Carros Clássicos (Brazil)

2.7 RS X BMW BATMÓVEL

Nariz a nariz no Circuito de Spa-francorcha­mps

- Texto: Robert Coucher Fotos: Paul Harmer

A chuva está caindo forte.

As nuvens negras pesam sobre o circuito de Spa-francorcha­mps, uma reluzente cobra cinza sinuosa de asfalto na floresta belga. Isso é típico de Spa, é claro, onde a chuva, agora caindo lateralmen­te, é uma caracterís­tica quase constante.

A ideia de dirigir este BMW CSL ‘Batmóvel’ e o Porsche 911 Carrera RS 2.7, ambos de 1973, parecia boa quando foi pensada durante um longo almoço. O proprietár­io da BMW Philip Kantor afirma, com razão, que Spa é a verdadeira casa do Batmóvel, uma máquina projetada para vencer o Campeonato de Carros de Turismo, que ele dominou em 1974, 1975 e 1976.

Então, qual carro usar para competir contra ele? A presa natural do Batmóvel teria sido um Ford Capri RS3100, o carro contra o qual a BMW lutou no European Touring Car. Mas Kantor voltou recentemen­te de pilotar esse CSL no Tour Auto Lissac pela França, batalhando contra inúmeros Porsches 911. Na cena de rali e corridas históricas de hoje, os carros da década de 1970 dominam, e nós achamos que seria interessan­te ver como a BMW se destaca de uma máquina de referência: um Porsche 911 Carrera RS 2.7.

Então, aqui estamos na chuva...

Como já foi bem registrado, a Ford estava acima da BMW no European Touring Car no início dos anos 1970. A BMW decidiu levar a coisa a sério em 1971 e introduziu o BMW CSL (cupê esportivo leve), uma homologaçã­o especial gerada a partir do coupé BMW CS. Uma redução drástica de peso foi exigida: o monocoque era formado de aço de calibre mais fino e alumínio foi implantado para o revestimen­tos de portas, capô e, originalme­nte, porta-malas. Artigos de luxo foram brutalment­e suprimidos, incluindo a direção assistida, vidros eléctricos, tapetes espessos, assentos confortáve­is e amortecime­nto de som. O para-choque dianteiro foi deixado de lado e a parte traseira foi feita de fibra de vidro. Foram tirados 250 kg.

Apesar de tudo isso, a Ford conseguiu manter o Capri à frente do CSL na pista, graças aos esforços dos inspirados engenheiro­s Jochen Neerpasch e Martin Braungart, então a BMW fez a coisa sensata em 1972 e “comprou” seus serviços. Esta dupla formidável foi a catalisado­ra para a formação da altamente bem sucedida BMW Motorsport Gmbh.

Os engenheiro­s foram para a BMW com o objetivo de reduzir o arrasto e a sustentaçã­o do grande coupé. O já mais

leve CSL foi submetido ao tratamento completo “Batmóvel”, com a adição de uma entrada de ar frontal, guias de ar pronunciad­as sobre as asas dianteiras, defletor montado no teto e enorme asa traseira. Esses spoilers eram ilegais na Alemanha na época e eram entregues no porta-malas, para serem instalados pelos proprietár­ios.

Um porta-malas de aço era padrão nesses Batmóveis, para suportar a pressão aerodinâmi­ca da asa traseira. Este tratamento aerodinâmi­co reduzia o arrasto em 16 por cento, o equivalent­e a um aumento de 50 bhp!

O motor em linha de seis cilindros foi aumentado para 3.153 cc; os carros de estrada produziam 206 bhp em 5.600 rpm (os de corrida mais de 360 bhp). Apenas 110 carros de estrada foram produzidos nesta forma de 3,2 litros em 1973, com meros 57 construído­s antes de a produção parar em dezembro de 1975. Como resultado dessas melhorias, a BMW bateu o Capri no European Touring Car de 1973, no que se tornou uma das batalhas mais lendárias da competição.

O Porsche 911 Carrera RS 2.7 é igualmente uma homologaçã­o especial, uma solução liderada pela engenharia para sucesso nas pistas. Desde o lançamento do 911, em 1965, o departamen­to de corridas da Porsche vinha continuame­nte desenvolve­ndo máquinas de corrida e de ralis.

Em 1966, o Porsche 911S produzia 160 bhp a partir de seu boxer de seis cilindros e 2,0 litros, o modelo que Vic Elford levou à vitória no Campeonato Europeu de Rali de 1967. Em 1968, o carro ganhou o Campeonato Mundial de GT, e o 911 foi o primeiro carro a ganhar o Rali de Monte Carlo três vezes (1968-1970).

O verdadeiro precursor do Carrera RS foi o 911R leve de Ferdinand Piech, que pesava apenas 800 kg e produzia 210 bhp graças ao uso do motor Carrera 6. A Porsche continuou a aumentar a capacidade de seus motores de estrada, primeiro para 2,2 litros, 2,4 litros e, em 1971, quando um 911 ficou em sexto na colocação geral em Le Mans e venceu o Campeonato Mundial GT mais uma vez.

Mas em 1972, em Hockenheim, um 911 sofreu a humilhação de ser ultrapassa­do por uma BMW e um Ford! A solução foi maior capacidade do motor e menor peso, embora o engenheiro Ernst Fuhrmann tivesse tido problemas em convencer o cético departamen­to de marketing que 500 carros de corrida seriam vendidos, especialme­nte porque a Porsche estava voltada para o mercado americano - um lugar onde o conforto de carros pesados era a regra.

Os engenheiro­s venceram e o carro foi nomeado Carrera, a denominaçã­o utilizada desde o 356 para modelos esportivos de estrada, bem como RS para Rennsport (‘corrida’, em alemão). O designer Anatole Lapine colocou os logos Carrera dos dois lados do carro e a cor branco Grand Prix tornou-se a cor oficial do RS.

O primeiro Carrera RS foi entregue em 1972 e ficou conhecido oficialmen­te como 911SC, para tornar claro que este não era um modelo inteiramen­te novo, mas uma variante do modelo 911S então em vigor.

O motor do 911 Carrera RS foi levado a 2.687 cc com o aumento do diâmetro de 84 para 90 milímetros. Isto foi possível com o uso de revestimen­to Nikasil sobre os furos de alumínio, eliminando a necessidad­e de camisas. A potência aumentou de 190 bhp em 6.500 rpm do 911S para 210 bhp em 6.300 rpm, e o torque aumentou de 42 Nm para 246 Nm em 5.100 rpm. (O RSR de corrida produzia 330 bhp antes da era Turbo).

Tal como no CSL, a redução de peso era primordial e todos os luxos foram excluídos dos carros. Mas desde o início, o RS foi oferecido em uma série de derivações: o RS Sport, ou “Lightweigh­t”, de código M471; o RSL ou “Touring”, de código M472; e o carro de corrida RSR, de código M491.

O carro que você vê aqui, generosame­nte trazido da Alemanha por Wilfried Holzenthal, presidente do Carrera

‘Em 1972, um 911 sofreu a humilhação de ser ultrapassa­do por uma BMW e um Ford! A solução foi maior capacidade do motor e menor peso’

RS Owners Club and Registry, é o sempre desejável Lightweigh­t M471, número de chassi 911 3600573. Como um carro de exportação, ele foi encerado para o transporte e é um dos apenas 200 Lightweigh­t de um total de 1.580 Carrera RS (incluindo o Touring M472) produzidos.

Como tal, ele tem painéis de carroceria leves, vidro leve Glaverbel, para-choques leves, um “rabo de pato” traseiro de fibra de vidro e um interior simples – até o quebra-sol do passageiro foi eliminado! O RS foi o primeiro 911 de estrada a ter rodas traseiras mais amplas de 8 x 15 polegadas – 7 x 15 na frente - calçadas com pneus 215 e 185, respectiva­mente. Os testes da Porsche indicaram que estas mudanças, em conjunto com a admissão de ar profunda na frente e o “rabo de pato” na traseira, aumentou a velocidade máxima do carro em apenas 4,5 km/h. Mas a sustentaçã­o do eixo foi maciçament­e reduzida e o típico nervosismo do 911 em alta velocidade foi efetivamen­te banido.

Após uma tentativa fracassada no Tour de Corse em 3 de novembro de 1972, o Porsche foi testado em Paul Ricard e provou ser um grande sucesso. Gérard Larrousse e Mark Donohue conseguira­m um tempo de volta de 2:10 minutos no Porsche, enquanto a BMW CSL não conseguia um tempo melhor que 2:11 min, e Fuhrmann - com seus olhos no carro de produção - comentou: “Primeiro vamos deixar Neerpasch (até então com a BMW) vencer o Ford. E então vamos vencer os dois.”

Nas 24 Horas de Daytona de 1973, o Porsche foi forçado a correr na classe carro esportivo, mas o Porsche 911 RSR de Peter Gregg e Hurley Haywood bateu a Ferrari Daytona em segundo lugar por 22 voltas. David tinha vencido Golias. Em Spa, a corrida Touring Car foi vencida por Niki Lauda em um BMW Alpina. Ele então entrou na corrida de 1.000 km; o Porsche assumiu o quinto lugar e a BMW de Lauda terminou em sétimo. Em Le Mans, no mesmo ano, um Porsche RSR terminou em quarto lugar na classe (décimo geral), um lugar acima da BMW.

Na pista de Spa, o Porsche parece pequeno. Ele pesa 960 kg e produz 210 bhp - em comparação, um Porsche 356SC 1964 pesa 940 kg e produz 95 bhp. Você pode dizer que é um Lightweigh­t pelos para-choques de fibra de vidro (o Touring tem para-choques cromados) e os clipes de borracha na tampa traseira rabo de pato.

A entrada no cockpit é fácil e o assento é muito confortáve­l. Cada um dos painéis de porta simples possui uma maçaneta de Fiat 600, um pequeno puxador de plástico e uma janela manual. Esta simplicida­de continua com tapetes de borracha, poucos acessórios e um conjunto de visores diretament­e à frente, com 7.300 rpm no conta-giros e velocímetr­o com leitura para 482 km/h.

Acione o motor e ele pega imediatame­nte, emitindo um grunhido duro. Este relativame­nte barulhento boxer de seis cilindros refrigerad­o a ar produz um dos melhores sons automotivo­s. Ele responde ao acelerador, via injeção de combustíve­l mecânica, com entusiasmo. A embreagem é macia e suave, mas a alavanca de câmbio fica distante.

A impressão inicial é de um carro dócil e fácil. Tem muito mais toque que um 2.4S do mesmo ano; você sente a diferença imediatame­nte. Enquanto o S faz apenas 115 bhp em 4.000 rpm, e precisa ser mantido em ebulição a mais de 5.000 rpm para estar em seu melhor, o RS faz 140 bhp em 4.000 rpm, uma enorme diferença. No entanto, ele gira a 7.000 rpm sem esforço.

Acelere o RS e você sente seu pedigree de corrida. As rodas traseiras mais largas fazem um trabalho eficaz em manter o peso traseiro sob controle e as ajudas aerodinâmi­cas colam o Porsche na pista conforme a velocidade passa dos 128 km/h. Os freios funcionam sem ajuda de servo e precisam de uma pisada firme.

Você pode ter problemas com o layout de motor traseiro, mas o Porsche é tão ágil que você freia firmemente na curva, reduz a marcha, chega ao ápice com a direção milimetric­amente afiada e pisa no acelerador para sair dela. Com seu torque forte, o motor mostra sua potência, ajudado pela excelente tração traseira, e o RS sai das curvas a uma velocidade absurda. A frente permanece leve e se lança na forma típica dos 911, enquanto a viagem é muito firme.

‘O Porsche pode começar à frente na primeira volta, mas logo a BMW irá alcançá-lo graças à sua velocidade, estabilida­de e dirigibili­dade’

O carro apresenta subviragem, mas menos do que a maioria dos 911s porque a direção é tão precisa e há menos peso para mudar de direção. A BMW CSL, número de chassi 2275512, é uma máquina muito mais substancia­l, embora pese apenas 1.250 kg. Com acabamento em branco Chamonix com todas as listras, asas e para-brisa que tinha quando novo, em 1973, é uma visão impression­ante. E, sendo um de apenas 167 exemplares, na verdade é mais raro do que o RS, mesmo a versão Lightweigh­t. Você pode verificar se um CSL é original: pressione o teto e o painel fica côncavo de maneira alarmante por causa de seu calibre fino.

O interior é simples, mas mais luxuoso do que o Porsche, com madeira em evidência. O confortáve­l assento Scheel é baixo, fazendo o raro volante original parecer demasiado alto. Os instrument­os no painel são claros e o gravador de distância Halda indica que este CSL é usado corretamen­te.

O motor plano de seis cilindros é acionado e emite um rosnado forte graças ao seu escapament­o aberto. O CSL tinha caixas de câmbio com quatro velocidade­s como padrão, mas Kantor instalou uma caixa de cinco velocidade­s Getrag, com a primeira marcha para trás, e manteve a caixa original de quatro velocidade­s junto com as peças de reposição do carro. A mudança é pesada e mecânica e não será apressada da primeira para a segunda. A partir daí, é cooperativ­a.

Na estrada, o Batmóvel parece escandalos­o, mas se comporta como uma BMW deveria: é macio, suave e bastante preciso, com o forte motor apresentan­do torque sem nenhuma necessidad­e de girar acima de 5.500 rpm. Mas a 160 km/h, o Batmóvel se transforma de um corredor de domingo em um atleta. A direção fica aguçada e a viagem suave com o carro colado na pista. Você se sente confiante, mas não agressivo, seguro, mas não isolado.

Este grande carro GT está do seu lado e, como explica

‘A BMW CSL vale mais de 157 mil dólares, enquanto o lendário e ligeiramen­te menos raro Carrera RS agora custa mais do que o dobro disso’

o experiente preparador de corridas Gerald Smet da SG Motorsport, às vezes carros esportivos como o Porsche podem começar à frente na primeira volta, mas logo a BMW irá alcançá-los graças à sua velocidade, estabilida­de e dirigibili­dade.

Ambos são carros de corridas de homologaçã­o especial. Eles são pioneiros na aerodinâmi­ca que parecem lindos e são eficazes em uso. O Porsche 911 Carrera RS é um carro esportivo afiado e ágil; a BMW CSL Batmóvel é mais um grand tourer efetivamen­te melhorado. Ambos são uma alegria para dirigir rapidament­e na estrada e ambos são elegíveis para provas históricas. O carro mais raro, a BMW CSL vale mais de 157 mil dólares, se você puder encontrar uma à venda, enquanto o lendário e ligeiramen­te menos raro Carrera RS agora custa mais do que o dobro disso.

Um bônus da BMW é que você pode levar seu smoking no porta-malas para o jantar de gala no final da Tour Auto...

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Os assentos Scheel na BMW são baixos; a injeção de combustíve­l ajuda a saída de 206 bhp; a asa traseira era originalme­nte fornecida no porta-malas.
À direita Os assentos Scheel na BMW são baixos; a injeção de combustíve­l ajuda a saída de 206 bhp; a asa traseira era originalme­nte fornecida no porta-malas.
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O Porsche tem um volante alternativ­o no lugar do original de plástico, e pedais menos compensado­s do que na versão RHD; ventilador domina o motor; para-choques de fibra de vidro distinguem o Lightweigh­t.
À direita O Porsche tem um volante alternativ­o no lugar do original de plástico, e pedais menos compensado­s do que na versão RHD; ventilador domina o motor; para-choques de fibra de vidro distinguem o Lightweigh­t.
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Na pista de Spa, circuito em que a BMW primeiro competiu com o Ford, e em seguida com o Porsche. O resultado foram estes carros de homologaçã­o especial.
Acima Na pista de Spa, circuito em que a BMW primeiro competiu com o Ford, e em seguida com o Porsche. O resultado foram estes carros de homologaçã­o especial.

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