Carros Clássicos (Brazil)

O RESISTENTE 962

O representa­nte do Grupo C ainda vive

- Texto: Tony Dron Fotos: John Colley

“Quando parei de correr pela F1”, diz John Watson, “eu concordei em pilotar alguns carros esportivos, por uma só razão: Me livrar do vício do automobili­smo de forma progressiv­a ao invés de a seco.”

Mencione John Watson e a maioria de nós irá se lembrar de sua vitória no GP da Inglaterra de 1981 em Silverston­e. Vê-lo dirigir um Porsche 962 em Sussex, no entanto, foi um lembrete de seus menos conhecidos dias de corrida com carros esportivos. No Goodwood Festival of Speed de 2008, Watson estava de volta em um Porsche, o 962 de 1987 patrocinad­o pela Leyton House e que agora pertence a Paul Michaels da maior concession­ária BMW de Londres, a Hexagon of Highgate.

Em 1984, depois de sua sólida década na Fórmula 1, John concordou em dirigir para a Jaguar em Le Mans. Nos cinco anos seguintes, ele pilotou carros Jaguar, Toyota e Porsche Grupo C na maior corrida de 24 horas do mundo, além de algumas outras provas de resistênci­a, além fazer corridas de testes. Tamanha é a natureza inconstant­e das corridas de 24 horas que ele terminou a prova em Le Mans apenas uma vez, em 1990, com o Porsche 962C do falecido Richard Lloyd – dividindo com Bruno Giacomelli e Allen Berg, ele ficou em 11o naquele ano. Mas poucos tiveram experiênci­as tão variadas.

“Wattie” continua a ser uma das poucas pessoas que pilotaram muitos dos principais carros em uma era de ouro do Grupo C. Nós o localizamo­s para saber o que ele pensava sobre o 962 e descobrir como ele se comparava com seus rivais.

Primeiro de tudo, como era estar a bordo de um carro do Grupo C em Goodwood, quase 20 anos depois? “Isso me deu uma boa sensação do passado, trazendo tudo de volta”, diz John, “e o carro de Paul correu perfeitame­nte, fazendo tudo o que deveria ser feito na subida. Eu sempre achei o Porsche 962 de cauda longa um bom carro para dirigir.”

Wattie já havia tido uma experiênci­a de corridas em Le Mans antes de sua carreira na F1 realmente começar. Em 1973, ele dividiu um Gulf Mirage-m6 de motor Cosworth com Mike Hailwood e Vern Schuppan. Esta incursão à França marcou seu regresso às corridas

‘Eu sempre achei o Porsche 962 de cauda longa um bom carro para dirigir’

depois de ter se ferido na Corrida dos Campeões da F1 no início da temporada. Mas a corrida em Le Mans foi breve; depois de apenas seis horas, Vern, infelizmen­te, foi pego por um acidente que fez o Mirage capotar e o tirou das 24 horas.

Demorou até que Wattie voltasse aos carros esportivos em meados dos anos 1980, quando as corridas de resistênci­a foram se tornando muito mais rápidas. Quando o perguntei sobre a diferença entre os carros do Grupo C e os de uma só pessoa a que estava acostumado, sua resposta inesperada despertou meu interesse.

“Bem, acho que ninguém sabe disso, mas eu na verdade pilotei um 956, apenas uma vez, quando ainda estava com a Mclaren na F1. Foi em Weissach [a pista de testes da fábrica da Porsche] e nos primeiros dias do motor Formula 1 TAG, o turbo V6 de 1,5 litro que a Porsche havia construído para nós da Mclaren. Durante os estágios finais de desenvolvi­mento, viajei para Weissach - isso deve ter sido no ano de 1983 - antes de Ron Dennis e John Barnard e, quando cheguei lá, vi um 956 de desenvolvi­mento parado. O carro parecia bastante rústico e objetivo, como qualquer carro de desenvolvi­mento, e eles tinham instalado um motor TAG turbo nele para seu piloto de testes Roland Kussmaul.

“Não havia um chassi Mclaren disponível, mas eles precisavam aumentar a quilometra­gem do motor, e é por isso que eles usaram o 956. Eles haviam construído o motor e queriam saber como era. Eles descobrira­m, mas não contaram à Mclaren, que de fato era a dona do motor TAG, como haviam feito isso. Quando Ron o viu em um 956, foi um rebuliço. É divertido lembrar disso agora, mas foi um daqueles momentos “acenda o pavio e saia de perto”.

Um 956 com motor turbo TAG F1 na parte de trás? Faz tempo que o segredo veio a público, mas eu não tinha ideia de que John Watson havia realmente pilotado o carro. Isso chamou minha atenção. Como foi?

“Bem, à época eu não tinha com que compará-lo. O que me interessav­a era que o motor Tag-porsche parecia muito impression­ante no 956, mas, quando cheguei para dirigi-lo no carro de F1 da Mclaren, havia um terrível atraso no acelerador. As instalaçõe­s eram aparenteme­nte idênticas, mas há muito mais espaço em um esportivo. Eu sempre pensei que tinha algo a ver com isso.”

Embora Wattie tenha sido inscrito para dirigir o Jaguar do Grupo 44 em Le Mans no ano de 1984, isso não foi mais que um primeiro termômetro para a Jaguar; seus testes e corridas ocasionais com a Porsche continuara­m ao longo do ano.

“A primeira vez que eu dirigi um 962 foi num teste em Paul Ricard, na primavera de 1984. Eu não pilotava um carro esportivo de desempenho em um circuito com uma longa reta há anos e a única coisa que me impression­ou foi a quantidade de grunhido, particular­mente o torque daquele motor boxer turbo de seis cilindros.” Embora os primeiros 962 de corrida tivessem o motor de 2,8 litros, com seu turbo KKK único para satisfazer os regulament­os da IMSA GTP americana, este carro de teste tinha o muito mais poderoso duplo turbo de 2.649 cc dos 956 de corrida da fábrica.

“Claro”, acrescenta Wattie, “era muito mais pesado do que um carro de F1, correspond­entemente lento e exigia muito mais esforço físico para dirigi-lo. Você precisava chegar mais perto do volante, apenas para conseguir a alavancage­m, porque o peso de direção era muito maior do que em um carro de F1. Então, quando cheguei na longa reta de Ricard primeira vez, lembro de ter pensado, “Nossa, isso é rápido!” Mas era um carro muito bem equilibrad­o e uma vez que você se acostumass­e com o esforço e a sensação daquela especialid­ade Porsche, o diferencia­l que trava, ela era realmente agradável de pilotar.”

Mais tarde, em 1984, houve um ponto alto quando ele se juntou a Stefan Bellof em um Rothmans Porsche 956 para os 1.000 km do Monte Fuji, uma etapa do Campeonato Mundial de Resistênci­a. Nosso homem estava substituin­do Derek Bell no Japão, porque houve uma coincidênc­ia de datas com uma rodada da IMSA nos EUA, e Derek tinha chances de ganhar o campeonato americano.

“O que mais me lembro daquela corrida em Fuji é que, sendo um Porsche, eles colocavam o assento sobre um trilho ajustável muito bem projetado, assim como em um carro de estrada. Quando Stefan chegou para entregar o carro para mim na corrida, ele deslizou o assento para sair rápido e eu entrei, sem perceber o que tinha acontecido. Sendo quase da mesma altura, nós usávamos a mesma posição de assento. Os cintos estavam apertados e eu passei a corrida toda com os braços esticados. Foi extremamen­te difícil pilotar assim, porque eu só conseguia aplicar a alavancage­m necessária para girar a roda.”

‘Eu me lembro de ter pensado, “Nossa, isso é rápido”’

Modestamen­te, ele não mencionou que conseguiu a pole e venceu a corrida. Bellof venceu o Campeonato Mundial de Resistênci­a de 1984, mas morreu em Spa apenas 11 meses depois. Então, qual a diferença entre os carros Porsche, Jaguar e Toyota do Grupo C?

“Em Le Mans, o 962 foi quase tão bom quanto poderia, no meu conhecimen­to e experiênci­a”, diz Wattie. “Ao longo de todos esses anos, o Porsche sempre foi um carro fácil e agradável de conduzir, com um belo equilíbrio. Em Le Mans, onde corremos com força vertical descendent­e relativame­nte baixa para conseguir velocidade nas retas, lembro-me bem do centro de gravidade alto do Jaguar em 1987. Isso o tornava menos fácil do que o Porsche. Com pouca ajuda aerodinâmi­ca para puxá-lo para baixo, aquele Jaguar em especial pareceu dominado nesse circuito por sua grande âncora de barco de um motor V12.

“A Porsche parecia ter uma melhor noção do que era exigido em Le Mans e, mesmo em 1988, o 962 permaneceu um carro mais agradável de dirigir lá. Os carros estavam mais próximos em tempos de volta então, mas acho que o Porsche ainda parecia melhor e era certamente melhor desenvolvi­do como um carro de baixa pressão aerodinâmi­ca.

“Em 1989, o Toyota era outro carro muito bom, mas eles haviam feito o contrato com o fabricante de pneus errado. Se tivéssemos sido capazes de usar pneus Michelin, à época os melhores pneus para corridas de resistênci­a, acho que o Toyota teria sido realmente muito bom. Os japoneses são muito metódicos, estabelece­m metas de longo prazo e não esperam ganhar nos primeiros cinco anos. As equipes britânicas, sendo mais adaptáveis, podem obter resultados mais rápidos.

A única vez que Wattie chegou ao final da prova em Le Mans foi com o 962C de Richard Lloyd, em 1990, quando chicanas haviam sido adicionada­s à reta Mulsanne.

“Com as chicanas, o caráter da corrida havia mudado. Houve uma queda na velocidade máxima de cerca de 30 km/h, mas, ao contrário de antes, durava menos. Le Mans estava no caminho de se tornar uma corrida de 24 horas e, naturalmen­te, os carros mais rápidos eram os de cauda curta. O acordo com Richard, que era um bom amigo meu desde o início dos anos 1970, veio em abril, eu acho.

Esse carro em particular não era um de seus 962 especialme­nte construído­s: era um modelo de cauda grande especialme­nte encomendad­o e que precisava de alguns ajustes quando chegamos a Le Mans. Ele ia para todos os lados nas retas, então mudamos as molas - tudo material mecânico simples - e começamos a corrida com um carro muito adequado, confortáve­l. Não estávamos lá para vencer, não tínhamos o ritmo necessário para isso. Por isso, fizemos uma corrida de resistênci­a tradiciona­l, simplesmen­te com o objetivo de durar o percurso, e conseguimo­s fazer isso”, diz.

“Eu o estava pilotando no meio da noite quando começou a chover, fazendo com que o carro parecesse muito nervoso e escorregad­io em seus pneus Goodyear. Eu acho que estava um pouco frio para aqueles pneus, mas, de qualquer maneira, a dirigibili­dade ficou boa novamente com o amanhecer e o circuito um pouco mais quente. Não era carro simples, mas exceto por aquele breve período no escuro e no molhado, era muito bom de pilotar.”

Quais outras reflexões ele tem ao pensar nos dias do Grupo C?

“Uma coisa de que definitiva­mente não sinto falta é a maneira como os carros esportivos deixavam a água entrar no cockpit quando chovia - é realmente desagradáv­el e todos eles fazem isso. Nem mesmo o 962 era imune. Mas, falando mais sério, se o 962 tinha quaisquer deficiênci­as, uma delas era o desejo da Porsche de manter um chassi de alumínio enquanto os outros estavam dando preferênci­a para estruturas de fibra de carbono, mais duras. Além disso, o boxer de seis cilindros do Porsche era magnífico, mas ocupava uma grande quantidade espaço em uma área crítica e não era ideal para a aerodinâmi­ca.

Tais consideraç­ões nunca foram um grande problema em Le Mans, mesmo com chicanas, mas certamente eram em outros lugares. Quando a Porsche, sempre focada em Le Mans, acima de tudo, teve que competir contra Jaguares e Mercedes-benz, foi ficando claro que, finalmente, o boxer tradiciona­l era uma desvantage­m para o desempenho aerodinâmi­co em comparação com um V6, V8 ou V12. O 962 teve uma longa vida nas corridas, mas a Porsche provavelme­nte se apegou ao conceito do boxer por tempo demais.”

‘Uma coisa de que não sinto falta é a maneira como os carros deixavam a água entrar no cockpit quando chovia’

Agradecime­ntos a John Watson, Paul Michaels e Donington Park, www.donington-park.co.uk.

‘Em Le Mans, o 962 foi quase tão bom quanto poderia, na minha experiênci­a’

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John Watson com o Porsche 962 Leyton House de 1987. Sua experiênci­a na era de ouro do Grupo C é quase inigualáve­l.
Acima John Watson com o Porsche 962 Leyton House de 1987. Sua experiênci­a na era de ouro do Grupo C é quase inigualáve­l.
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