COUNTACH QV
Harry Metcalfe leva sua Lamborghini para casa numa viagem épica
Não é um bom começo. Estou do lado de fora da fábrica da Lamborghini em Sant'agata numa úmida noite de sextafeira. Todo mundo já foi para casa, mas ainda estou por aqui, esperando meu Countach há muito atrasado chegar. Ele devia ter chegado há horas, mas quando penso que todo o planejamento vai resultar em nada, a silhueta inconfundível de um Countach finalmente aparece nos portões de segurança. Keith Adams, da revista Octane, dirigiu meu QV direto do Reino Unido, com algumas passagens de montanhas nos Alpes ao longo do caminho. Ele pede desculpas. Ele também diz que ouviu alguns ruídos desagradáveis emanando do alternador. E a luz de carregamento está permanentemente acesa no painel de instrumentos.
Este realmente não é o momento certo para o Countach apresentar problemas - amanhã pode ser o maior dia de sua vida de 23 anos. Em primeiro lugar, estamos aqui para encontrar o lendário piloto de testes Valentino Balboni enquanto ele compara quatro versões do Countach para uma reportagem de capa da Octane. Em segundo lugar, vamos sair juntos no meu carro e descobrir a verdade por trás do teste de 1986 feito pela revista Fast com o então novo Countach QV, quando o editor Peter Dron registrou os maiores números para um Countach, atingindo 160 km/h em 10 segundos e uma máxima de 313 km/h em estradas perto de Sant'agata. Por fim, vou dirigir meu carro
de volta a Blighty. Os próximos dias devem ser épicos, mas agora tudo está parecendo um pouco instável...
Felizmente, o próprio Valentino acaba de chegar e logo começar a mexer no compartimento do motor. Segundos depois, ele está com um sorriso muito satisfeito - já diagnosticou o problema e tem o prazer de me dizer que será muito fácil resolvê-lo. Acontece que a correia do alternador está desgastada. Valentino começa a falar no celular e, antes que eu perceba, ele combina de mandar o QV para a oficina de seu amigo, onde o carro será reparado durante a noite. Agora vai...
Dia 1
Na manhã seguinte, Valentino está esperando do lado de fora, pronto para nos dar uma carona até
‘Ruídos desagradáveis emanando do alternador e luz de carregamento permanentemente acesa no painel de instrumentos'
o meu QV agora arrumado. E se você precisar de uma ilustração perfeita do que torna a Itália um grande lugar, basta verificar o veículo em que Valentino irá nos levar até a oficina: um LM002 preto. Já posso sentir que será um bom dia.
O custo do conserto fica em 100 euros.
Minutos depois, encontro-me perseguindo Valentino em seu LM002. Ele desaparece com o grande 4x4 enquanto aceleramos para o local das fotos, uma pista particular no meio do nada. Pouco antes de chegarmos lá, encontramos o trecho de asfalto mais áspero que já vi. Estranhamente, o LM002 parece pegar ainda mais velocidade neste ponto e eu posso ver os passageiros de Valentino batendo a cabeça no teto do carro enquanto o LM002 passa por lombadas cada vez mais ferozes. Não há nada a fazer senão reduzir a velocidade e vê-los desaparecer na distância. Estou com um pouco de pânico, porque não faço ideia de onde estou, então fico aliviado de detectar a entrada para o campo de pouso no final da estrada. Quando chego, Valentino se aproxima e me diz que estava indo o mais rápido possível no último trecho para que eu pudesse ver quão áspero era o asfalto e desacelerasse. A lógica de Valentino às vezes requer alguma abstração...
Agora que chegamos ao local da foto, temos uma chance de perguntar a ele o que realmente aconteceu no teste da Fast Lane. Aparentemente, o Countach que eles dirigiram a 313 km/h era do piloto de Fórmula 1 Pierluigi Martini e estava na especificação padrão. Bem, quase. Valentino me diz que pediu que algumas juntas extras fossem montadas sob a tampa da caixa de ar, aumentando o espaço acima das entradas de
carburador, o que, em um bom motor, poderia acrescentar mais alguns cavalos de potência nas rotações superiores.
De qualquer modo, o QV de Martini devia ser mais rápido que a maioria dos outros QVS do período, uma vez que não tinha spoiler traseiro. Valentino explica que a última coisa que um Countach realmente precisa é de um spoiler traseiro, já que a postura natural do carro em alta velocidade é de sustentação zero na parte de trás, mas alguma sustentação no eixo dianteiro. Portanto, uma asa traseira produzindo força vertical para baixo tornaria ainda pior a sustentação no eixo dianteiro. Mas, como os clientes adoram a aparência de um spoiler traseiro, eles acabaram dobrando a asa até que ela não produzisse qualquer força vertical para baixo, o que significa que a única coisa que ela realmente faz em um Countach é adicionar arrasto e frear o veículo.
Acontece que o spoiler nunca foi sequer um opcional oficial de um Countach, já que a Lamborghini não tinha recursos para colocá-lo no processo de homologação. Sem homologação, a Lamborghini só poderia colocar um após o carro ter sido “vendido” para o revendedor. Então, eles montaram uma pequena oficina para fabricar e pintar as asas em todas as cores padrão e, quando um cliente encomendava um Countach com asa traseira, um engenheiro aparecia com uma debaixo do braço e a instalava no estacionamento na frente da fábrica.
‘A noite começa a cair e preciso seguir para Cap Ferrat, na Riviera Francesa, a cerca de 440 quilômetros'
Valentino calcula que eles colocavam o spoiler em oito ou dez minutos, usando uma furadeira elétrica para fazer os furos na carroceria. Como os tempos mudam...
Muitas vezes me perguntei se as próprias alegações oficiais de desempenho da Lamborghini haviam sido alcançadas com um Countach padrão. “Usamos todos os truques disponíveis”, admite Valentino. “Nós fizemos o teste de desempenho em Nardo e removemos os espelhos e limpadores de para-brisa, aumentamos a pressão dos pneus e até cobrimos as articulações do carro com fita adesiva! Todo mundo fazia esse tipo de coisa na época. Nosso objetivo sempre foi bater a Ferrari e, com o Countach QV, nós realmente os vencemos!”
A sessão de fotos da Octane acaba e Valentino escolhe seu Countach favorito: o QV! A noite começa a cair. Eu preciso seguir para o destino de hoje, Cap Ferrat, na Riviera Francesa, a cerca de 440 quilômetros.
Eu sei que essa não será uma daquelas viagens em que eu começo do zero, com a cabeça fresca, mas a oportunidade de dirigir um Countach da fábrica na Itália até o Reino Unido através da Rota de Napoleão é simplesmente um sonho. Eu não fiz uma ótima viagem neste carro antes, mas quando estiver em casa amanhã à noite terei coberto quase dois mil quilômetros - que é o mesmo que o anterior proprietário deste Countach conseguiu em um ano inteiro.
Eu me despeço, dou partida no V12 de 5,2
litros da Lamborghini, sigo para a autoestrada A1 e aponto o focinho cinzelado do Countach na direção de Milão.
Este trecho da A1 entre Milão e Bolonha foi recentemente enfeitado com radares de velocidade, e os limites caíram maciçamente em comparação com os velhos dias, mas muito em breve estarei virando em direção a Alessandria na A21, e sei que ela ainda não tem câmeras. Se algum dia eu for descobrir como era um Countach QV quando novo, esse dia é hoje.
Vinte e cinco anos atrás, possuir uma Lamborghini na Itália era quase como ter uma licença para acelerar. Infelizmente, o velocímetro do meu carro quebrou no caminho até aqui, então só tenho o conta-giros para a viagem de volta. Eu sei que 4.000 rpm equivalem a 160 km/h e não demora até que a agulha ultrapasse essa marca e se aproxime de 5.000 rpm nesta quase deserta autoestrada. As luzes ao longo da pista estão passado tão rápido pelo para-brisa que formam uma fita quase contínua de luz.
Há muito mais ruído enchendo a cabine agora que o V12 começou a trabalhar mais duro e, pelos próximos 30 quilômetros ou mais, vou mantê-lo assim. Tudo parece incrivelmente fácil atrás do volante, como se o carro pudesse manter este ritmo o dia todo, então, depois de um tempo, eu não resisto à tentação de acelerar ainda mais. A próxima coisa que eu sei é que a agulha está pairando sobre a marca de 6.000 rpm e estamos realmente voando (eu vou deixar você fazer a matemática).
De vez em quando, uma Mercedes ou
BMW tenta nos acompanhar por alguns quilômetros. Eu suponho que os motoristas queiram apenas um vislumbre de um Countach uivando na autoestrada. Eles não conseguem nos acompanhar por muito tempo e por fim desaparecem na escuridão. Eu acho que devemos parecer um fantasma do passado. Quero dizer, quando foi a última vez que você viu um Countach na estrada, ainda mais nessa velocidade?
O carro parece estar grudado no asfalto: a estabilidade é excelente e ainda há muito desempenho reserva, com cerca de 1.500 rpm a percorrer antes da linha vermelha ser atingida. Apenas o indicador de temperatura do óleo mostra que eu estou fazendo o V12 realmente trabalhar - a agulha subiu, mas só até a metade, então não tem problema.
Passei mais de uma hora fazendo essas velocidades absurdas, mas a longa descida para Gênova começa e eu não tenho a oportunidade de verdadeiramente levar o Countach ao máximo. Mas não me importo, porque ainda resta a diversão da retorcida estrada costeira cheia de túneis.
Esses túneis na próxima perna do percurso se provam divertidos: os escapamentos uivantes ricocheteando nas paredes e os estouros e as chamas nas disparadas dando o bis. Os próximos 130 quilômetros são alguns dos meus favoritos na Europa. Devia haver uma taxa extra para a utilização deste trecho de “estrada-russa” – é uma ótima diversão em qualquer carro, que dirá em um supercarro como o Countach.
Não demora até eu chegar à saída para Mônaco, empoleirada no alto dos penhascos sobre essa parte famosa da Rivera Francesa. Passa da meia-noite quando eu chego à perna final para Cap Ferrat e me pergunto quanto tempo faz que um Countach não passa por aqui. O último exemplar saiu da linha de produção há mais de 20 anos, mas eu gostaria de pensar que há um sulco bem-definido entre Mônaco e Sant'agata, pois acho que a Lamborghini combina muito bem com o principado.
As estradas estão absolutamente desertas, facilitando a descida para a costa, então não demora até que eu esteja estacionando para a noite. Enquanto eu pego minhas malas e fecho
‘Na verdade, estou me divertindo neste trecho vazio da estrada'
a porta do carro, um grupo de moradores passa por mim. Eles não têm ideia do que seja um Countach, mas seu visual é suficiente para detê-los, mesmo a esta hora da noite. Eu não posso culpá-los. Ele parece sensacional sob as luzes cintilantes da rua, os quatro escapamentos sibilando no ar noturno enquanto esfriam.
Dia 2
O segundo dia amanhece brilhante, mas não há tempo para desfrutar do nascer do sol hoje - ainda tenho mais de 1.500 quilômetros para percorrer até chegar em casa. Eu tento driblar o tráfego matinal rumo a Nice e logo encosto para mais uma dose de gasolina. Isso me acorda mais rápido que qualquer café jamais poderia, já que encher o tanque de um Countach sai por volta de 175 euros.
Coisa de supercarro, mas vale cada centavo quando eu começo a disparar o QV pela lendária Rota de Napoleão que corre através de alguns vales alpinos espetacularmente rochosos até Grenoble. Para ser honesto, esta estrada é um trabalho árduo para o Countach, em especial se você estiver pressionando um pouco, mas a pura dramaticidade de pilotar essa coisa faz com que todo o esforço valha a pena, ainda mais com as janelas abertas para poder escutar a música do
‘É quase uma hora da manhã quando chego em casa. Eu estou exausto, mas exultante'
V12 ecoando nas rochas.
Não há nenhuma chance de relaxar - a direção não fica mais leve e exige que você segure o volante com as duas mãos o tempo todo. Os pneus dianteiros Hankook RS-2 têm uma excelente aderência, mas não parecem aumentar a carga no volante. Pelo menos a engrenagem funciona bem aqui em cima, com a terceira esticando até 175 km/h antes que você precise mudar para a quarta nas retas mais longas.
Estou surpreso de não poder desgrudar a cauda, tamanha a aderência gerada por esses enormes pneus traseiros. Você pode sentir o carro sendo arremessado quando você o joga em uma curva, mas o QV nunca
parece solto ou desconcertante, mesmo quando forçado. Na verdade, estou me divertindo nesse trecho vazio da estrada.
Logo me encontro no anel viário de Grenoble e descendo em direção a Lyon para a etapa final desta jornada épica. Ainda restam cerca de 960 km de autoestrada - não exatamente divertido, mas estou maravilhado com a qualidade do asfalto francês, especialmente em comparação com o britânico, de baixa qualidade. Os bancos da Lamborghini estão se provando muito mais confortáveis do que eu esperava, mas ainda assim gosto de esticar as pernas cada vez que a luz de reserva de combustível começa a piscar para mim, mais ou menos a cada 450 quilômetros. Depois de encostar e deixar a carteira mais leve, os sinais do Eurotúnel finalmente surgem. Na hora em que chego ao terminal, não sobra tempo nem para uma rápida compra se eu quiser pegar o último trem da noite para o Reino Unido.
Algumas horas mais tarde, depois de uma viagem entorpecente na M25 e um cruzeiro na M40, eu finalmente chego em casa. É quase uma hora da manhã e eu estou absolutamente exausto, mas exultante. Trinta horas e quase dois mil quilômetros em um Countach sempre será memorável, mas depois de estar em um carro ao lado de Valentino Balboni, fazer uma corrida de 225 km em alta velocidade na região central da Itália, correr o trajeto sinuoso de Gênova a Mônaco e fechar com uma explosão de 12 horas pela Rota de Napoleão, e eu sei que vou falar desta viagem por muitos anos.