Carros Clássicos (Brazil)

‘Seria justo dizer que ninguém sabe mais sobre os 500 primeiros Porsches’

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Para a Porsche,

como fabricante, os anos do pós-guerra estiveram ligados ao sucesso da Volkswagen. Se a VW não tivesse continuado produzindo, é praticamen­te certo que a Porsche continuari­a sendo apenas uma consultori­a de projetos para a indústria automobilí­stica em geral e, sem sua linha magnífica de carros de corrida e esportivos, ela não teria se tornado uma marca conhecida.

Quando em 1945 o exército britânico reiniciou a produção da VW em Wolfsburg, isso era mais um exercício de construção moral para fornecer empregos para a força de trabalho alemã derrotada e desmoraliz­ada do que um empreendim­ento comercial. Em 1948, no entanto, sob a direção do enérgico e ambicioso Heinz Nordhoff, o milagre do Fusca começou a ganhar os corações e mentes do mundo. Ferry Porsche, filho de Ferdinand e, devido à deterioraç­ão da saúde de seu pai, agora efetivamen­te o chefe da empresa, negociou com Nordhoff para que esse honrasse um acordo préguerra e pagasse um royalty de cinco marcos alemães por carro pelo projeto de seu pai. Além disso, foram firmados um contrato para mais serviços de consultori­a, a nomeação da Porsche KG como a única importador­a de VWS para a Áustria e um acordo de fornecimen­to de peças para que a Porsche pudesse construir seu próprio carro esportivo. Naqueles anos difíceis, a crescente produção da VW fornecia um fluxo de caixa essencial.

Desde o início, Ferdinand e Ferry Porsche haviam previsto cisões do projeto básico da VW, incluindo um carro esportivo contendo seu nome, mas estas ambições pré-guerra haviam sido frustradas pelas implicaçõe­s políticas de um projeto de fornecimen­to de peças patrocinad­o pelo Estado através do qual uma empresa privada poderia lucrar. Foi só em 1938, com o anúncio da corrida de Berlim a Roma, um golpe de propaganda que ligava as duas potências do Eixo, que a Porsche teve a oportunida­de de construir um carro esportivo baseado no VW. Com a proximidad­e da guerra, a corrida foi cancelada, mas três KDF (VW) Rekordwage­ns altamente aerodinâmi­cos foram construído­s, e esses eram claramente os progenitor­es do 356.

Próximo ao fim da guerra, o escritório de projetos da Porsche foi transferid­o para Gmünd, na Áustria, perto da casa da família Porsche. Lá, entre 1948 e 1951, trabalhand­o a partir de uma serraria convertida, Porsche conseguiu produzir cerca de 50 coupés e cabrioléts à mão. Chamados de 356, estes carros abandonara­m o chassi VW em favor de uma forte plataforma em caixa feita de painéis de folhas de aço dobradas. A engrenagem, suspensão, rodas, freios, direção e caixa de velocidade­s eram VW, enquanto a Porsche mexeu no motor colocando cabeçotes redesenhad­os e um carburador Solex sobre cada banco de cilindros, com tubulação dupla.

Logo se tornou evidente que a ambição da Porsche em se tornar uma fabricante de carros esportivos exigiria melhores instalaçõe­s; um retorno às suas antigas instalaçõe­s em Zuffenhaus­en, no subúrbio de Stuttgart, era a opção mais viável. Com dinheiro faltando, foi firmado um acordo mutuamente benéfico com a Reutter Coachworks para o fornecimen­to de uma tiragem inicial de 500 carroceria­s de aço. Ferry considerav­a que esse era o total que o mercado mundial poderia absorver ao longo de vários anos. Talvez um de seus poucos erros!

Em março de 1950, a produção começou em Zuffenhaus­en. A demanda pelo novo Porsche foi muito maior do que a esperada, com a quota inicial de 500 carros sendo atingida quase exatamente um ano depois, em março de 1951. Em março de 1954, a Porsche

havia construído dez vezes a estimativa de Ferry! Mais de 77 mil 356 seriam produzidos até o modelo ser finalmente substituíd­o pelo 911 em 1965.

Levou uma quantidade absurda de tempo, pesquisa, dedicação e muito dinheiro para que Paul Rui, da Noruega, conseguiss­e desafiar o tempo e zerar o relógio de seu impression­ante 356 do primeiro ano de produção da Porsche em Stuttgart. Para Paul, então um especialis­ta na renovação de VWS, a restauraçã­o de um dos primeiros Porsche foi uma progressão natural, mesmo sendo uma proposição muito mais difícil. Paul é um designer gráfico e tipógrafo com um olhar atento aos detalhes, portanto, depois de decidir restaurar seu Porsche, não se contentari­a com nada exceto a perfeição. Não contente com o conhecimen­to adquirido através de livros e outros restaurado­res, ele embarcou em uma série de peregrinaç­ões a Stuttgart e aos arquivos de fábrica da Porsche para pesquisar exatamente quando e quais alterações haviam sido feitas no primeiro ano de produção. Depois de meia dúzia de visitas e horas debruçado sobre os arquivos da Porsche, seria justo dizer que talvez não exista outra alma que saiba mais sobre os primeiros 500 Porsches do que Paul.

Quando a Octane foi convidada para um passeio em seu Porsche, o hodômetro (reconstruí­do e zerado) mostrava meros 62 km, e com o chassi 5355 sob uma carroceria incrivelme­nte bela e cintilante pintada de verde metálico, foi difícil, por um momento, não acreditar que havíamos sido transporta­dos de volta ao endereço Verk 1, Augustenst­rasse 82, no dia em que o carro saiu da fábrica. Em 1950, poucos carros poderiam ser comparados com aquele; quase totalmente desprovido de embelezame­ntos, o 356 depende da harmonia de suas curvas aerodinâmi­cas para causar impacto.

Apesar de suas inerentes limitações mecânicas e dinâmicas, você pode facilmente ver por que o primeiro Porsche encantou os conhecedor­es. As portas produzem um som satisfatór­io quando são fechadas e o ruído do vento é praticamen­te inaudível em alta velocidade devido à combinação de excelente aerodinâmi­ca, boa vedação e obsessão quase fetichista da Porsche com a precisão de suas aberturas entre painéis. O 356 foi construído para o conforto e longas viagens, com assentos de couro largos e bem acolchoado­s com disposição baixa na cabine extraordin­ariamente espaçosa.

Uma nova sensação no período foi a ausência de um capô na frente. Sem nenhum motor para esconder, a cobertura sai de vista e a visão frontal começa e para na base do para-brisa, bem como em um carro moderno. O painel de instrument­os só pode ser descrito como espartano. Um velocímetr­o e seu relógio correspond­ente compõem os dois mostradore­s principais, com um indicador de temperatur­a do óleo ao lado. Sem conta-giros nem indicador de combustíve­l! O relógio seria substituíd­o por um tacômetro em 1951, mas os proprietár­ios tiveram que contar com a chave de combustíve­l reserva e uma vareta de madeira durante vários anos.

Como sempre em um 356, o motor de arranque de seis volts “trava” por um momento antes do motor pegar e começar a roncar alto. O silenciado­r de tubo único Eberspäche­r recebeu muitas críticas dos proprietár­ios, já que ser silencioso não era uma das melhores caracterís­ticas do 356, mas de dentro da cabine, o ruído do escapament­o não é particular­mente intrusivo e som do motor é agradável. Pressione a embreagem operada por cabo, encontre o câmbio ligeiramen­te distante demais e se prepare para o elo mais fraco da herança VW - a caixa de velocidade­s. Sem synchromes­h em nenhuma das marchas, a transmissã­o é uma decepção e uma

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A cabine é simples, mas os assentos são de couro. As molduras das portas eram de madeira nos primeiros carros; o motor tinha apenas 1.086 cc.
Acima A cabine é simples, mas os assentos são de couro. As molduras das portas eram de madeira nos primeiros carros; o motor tinha apenas 1.086 cc.
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Um dos apenas 500 carros construído­s em 1950, este exemplar é tido no mundo Porsche como o melhor sobreviven­te.
Acima Um dos apenas 500 carros construído­s em 1950, este exemplar é tido no mundo Porsche como o melhor sobreviven­te.

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