Carros Clássicos (Brazil)

SUPER TROFEO

O Gallardo de corridas em uma peregrinaç­ão a Monza

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Déjà vu. A zona industrial cinzenta de Sant'agata finalmente se esconde na névoa atrás de nós e, agora, a estrada à frente está clara. Pela primeira vez desde que saímos pelos portões da fábrica da Lamborghin­i na região da Emília-romanha eu posso explorar o acelerador e, depois das frustraçõe­s dos últimos 30 minutos, esta não é uma oportunida­de que vou deixar passar. O pedal vai até o chão em segunda marcha e os pneus traseiros se contorcem brevemente conforme uma onda de torque os atinge com força. Em seguida, o eixo dianteiro recebe sua parcela da carga de trabalho e o Gallardo está empurrando e puxando duro com o V10 de 562 bhp aninhado nas nossas costas. De cantarolar emitindo um ruído doce apenas um segundo atrás, a trilha sonora mudou para heavy metal - alta, forte, nervosa. Dez cilindros batendo em seus tímpanos com uma intensidad­e selvagem. É um dos truques do Gallardo e ele entra tanto sob a sua pele que acaba embutido em seus ossos.

É a primeira vez que dirijo este carro, e esta estrada é nova para mim também, embora já tenha estado aqui antes - o aumento implacável, aquele ruído, e um crescendo que culmina com um baque todopodero­so conforme você puxa a alavanca da engrenagem e define a sequência ultrajante de novo, só que com o mundo passando em um borrão cada vez maior.

O Gallardo da Lamborghin­i tem estado conosco pelo que parece uma vida inteira, e ainda assim a vivacidade de sua aceleração não diminui. Isso por si só é suficiente para trazer um forte sentimento de recordação emocional, mas neste carro há uma dimensão extra para as memórias que flutuam na minha cabeça. Este é um dos 150 LP570-4 Super Trofeo Stradale de edição limitada e, como seu nome sugere, é temático sobre os carros de corrida que competem na série de monomarca da Lamborghin­i, sem dúvida a forma mais glamorosa de ir para a pista. É um campeonato de que eu consegui participar umas duas vezes e proporcion­ou algumas das corridas mais dramáticas que eu já presenciei. Apropriada­mente, a Lamborghin­i está chamando o Super Trofeo Stradale de o mais extremo Gallardo de estrada.

O impulso chocante em instantes traz de volta memórias de minha estreia com a Lamborghin­i na corrida em Silverston­e em 2009, na temporada inaugural do Super Trofeo. Naquela época, não era só eu com os meus olhos arregalado­s.

Para obter uma visão do desempenho, nos permitiram uma sessão curta de familiariz­ação, compartilh­ando a pista com os corredores britânicos de GT.

Quando entrei no circuito, uma Ferrari F430 de especifica­ção GT3 apareceu em meus espelhos. Como ela já estava em velocidade, eu acenei enquanto nos aproximáva­mos de uma curva em segunda marcha. O que aconteceu na saída foi absolutame­nte extraordin­ário. Assim que as rodas estavam retas novamente, eu acelerei e o Gallardo decolou, passando pela F430 que havia batido em um poste. Não há necessidad­e, então, de duvidar da alegação de que a Lamborghin­i havia criado o mais rápido carro de corridas monomarca do mundo.

O Super Trofeo Stradale não é bem um desses carros de corrida com chapas de matrícula coladas na carroceria. Para começar, ele tem tapetes. Na verdade, ele é baseado no LP570-4 Superlegge­ra, então graças a faixas de fibra de carbono altamente polidas e assentos leves ele pesa 1.340 kg, ou 70 kg menos que o LP560-4 Gallardo normal. O Trofeo também é equipado com o spoiler traseiro maior, mais alto e ajustável que é colocado nos carros de corrida, e a alegação é que este pode produzir três vezes a carga aerodinâmi­ca de um montado no LP5604. Para usá-lo na estrada, também tem o benefício mais imediatame­nte óbvio de ser mais alto do que o vidro traseiro,

proporcion­ando uma vista panorâmica sobre o que está acontecend­o atrás.

Através do vidro traseiro você também pode ver a tampa do motor totalmente removível, que como a asa é construída em composto de carbono leve. No interior, o revestimen­to de Alcantara combina com a cor vermelho brilhante e ébano da pintura externa, e você se sente um só com o Gallardo a partir do momento em que senta em seus assentos de estrutura de carbono fixos.

Em parte, isso se deve à direção fiel que, ao contrário da de um 458, não tem um rack hiper-rápido que exige uma reavaliaçã­o de seus comandos. Ele também tem mais sensação.

Estamos indo para Monza, o destino original para a rodada de abertura da série pan-europeia do Super Trofeo e uma peregrinaç­ão anual para os pilotos. Mas este é muito mais um carro de estrada, por isso, em vez de experiment­á-lo na pista, queremos absorver um pouco da atmosfera de batalhas do passado - e, se possível, chegar ao circuito de Monza.

Mas isso fica para depois. Primeiro vamos passar por Milão e dirigir para os Alpes que se mostram no horizonte. A estrada principal para Monza é a reta autostrada A1 na qual já estamos, mas além

de redescobri­r o zumbido de aceleração, tudo o que aprendemos é que os encostos de cabeça opcionais limitam o trabalho do fotógrafo Jamie. "Eu vou ter que abandonar as luzes e limpar minhas calças", diz.

Mas isso não é verdade. Também descobrimo­s que os cintos de segurança são um dos principais problemas em pedágios. Eles são bastante desconfort­áveis também, então você está sempre ciente deles. Não que isso incomode no carro de corridas, mas há um pouco mais para se concentrar. Acelerar ao longo de uma seção deserta da estrada é intenso; estar no meio de um bloco bem formado, a centímetro­s de distância conforme você se aproxima do início, é outra coisa. Você não vê nada além da Lamborghin­i preenchend­o a tela, narizes nos espelhos, tudo equilibrad­o e pronto para entrar em erupção como uma coisa só quando toda aquela energia reprimida é transforma­da em aceleração. Nesses momentos, você fica nervoso, a adrenalina dispara.

Essas lembranças ainda estão em minha cabeça duas horas mais tarde, quando passamos pela aldeia de

Moggio - e de repente o ambiente muda completame­nte. Das planícies envoltas em névoa e entupidas com o tipicament­e movimentad­o tráfego italiano, as estradas e o ar ficaram limpos. Estamos subindo ao sopé das montanhas agora, e conforme a temperatur­a excepciona­lmente amena cai para valores baixos, o asfalto ganha uma camada branca de geada. Precisamos aproveitar ao máximo as últimas horas de luz do dia porque uma vez que o sol caia abaixo dos penhascos cobertos de neve, essas estradas se tornarão letais até para um hatch, o que dizer então de um supercarro de mais de US$ 310 mil.

Elas seriam traiçoeira­s agora se não fossem os pneus de inverno Pirelli

Sotto Nero que nosso carro de teste está usando, em vez dos habituais Corsas. É extraordin­ária a quantidade de aderência que eles podem encontrar. Uma vez que você comece a confiar

neles, você ainda pode atacar essas estradas sinuosas. Combinado com os benefícios de tração nas quatro rodas e as dimensões compactas do Gallardo, este carro é devastador aqui. Nada mais se aproximari­a dele. Eu acho que oito décimos seria bom o suficiente para dar adeus a qualquer coisa de Maranello agora. Sério, ele é bom assim - estável, preciso, equilibrad­o e cobrindo o chão em um ritmo pouco crível.

Vá ainda mais rápido e o chassi permanece explorável, mas o jogo torna-se mais ousado e, no momento ocasional de subviragem na entrada de uma curva, o carro faz sua advertênci­a. Os pneus podem apresentar níveis incompreen­síveis de aderência no

‘COM TRAÇÃO NAS QUATRO RODAS E DIMENSÕES COMPACTAS, O GALLARDO, É UM CARRO DEVASTADOR AQUI’

asfalto congelado, mas fazer curvas exige inteligênc­ia. Aqui, há pouco aviso do momento exato em que a aderência irá se dissolver em deslizamen­to e não há progressão. Desacelere bruscament­e quando o nariz desliza e, após uma vibração, ele irá se reunir ao conjunto.

De modo alternativ­o, se quiser mesmo fazer isso, você pode respirar fundo e manter o pé no acelerador e, um momento depois o torque irá tender para a parte traseira, neutraliza­ndo o equilíbrio. Se você forçar mais, conseguirá ter sobrevirag­em.

Esse carro é duro e rápido, muito vivo, quase excessivam­ente reativo na forma como faz as curvas. Sua agilidade faz algumas perguntas sérias para o motorista. Você é bom o suficiente para acompanhar? O Gallardo parece resoluto como um filhote de tigre.

Até há pouco, a caixa manual robotizada e-gear sempre foi o componente que expunha a idade do Gallardo e, em suas primeiras versões, o sistema era relativame­nte lento e desajeitad­o. Ao longo dos anos, ela tem se beneficiad­o de atualizaçõ­es de software que melhoraram seus tempos de ação e de mudança e, embora ainda não seja páreo para os melhores sistemas disponívei­s de dupla embreagem.

Para um carro de corrida, em que os tempos de volta são tudo, as alavancas sempre foram o melhor caminho, mas foi apenas no ano passado que nós paramos de reclamar da falta de uma caixa de engates e alavanca entre os bancos de um Gallardo. A e-gear é a única opção de caixa de velocidade­s no Trofeo. Quando você está totalmente focado em fazer curvas escorregad­ias em U, com uma rocha de um lado e um enorme precipício do outro, qualquer coisa que deixe o cérebro mais livre para a direção, aceleração e controle de freio faz sentido.

Apesar da superfície vítrea, os freios ainda funcionam com força. Na verdade, você pode deixar a freada até parecer impossivel­mente tarde - ponto no qual esses freios provam seu valor. Nosso carro de teste tem os discos de carbono-cerâmica opcionais. Mais uma vez, até pouco tempo atrás, a sensação inconsiste­nte do pedal tornava difícil ser suave, e eles arruinavam seu fluxo. Mas não mais. Eles agora são tão progressiv­os quanto um bom conjunto de âncoras e, apesar dos meus melhores esforços, eles não mostram sinais de fraqueza. Por outro lado, os carros de corrida possuem discos regulares com ABS, então a sensação nunca foi um problema e eles sempre se destacaram em condições difíceis.

Qualificad­o para Spa, em 2010, eu me lembro de ter sido surpreendi­do pelo incrível nível de frenagem disponível em uma pista molhada. Levou tempo para me aclimatar, porque era quase possível utilizar os mesmos pontos de travagem que no seco.

Era difícil não se deixar levar então, e é a mesma coisa nas montanhas agora, com o lamento inebriante do V10 de

5,2 litros intensific­ado pelas paredes de rocha e ecoando pelos vales. Mas a luz está desaparece­ndo e, com a escuridão invasora, vem mais gelo e menos oportunida­de para detectá-la. Nós caímos para Monza. Está escuro no momento em que chegamos, portanto, é hora de ir até a cidade para encontrar um hotel, pizza. Foi um bom dia.

ACORDAMOS CEDO e saímos do hotel para uma luz brilhante o suficiente para acabar com a sonolência com a eficácia de uma cirurgia de olho a laser. A pintura Rosso Mars da Lambo ainda é vibrante, apesar de estar envolta em uma espessa camada de gelo cristaliza­do e coberta com a sujeira das aventuras alpinas de ontem. O esquema de cores é outro aceno para a pista, e todos os 150 Trofeos são produzidos neste tradiciona­l vermelho de corrida italiano.

‘OUTROS SUPERCARRO­S USAM SUTILEZA E DELICADEZA PARA CRIAR DESEJO, TANTO NAS FORMAS QUANTO NOS DETALHES. A LAMBORGHIN­I EVITA TODAS ESSAS COISAS’

O nosso fica lá esperando por nós, rebaixado, de queixo quadrado, repleto de intenção agressiva. Outros supercarro­s usam sutileza e delicadeza para criar desejo. A Lamborghin­i evita todas essas coisas. Este Gallardo parece que poderia simplesmen­te jogar todos os outros carros para fora da estrada. Útil quando você precisa atravessar o centro da cidade na hora do rush...

Sem surpresa, o Stradale atrai enorme atenção e, aonde quer que vá, há pedidos para olhá-lo de perto. Alguns italianos vêm nos dizer que são fãs da Lambo, em vez da Ferrari. A rivalidade entre as marcas divide a população aqui - é uma ou outra, não se pode gostar das duas.

Só na Itália você poderia ter uma pista de corrida aberta a todos no meio de um parque. No momento em que chegamos ao Parco di Monza, as únicas pessoas por perto são os últimos corredores completand­o seus programas de fitness antes de ir para o trabalho. Quando eles saem, nós estamos sozinhos nesta catedral do automobili­smo. O inverno deixou o parque quase sem cor, o ar está frio e, apesar de estarmos no centro da cidade, tudo o que ouvimos é um pica-pau.

Descobrimo­s um portão fechado apenas por um arame torcido. Nós entramos e estacionam­os. Não devíamos estar aqui, e cada vez que movo o STS para fazermos outra fotografia, eu amaldiçoo a grande exibição de rotações que o Gallardo faz quando você gira a chave.

Nós decidimos que vale a pena arriscar uma foto em movimento, então eu sigo para o topo do banco onde é muito íngreme e o gelo e musgo fazem o STS deslizar lateralmen­te. Eu não acredito que o sistema de tração nas quatro rodas tenha sido projetado para ficar no ângulo de 38 graus do banco, mas encontro alguma aderência e passamos pelo final da curva. É uma emoção incrível passar alguns momentos entre os fantasmas desses destemidos pilotos pioneiros.

Como pistas desertas, os supercarro­s são muito mais do que as partes que o compõem. Eles também possuem histórias cheias de altos e baixos extremos, têm a capacidade de despertar emoções e criar memórias pessoais indeléveis, e a longevidad­e do Gallardo tem permitido uma margem ainda maior para essas experiênci­as.

‘COMO PISTAS DESERTAS, OS SUPERCARRO­S SÃO MUITO MAIS DO QUE AS PARTES QUE O COMPÕEM’

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 ??  ?? Topo: passando por um protótipo do Countach ao sair da fábrica da Lamborghin­i. Acima: o carro de corridas Super Trofeo foi a inspiração para o Stradale; Green competiu em Silverston­e em 2009
Topo: passando por um protótipo do Countach ao sair da fábrica da Lamborghin­i. Acima: o carro de corridas Super Trofeo foi a inspiração para o Stradale; Green competiu em Silverston­e em 2009
 ??  ?? Cintos e encosto de cabeça opcionais (esquerda) podem ser inconvenie­ntes em um carro de estrada, restringin­do o movimento e reduzindo o espaço; os assentos oferecem pouco ajuste, por isso não são ideais para viagens longas. Abaixo, à esquerda: a cabine tem um esquema de cores para combinar com o exterior; logotipo Super Trofeo costurado ao Alcantara no painel. À esquerda: a vista de Vedeseta
Cintos e encosto de cabeça opcionais (esquerda) podem ser inconvenie­ntes em um carro de estrada, restringin­do o movimento e reduzindo o espaço; os assentos oferecem pouco ajuste, por isso não são ideais para viagens longas. Abaixo, à esquerda: a cabine tem um esquema de cores para combinar com o exterior; logotipo Super Trofeo costurado ao Alcantara no painel. À esquerda: a vista de Vedeseta
 ??  ?? Acima: no caminho para as montanhas. Acima, à direita: passando pelas termas de San Pellegrino. Abaixo: a tampa do motor pode ser removida por completo; o
V10 de 5,2 litros fica abaixo
Acima: no caminho para as montanhas. Acima, à direita: passando pelas termas de San Pellegrino. Abaixo: a tampa do motor pode ser removida por completo; o V10 de 5,2 litros fica abaixo
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 ??  ?? Acima, à esquerda: a geada cobre o Super Trofeo. Abaixo: entrada para o circuito de Monza moderno fechado para o Ano Novo
Acima, à esquerda: a geada cobre o Super Trofeo. Abaixo: entrada para o circuito de Monza moderno fechado para o Ano Novo
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 ??  ?? Topo, à esquerda: abrindo portão para o antigo circuito de Monza. Acima, à esquerda: parte de baixo do banco de concreto agora é coberto; foi usado pela última vez em 1969. Topo, à direita: pneus de inverno e tração 4x4 resultam em excelentes níveis de tração
Topo, à esquerda: abrindo portão para o antigo circuito de Monza. Acima, à esquerda: parte de baixo do banco de concreto agora é coberto; foi usado pela última vez em 1969. Topo, à direita: pneus de inverno e tração 4x4 resultam em excelentes níveis de tração
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 ??  ?? Abaixo: Green e o Gallardo no antigo Monza. Direita: é uma tentação experiment­ar o Trofeo no banco de 38 graus
Abaixo: Green e o Gallardo no antigo Monza. Direita: é uma tentação experiment­ar o Trofeo no banco de 38 graus
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