OS SELVAGENS
As criações do lendário piloto de testes Bob Wallace
Embora o Gallardo Superleggera seja sem dúvida um dos carros mais focados já produzidos pela Lamborghini, nos dias em que Ferruccio Lamborghini estava no comando, ele permitiu que o piloto de testes da fábrica, o neozelandês Bob Wallace, construísse uma série de carros de “laboratório” únicos e igualmente extremos para testar suas ideias e desenvolvê-las para futuros modelos.
Wallace era um homem jovem em seus vinte e poucos anos quando, em 1963, ele se juntou à Lamborghini como piloto de testes e desenvolvimento da empresa. Antes um mecânico de carros de corrida, ele manteve sua paixão pelo automobilismo, mas como o Signor Lamborghini nunca permitiu que seus carros corressem, Bob Wallace deve ter demonstrado sua frustração.
Talvez sentindo o desapontamento de seu jovem e talentoso engenheiro, Lamborghini deu a Wallace os recursos para explorar o potencial dos modelos mais recentes, embora apenas em seu tempo livre. Seus apaixonados esforços extracurriculares resultaram em alguns dos carros mais emocionantes e misteriosos a sair da fábrica em Sant'agata.
O mais famoso deles é o Miura ‘Jota', assim chamado porque se refere ao anexo J do livros de regras de homologação da FIA à época. Apesar de ser um carro de corridas, o Jota nunca competiu, mas desempenhou um papel crucial no desenvolvimento das mudanças que acabariam por transformar o assustador e um pouco sobrestimado Miura no muito melhorado Miura SV de 1971.
Quando Wallace terminou o Jota, a única coisa que ele compartilhava com o Miura original era uma semelhança física aproximada. Tudo o que poderia ser alterado foi alterado: a maior parte da carroceria era feita de uma liga aeroespacial chamada Avional, assim como o piso; um spoiler largo foi montado em frente ao nariz do carro para acabar com a propensão do Miura a voar baixo; os faróis retráteis foram trocados por itens fixos, as janelas laterais eram feitas de policarbonato em vez de vidro, e mesmo os dois limpadores de para-brisa foram trocados por uma única lâmina na posição vertical. No interior, os pedais de piso foram substituídos por pedais suspensos e o acabamento supérfluo foi retirado.
Um novo chassi foi formado a partir de uma estrutura de seções de caixa e tubos quadrados, tornando-o mais leve e mais rígido do que o menos que perfeito chassi original do Miura. Enquanto isso, a distribuição do peso foi melhorada ao mover o estepe para a parte de trás do compartimento do motor e trocar o tanque de combustível montado na frente por um par de tanques incorporados às soleiras. Tendo retrabalhado completamente a suspensão, Wallace equipou o carro com enormes rodas Campagnolo e pneus de corrida, atrás dos quais se escondiam discos ventilados mais robustos.
A taxa de compressão do motor V12 foi aumentada para 11,5:1, enquanto perfis de came mais agressivos foram equipados com quatro carburadores Weber famintos com
cornetas e cobertura de tela metálica no lugar de um filtro de ar convencional. Em vez do arranjo original do Miura de um motor de cárter úmido compartilhando seu lubrificante com a transmissão, Wallace separou os dois componentes principais, dando ao motor um sistema dedicado de lubrificação de cárter seco e montando uma nova caixa de velocidades de relações próximas e diferencial de deslizamento limitado ZF. Quatro escapamentos sem silencioso completaram a enorme transformação.
Ainda hoje, o conceito do Jota permanece atraente, graças à sua aparência brutal e seu desempenho explosivo. Todas as medidas de redução de peso deixaram a massa do carro em apenas 880 kg (cerca de 250 kg menos que o Miura S), enquanto a potência foi aumentada para 440 bhp, dando ao carro uma relação potência-peso de cerca de 500 bhp por tonelada. De acordo com a fábrica, ele podia ser dirigido confortavelmente acima de 297 km/h e acelerar de 0 a 100 km/h em apenas 3,5 segundos.
Em 1972, os primeiros sinais de problemas financeiros começaram a aparecer na fábrica e, no que muitos ainda consideram uma jogada brutalmente sentimental, Ferruccio Lamborghini vendeu o Jota, tanto para levantar algum dinheiro quanto para pôr fim à especulação de que a empresa iria competir.
Apesar disso, a fábrica construiu algumas cópias do Jota, mas eram mais sósias do que réplicas, e nenhuma tinha a configuração do original. Essas cópias são tudo o que resta da lenda Jota - pouco depois de ser vendido, o original foi destruído em um acidente.
Wallace também construiu mais dois carros: um baseado no V12 Jarama de motor frontal e outro V8 Urraco de motor central.
Um dos modelos menos conhecidos da Lamborghini, o Jarama ainda era um carro formidável. Quando Wallace acabou a reforma, o Jarama havia ficado sensacional.
Começando com um Jarama S, ele descartou a carroceria em aço original e a substituiu por uma fabricada a partir de fibra de vidro e alumínio, soldado para maior rigidez estrutural. Um piso plano de alumínio foi montado para melhorar o fluxo de ar e reduzir o peso, enquanto a antepara da frente foi modificada para permitir que o motor fosse transferido para trás e a distribuição de peso ficasse mais perto de 50:50 - um movimento que exigiu um novo túnel de transmissão e painel de instrumentos.
Outras mudanças incluíram a troca do acabamento interno por uma gaiola tubular, colocar assentos baixos como os do Miura no lugar dos itens mais luxuosos de série, e remover o banco traseiro para dar espaço para um tanque de combustível de liga feito sob medida. Mais uma vez, os vidros laterais de vidro foram substituídos por painéis de policarbonato fixos.
Lá fora, o capô padrão foi trocado por um esportivo com enormes entradas de ar e os faróis com capuz originais foram substituídos por unidades baixas e fixas. Wallace também usou as rodas Campagnolo de magnésio do Miura S. Os freios a disco ventilados foram mantidos, ainda que com uma melhor refrigeração para os freios dianteiros graças a dutos NACA no novo spoiler. Foi adicionada suspensão Koni ajustável.
Bob Wallace também trabalhou no motor V12 do Jarama, colocando carburadores
Weber 42 DCOE - novamente sem filtros de ar - juntamente com pistões leves e balanceados, bielas e volante do motor para resposta final do acelerador e altas rotações. O resultado ficou entre 380 e 400 bhp, entregues em 8.000 rotações por minuto. Em um carro que pesava 1.170 kg - 300 kg menos que o padrão - isso deve ter sido incrível. Também vendido pela fábrica, o Jarama foi parar no Oriente Médio, de onde foi resgatado no final dos anos 1990 e restaurado.
A última das criações fantásticas de
Wallace foi o Urraco Rallye de 1973, ou “Urraco Bob”, como foi batizado na fábrica. O seu desenvolvimento seguiu a fórmula de Wallace de reduzir o peso do carro para extrair o máximo possível de potência do motor e transmiti-la para a pista através de pneus largos. Como o carro mais simples da Lamborghini à época, o hoje lendário Urraco de Bob talvez seja o mais próximo em espírito do Superleggera.
Wallace colocou um cárter seco no V8 de 3 litros e extraiu mais potência usando cabeças de cilindro de quatro válvulas, o que, em conjunto com as outras modificações (incluindo um par de escapamentos megafone), rendeu 330 bhp. Por fim, ele também trocou a transmissão de cinco velocidades padrão por uma caixa então radical de seis velocidades, que foi montada em uma subestrutura reforçada. Uma grande asa traseira foi montada para reduzir a sustentação e rodas Campagnolo encheram os arcos.
Apesar da antipatia declarada de Ferruccio Lamborghini por corridas, o Urraco se aventurou na pista, em Misano, na Itália. Apesar de ter sido mais um “encontro” do que uma corrida, diz-se que Wallace teve pouca dificuldade em despachar o Porsche 911 RS presente. Só podemos imaginar o potencial não realizado de corrida do carro.