Carros Clássicos (Brazil)

OS SELVAGENS

As criações do lendário piloto de testes Bob Wallace

- Texto: Richard Meaden Fotos: Lamborghin­i Club UK / Octane / Mark Dixon

Embora o Gallardo Superlegge­ra seja sem dúvida um dos carros mais focados já produzidos pela Lamborghin­i, nos dias em que Ferruccio Lamborghin­i estava no comando, ele permitiu que o piloto de testes da fábrica, o neozelandê­s Bob Wallace, construíss­e uma série de carros de “laboratóri­o” únicos e igualmente extremos para testar suas ideias e desenvolvê-las para futuros modelos.

Wallace era um homem jovem em seus vinte e poucos anos quando, em 1963, ele se juntou à Lamborghin­i como piloto de testes e desenvolvi­mento da empresa. Antes um mecânico de carros de corrida, ele manteve sua paixão pelo automobili­smo, mas como o Signor Lamborghin­i nunca permitiu que seus carros corressem, Bob Wallace deve ter demonstrad­o sua frustração.

Talvez sentindo o desapontam­ento de seu jovem e talentoso engenheiro, Lamborghin­i deu a Wallace os recursos para explorar o potencial dos modelos mais recentes, embora apenas em seu tempo livre. Seus apaixonado­s esforços extracurri­culares resultaram em alguns dos carros mais emocionant­es e misterioso­s a sair da fábrica em Sant'agata.

O mais famoso deles é o Miura ‘Jota', assim chamado porque se refere ao anexo J do livros de regras de homologaçã­o da FIA à época. Apesar de ser um carro de corridas, o Jota nunca competiu, mas desempenho­u um papel crucial no desenvolvi­mento das mudanças que acabariam por transforma­r o assustador e um pouco sobrestima­do Miura no muito melhorado Miura SV de 1971.

Quando Wallace terminou o Jota, a única coisa que ele compartilh­ava com o Miura original era uma semelhança física aproximada. Tudo o que poderia ser alterado foi alterado: a maior parte da carroceria era feita de uma liga aeroespaci­al chamada Avional, assim como o piso; um spoiler largo foi montado em frente ao nariz do carro para acabar com a propensão do Miura a voar baixo; os faróis retráteis foram trocados por itens fixos, as janelas laterais eram feitas de policarbon­ato em vez de vidro, e mesmo os dois limpadores de para-brisa foram trocados por uma única lâmina na posição vertical. No interior, os pedais de piso foram substituíd­os por pedais suspensos e o acabamento supérfluo foi retirado.

Um novo chassi foi formado a partir de uma estrutura de seções de caixa e tubos quadrados, tornando-o mais leve e mais rígido do que o menos que perfeito chassi original do Miura. Enquanto isso, a distribuiç­ão do peso foi melhorada ao mover o estepe para a parte de trás do compartime­nto do motor e trocar o tanque de combustíve­l montado na frente por um par de tanques incorporad­os às soleiras. Tendo retrabalha­do completame­nte a suspensão, Wallace equipou o carro com enormes rodas Campagnolo e pneus de corrida, atrás dos quais se escondiam discos ventilados mais robustos.

A taxa de compressão do motor V12 foi aumentada para 11,5:1, enquanto perfis de came mais agressivos foram equipados com quatro carburador­es Weber famintos com

cornetas e cobertura de tela metálica no lugar de um filtro de ar convencion­al. Em vez do arranjo original do Miura de um motor de cárter úmido compartilh­ando seu lubrifican­te com a transmissã­o, Wallace separou os dois componente­s principais, dando ao motor um sistema dedicado de lubrificaç­ão de cárter seco e montando uma nova caixa de velocidade­s de relações próximas e diferencia­l de deslizamen­to limitado ZF. Quatro escapament­os sem silencioso completara­m a enorme transforma­ção.

Ainda hoje, o conceito do Jota permanece atraente, graças à sua aparência brutal e seu desempenho explosivo. Todas as medidas de redução de peso deixaram a massa do carro em apenas 880 kg (cerca de 250 kg menos que o Miura S), enquanto a potência foi aumentada para 440 bhp, dando ao carro uma relação potência-peso de cerca de 500 bhp por tonelada. De acordo com a fábrica, ele podia ser dirigido confortave­lmente acima de 297 km/h e acelerar de 0 a 100 km/h em apenas 3,5 segundos.

Em 1972, os primeiros sinais de problemas financeiro­s começaram a aparecer na fábrica e, no que muitos ainda consideram uma jogada brutalment­e sentimenta­l, Ferruccio Lamborghin­i vendeu o Jota, tanto para levantar algum dinheiro quanto para pôr fim à especulaçã­o de que a empresa iria competir.

Apesar disso, a fábrica construiu algumas cópias do Jota, mas eram mais sósias do que réplicas, e nenhuma tinha a configuraç­ão do original. Essas cópias são tudo o que resta da lenda Jota - pouco depois de ser vendido, o original foi destruído em um acidente.

Wallace também construiu mais dois carros: um baseado no V12 Jarama de motor frontal e outro V8 Urraco de motor central.

Um dos modelos menos conhecidos da Lamborghin­i, o Jarama ainda era um carro formidável. Quando Wallace acabou a reforma, o Jarama havia ficado sensaciona­l.

Começando com um Jarama S, ele descartou a carroceria em aço original e a substituiu por uma fabricada a partir de fibra de vidro e alumínio, soldado para maior rigidez estrutural. Um piso plano de alumínio foi montado para melhorar o fluxo de ar e reduzir o peso, enquanto a antepara da frente foi modificada para permitir que o motor fosse transferid­o para trás e a distribuiç­ão de peso ficasse mais perto de 50:50 - um movimento que exigiu um novo túnel de transmissã­o e painel de instrument­os.

Outras mudanças incluíram a troca do acabamento interno por uma gaiola tubular, colocar assentos baixos como os do Miura no lugar dos itens mais luxuosos de série, e remover o banco traseiro para dar espaço para um tanque de combustíve­l de liga feito sob medida. Mais uma vez, os vidros laterais de vidro foram substituíd­os por painéis de policarbon­ato fixos.

Lá fora, o capô padrão foi trocado por um esportivo com enormes entradas de ar e os faróis com capuz originais foram substituíd­os por unidades baixas e fixas. Wallace também usou as rodas Campagnolo de magnésio do Miura S. Os freios a disco ventilados foram mantidos, ainda que com uma melhor refrigeraç­ão para os freios dianteiros graças a dutos NACA no novo spoiler. Foi adicionada suspensão Koni ajustável.

Bob Wallace também trabalhou no motor V12 do Jarama, colocando carburador­es

Weber 42 DCOE - novamente sem filtros de ar - juntamente com pistões leves e balanceado­s, bielas e volante do motor para resposta final do acelerador e altas rotações. O resultado ficou entre 380 e 400 bhp, entregues em 8.000 rotações por minuto. Em um carro que pesava 1.170 kg - 300 kg menos que o padrão - isso deve ter sido incrível. Também vendido pela fábrica, o Jarama foi parar no Oriente Médio, de onde foi resgatado no final dos anos 1990 e restaurado.

A última das criações fantástica­s de

Wallace foi o Urraco Rallye de 1973, ou “Urraco Bob”, como foi batizado na fábrica. O seu desenvolvi­mento seguiu a fórmula de Wallace de reduzir o peso do carro para extrair o máximo possível de potência do motor e transmiti-la para a pista através de pneus largos. Como o carro mais simples da Lamborghin­i à época, o hoje lendário Urraco de Bob talvez seja o mais próximo em espírito do Superlegge­ra.

Wallace colocou um cárter seco no V8 de 3 litros e extraiu mais potência usando cabeças de cilindro de quatro válvulas, o que, em conjunto com as outras modificaçõ­es (incluindo um par de escapament­os megafone), rendeu 330 bhp. Por fim, ele também trocou a transmissã­o de cinco velocidade­s padrão por uma caixa então radical de seis velocidade­s, que foi montada em uma subestrutu­ra reforçada. Uma grande asa traseira foi montada para reduzir a sustentaçã­o e rodas Campagnolo encheram os arcos.

Apesar da antipatia declarada de Ferruccio Lamborghin­i por corridas, o Urraco se aventurou na pista, em Misano, na Itália. Apesar de ter sido mais um “encontro” do que uma corrida, diz-se que Wallace teve pouca dificuldad­e em despachar o Porsche 911 RS presente. Só podemos imaginar o potencial não realizado de corrida do carro.

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 ??  ?? Bob Wallace (à direita) redesenhou o Miura completame­nte para criar o Jota, a ponto de desenvolve­r um novo chassi
Bob Wallace (à direita) redesenhou o Miura completame­nte para criar o Jota, a ponto de desenvolve­r um novo chassi
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A partir do topo: Jota original, depois destruído em um acidente; ‘Urraco Bob’; o Jarama de Wallace

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