-ghia, lançado em 1967. Mantinha o mesmo virabrequim do 1300 que resultava num curso dos pistões de 69 mm e vinha com cilindros de 83 mm, passando a cilindrada a ser de 1.493 cm³. A potência agora era de 44 cv líquidos a 4.000 rpm e o torque, 10 m•kgf (líquidos) a 2.000 rpm. O peso aumentou só 20 kg (para 820 kg) e o novo VW andava bem mais do que tudo até então. A velocidade máxima passava de 120 para 126 km/h – parece pouco, mas como era importante na época! – e a aceleração 0-100 km/h caía para 26 segundos, ante 28 s no 1300.
As relações das marchas foram mantidas, as mesmas desde que o câmbio se tornou totalmente sincronizado em 1961, mas o diferencial foi alongado, de 4,375:1 para 4,125:1, tornando bem mais agradável trafegar em velocidades de viagem. Mas isso fez a aceleração não melhorar na mesma proporção do aumento de potência e torque.
De qualquer maneira, o Fuscão era um enorme avanço em relação ao 1300. O eixo dianteiro era totalmente novo, os braços arrastados apoiados em rolamentos no corpo do eixo em vez de buchas e com articuladores esféricos no lugar de pino-mestre e pinos de articulação, uma solução dos anos 1930. O intervalo de lubrificação passou de 2.500 para 10.000 km, e apenas 4 pontos de graxa em vez dos 10 antes. Os articuladores superiores na extremidade dos braços eram montados em buchas excêntricas, permitindo pequeno ajuste da cambagem, impossível antes.
A fixação das rodas passou a ser com quatro parafusos num círculo de 108 mm de diâmetro, não mais em estrela, de cinco parafusos e era possível pedir o carro com freios dianteiros a disco. Na traseira, a bitola aumentou em nada menos que 62 mm e era montada uma barra compensadora em forma de “Z” sobre o transeixo cuja finalidade era aumentar a força da roda interna contra o solo e, assim, diminuir a tendência a sair de traseira.
A tampa do motor com aberturas de ventilação e o painel revestido com plástico imitando jacarandá, mais um revestimento dos bancos mais elaborado, com gomos, deu novo ar ao Volkswagen. Parecia um carro maior sem o ser.
Quatro anos depois eu estava no trabalho, na concessionária VW onde era sócio, quando recebi um telefonema. Era alguém com um recado de um funcionário da fábrica que estava retido pela polícia porque o carro estava “envenenado”. O funcionário, chamado Alexandre Pécora Neto, pedia que eu fosse lá ajudar a resolver.
Lá chegando vi que realmente se tratava de um Fusca modificado, com dois carburadores e tudo – da fábrica! Foi difícil convencer os policiais que aquele carro era um protótipo de fábrica, que não era coisa de carro envenenado para andar mais. O carro foi liberado e foi assim que fiquei sabendo do VW 1600-S, apelidado de Superfuscão, Bizorrão, que estava prestes a chegar ao mercado.
Tampa ventilada do motor, painel imitando madeira e bancos confortáveis deram novo ar ao VW. Parecia um carro maior sem o ser
Externamente, as diferenças eram um captador de ar na tampa do motor e as rodas de 14 polegadas em vez de 15, com pneus 5,90-14 diagonais. Internamente, volante esportivo de três raios, um conta-giros à esquerda do velocímetro e num console, relógio, termômetro de óleo e voltímetro. O freio dianteiro era a disco.
Atrás da tampa traseira estava um motor 1600 – que não era novidade, havia aparecido no quatro-portas em 1968 e depois na Variant, nos TL, Karmann-ghia normal e TC – com dois carburadores que desenvolvia 3 cv mais que os motores planos, chegando a 57 cv a 4.500 rpm. A razão da maior potência estava nos coletores de admissão mais altos, impossível de serem usados no motor baixo por questão de espaço sob o assoalho do porta-malas.
Como Volkswagen era realmente o máximo em desempenho. Um Fusca de dois carburadores nunca seria admitido por Heinz Nordhoff, mas o fato é que a versão durou pouco, pois no ano seguinte ela era “civilizada” com um visual de Fuscão porém mantendo o excelente motor e o conjunto de rodas e pneus de 14 polegadas. Para muitos, inclusive para mim, foi o melhor Fusca brasileiro de todos. Chamava-se simplesmente VW 1600. ❖