HANS MEZGER
Pai do 917 e muitos mais
Houve um evento único em uma Weissach coberta de neve alguns anos atrás. A recepção privada no departamento de automobilismo da Porsche foi marcado pelo aparecimento de quase todo o conselho de administração da empresa e um “quem é quem” da Porsche Rennsport nos 60 anos anteriores. No mundo por vezes impessoal de hoje, eles estavam reunidos com afeto para celebrar os 80 anos de Hans Mezger. O CEO Michael Macht descreveu o valor da contribuição de 37 anos de Mezger com a Porsche como incalculável. Poucos discordariam.
Nascido e criado na região de Stuttgart, este engenheiro modesto dedicou sua carreira à Porsche, combinando uma ética de trabalho incansável com uma enorme aptidão para a matemática e a engenharia mecânica, além de uma paixão pelo design de carros.
Ele se juntou à Porsche depois da universidade, em 1956, imediatamente contribuindo para aumentar a competitividade dos motores boxer de quatro cilindros ‘Fuhrmann’ através da produção de um modelo matemático para a complexa árvore de comando de válvulas do motor. Em 1960, ele foi convocado para o projeto Fórmula 1 e, aprendendo os fundamentos da concepção da câmara de combustão de alta velocidade, foi fundamental para a melhoria da competitividade do boxer do Type 753.
Mezger rapidamente se adequou ao ambiente “dá pra fazer” tão cuidadosamente desenvolvido por Ferry Porsche. Ele lembra disso como uma forma de trabalhar da qual gostava muito.
“Eu me lembro de quando conheci Ferry e levei algum tempo para ter uma ideia de que tipo de homem ele era. Eu o achei uma pessoa muito modesta, tranquila, mas era sempre muito bom se você pudesse falar com ele. Ele sempre deixava uma impressão muito boa com você. Ele era muito diferente do que você poderia esperar de um gerente de hoje, e se tornou um modelo perfeito para mim.”
Na primavera de 1963, Mezger também encontrou uma alma gêmea em outro engenheiro recém-graduado que se juntou à Porsche.
“Ferdinand Piëch chegou até nós na primavera de 1963. Nós começamos a trabalhar juntos imediatamente e devo dizer que gostei de trabalhar com ele. Afinal, ele também era sobrinho de Ferry Porsche! Éramos ambos muito ambiciosos e queríamos mostrar trabalho com o novo seis cilindros. Eu tinha cerca de 33 anos, mas ele era cerca de seis ou sete anos mais jovem.
Ficou sob a minha responsabilidade reprojetar o motor central do 901. Eu desenhei o layout geral do motor, incluindo o virabrequim de sete rolamentos, o primeiro layout para a árvore de comando de válvulas com tensores hidráulicos, a grande mudança para o sistema de óleo [cárter seco] e, mais importante, a nova câmara de combustão usando válvulas de admissão e escape maiores.”
Hoje, a concepção, desenvolvimento e teste de um novo motor de produção envolveria centenas de engenheiros.
Mas nos anos 1960, não era assim.
“Havia cinco ou seis engenheiros trabalhando no projeto, desenvolvimento e testes do motor, e havia outro que era responsável por todas as partes eléctricas. Éramos um pequeno grupo de profissionais e havia centenas de milhares de coisas que precisavam ser feitas para um motor de produção!”
Quando Piëch tornou-se chefe técnico da Porsche em 1965, Mezger ficou a cargo do recémformado departamento de design de carros de corrida, com responsabilidade sobre os carros completos. Os anos de 1965 a 1973 viram uma sucessão de novos projetos de motores e chassis e, em todos eles, Mezger desempenhou um papel direto, já que seu enxuto departamento expandia suas ideias e experiências de forma exponencial.
Os engenheiros da Porsche se tornaram os mestres do design de chassi tubular, estendendo seus conhecimentos com o 906, 910, 907, 908, 909 e, finalmente, o carro de corridas definitivo da Porsche - o 917. O incentivo - o grande prêmio que parecia sempre fora de alcance no final dos anos 1960 - era vencer Le Mans. E, alimentados pela determinação implacável de Piëch, eles finalmente encontraram a fórmula vencedora.
“O 917 era uma evolução do que vínhamos fazendo antes. O motor evoluiu do boxers de quatro, seis e oito cilindros com um novo projeto de virabrequim e sistema de lubrificação de baixa pressão. O chassi evoluiu a partir dos coupés 907 e 908. Era apenas o próximo passo para o chassi, que teria mais força, rodas mais largas e assim por diante.
Depois da experiência com o Ford GT40 em 1968, acreditávamos que o 908 talvez não fosse capaz de vencer a competição de Le Mans. Em 1969, ele se mostrou um projeto mais acabado, o 908 ainda não era suficiente.
“O 917 foi um trabalho de tempo integral para a equipe de projeto até o final de 1968. Tínhamos na agenda que o motor de 12 cilindros estaria pronto até dezembro. Nós tínhamos que correr atrás do tempo - e nós fizemos - porque sabíamos que tínhamos de conseguir a homologação até abril. Demorou nove meses para completar o layout, terminar o projeto detalhado, adquirir as peças e construir o primeiro motor. Foi muito difícil!
“Em 1969, o 917 de cauda longa não era fácil de dirigir, mas Vic Elford teria vencido em Le Mans se a caixa de velocidades não tivesse rachado. Ele tinha uma grande vantagem quando isso ocorreu. Isso aconteceu porque não havíamos tido tempo para fazer nosso teste de resistência habitual. Tivemos de apresentar os 25 carros para a FIA no final de abril e finalmente recebemos os documentos de homologação em 1 de maio. Seis semanas mais tarde, tivemos de ir para a corrida mais severa de todas. Foi uma grande pena, porque Elford teria vencido, mesmo com a força vertical descendente não sendo a ideal.”
Esse problema de a força vertical descendente não ser “a ideal” foi amplamente superado ao final de 1969, com alterações aerodinâmicas desenvolvidas em conjunto com a JW Automotive. Em 1970, o prêmio que a Porsche cobiçava por tanto tempo foi conseguido quando Hans Herrmann e Richard Attwood ganharam Le Mans. Outra vitória se seguiu em 1971, antes de os carros de 5,0 litros serem proibidos nas corridas resistência. Naquele momento, Mezger já havia voltado suas atenções para Canam e as possibilidades de turboalimentação do boxer de 12 cilindros do 917.
“Foi uma grande decisão desenvolver o turbocompressor, porque, embora houvéssemos visto grandes números de potência no dinamômetro, havia muitos problemas a serem resolvidos relativos à resposta do acelerador e assim por diante. Nós sabíamos que se fossemos turbinar o motor, teríamos que fazê-lo de forma muito diferente.”
‘Os críticos disseram, “OK, a Porsche é boa em longa distância. F1 é diferente”. Mas desenvolvemos o motor mais eficiente’
Os estudos de Mezger mostraram que, para um motor de corridas de estrada, eles não precisavam que todos os gases de escape passassem pelo turbo. Trabalhando com Valentin Schaeffer, um técnico de corrida da Porsche, eles passaram por uma longa lista de experimentos e testes que finalmente resultaram na vitória de dois campeonatos Canam, em 1972 e 1973. No desenvolvimento da turboalimentação para um corredor de estrada, Mezger e sua equipe deram à Porsche uma liderança tecnológica que ela detém até hoje.
A turboalimentação abriu novas portas para a Porsche com seus modelos de produção e para corridas de resistência. E, no início de 1980, os regulamentos da Fórmula 1 também favoreciam os motores de indução forçada. Ron Dennis da Mclaren não demorou a perceber como a Porsche - e Mezger - poderiam contribuir.
Dennis concordou em financiar um estudo de projeto detalhado sobre um novo turbo duplo V6 de 1,5 litro, enquanto procurava mais apoio para o pleno desenvolvimento. Na Porsche, Mezger era o encarregado; houve uma química óbvia entre os dois homens.
“Desde o início, eu tive uma impressão muito boa de Ron Dennis. Eu havia ouvido falar que muitas pessoas não se davam com ele, mas eu o achei 100% confiável. Mesmo se não escrevêssemos algo, se fizéssemos um acordo, eu sabia que ele o cumpriria. Eu o compararia a Piëch na forma como ele sempre queria tudo perfeito. Eles eram muito semelhantes.
Ron sabia tudo sobre a Fórmula 1 e John [Barnard - então engenheiro-chefe da Mclaren] compreendeu completamente os requisitos para o carro. Lembro-me que, quando dissemos que íamos nos envolver na F1 com a Mclaren, os críticos disseram, ‘OK, a Porsche é boa em corridas de longa distância, mas F1 é completamente diferente’. Mas depois disso, desenvolvemos o motor mais leve, mais compacto e mais eficiente. Em 1984, ele era o mais potente, e aumentou a cada ano até 1987.”
Enquanto isso, Dennis havia convencido o empresário Mansour Ojjeh dos benefícios de se envolver com a Mclaren e o novo motor. O turbo TAG (nome derivado de Techniques d’avant Garde, de Ojjeh) ajudou a Mclaren a conquistar três títulos consecutivos no Campeonato Mundial de Pilotos (com Niki Lauda e Alain Prost) e dois de Construtores.
“A F1 foi uma experiência muito diferente para mim depois de trabalhar com carros esportivos. Quando eu encontro alguns dos caras mais velhos que estavam na Mclaren naquela época, eles também me dizem que é muito diferente hoje. Eu costumava encontrar Jo Ramirez em Hockenheim todos os anos quando ele ainda estava com a Mclaren. Ele se aposentou há alguns anos. Mas ele sempre falava sobre como era muito mais divertido naqueles dias. Havia muito mais tempo para conversar e para comemorar quando ganhamos.
Eu tenho que dizer que, embora as festas após as corridas de Fórmula 1 fossem boas, havíamos tido algumas festas muito boas na Porsche depois de algumas das vitórias de longa distância, especialmente depois de uma vitória em Le Mans. Lá, sempre voltávamos para o mesmo lugar em Teloché - e isso geralmente depois de 48 horas longe de uma cama ou de um repouso adequado. Se tivéssemos vencido, todo mundo estava muito feliz e o vinho fluía. Os mecânicos costumavam estar muito cansados e muitas vezes caíam de sono!”
O motor TAG turbo teve 25 vitórias em Grand Prix e continua a ser um dos motores de maior sucesso na história da F1. O 917 foi aclamado por muitos como o melhor carro de corridas de todos os tempos e o boxer de seis cilindros do 911 é indiscutivelmente o motor de esportivos mais duradouro de todos os tempos. Sem Hans Mezger, nenhum deles teria existido.