TOUR DE FRANCE
Travessia da França em alta velocidade num 356
Foi no quarto dia do
Tour Auto Lissac de 2005 que, conforme entramos em uma descida chicana no Circuit de Nogaro, uma de nossas calotas decidiu que já havia trabalhado o suficiente e se despediu. Eu acho que foi também nesse circuito que eu decidi que o mantra “entrada lenta, saída rápida” era um conceito relativo, pois nossa “entrada lenta” parecia assustadoramente mais rápida que a de qualquer outra pessoa. Eu digo “acho” porque, depois de 1.500 quilômetros de estradas sinuosas, passagens de montanha, quatro circuitos de corrida e cinco subidas íngremes, é difícil ser preciso sobre o momento real em que esse fato me ocorreu. Mas, como a nossa calota, eu me adiantei.
As coincidências são fascinantes. Eu estava relendo o relato de Denis Jenkinson sobre sua histórica viagem rumo à vitória com Moss na Mille Miglia em 1955 quando o telefone tocou. Era o velho companheiro de longa data e piloto de Porsches Nick Faure me perguntando se eu o acompanharia na Tour Auto que teria início alguns dias depois. Agora, devo confessar, eu sempre me via no papel de Moss. E a França dos anos 2000 não é a Itália nos anos 1950. Mas a vida nunca pode ser perfeita.
A diferença entre fato e fantasia se ampliaram ainda mais quando Nick explicou que estaríamos em um Porsche 356 cabriolet de 60 bhp, de 1958. O Jaguar E-type de Nick tinha dado problemas naquela manhã, e sua esposa achava que o Porsche era muito manso para ela e o abandonara! Enquanto alguns perdem, outros ganham.
Na segunda de manhã, nós três (Nick, o Porsche e eu) nos encontramos no estacionamento que tinha sido criado na Esplanade des Invalides (celebrações para comemorar o Dia da Vitória na Europa haviam deslocado o ponto de largada de seu lugar tradicional, em frente à Torre Eiffel, na rampa do Trocadero).
O evento é dividido entre as classes “competição” e “comum” e, com seu carro de competição fora de ação, Nick tinha mudado nosso pequeno Damen para “comum”. Secretamente, eu senti que esta poderia ser a categoria dos fracos. Quer dizer, havia até um Citroën 2CV em nosso grupo! Embora Nick houvesse mudado sua inscrição com sucesso, o programa não percebeu que ele também havia mudado o passageiro, de modo que meu nome permaneceu “Maria” durante o rali, recebendo olhares intrigados e piadas previsíveis no caminho.
A manhã da terça-feira estava cinzenta, fria e úmida enquanto nós éramos despachados, em intervalos de 30 segundos, na hora do rush de Paris. Depois de apenas 200 metros e uma instrução sobre o mapa da rota, fiquei confuso quando o carro à frente virouse na direção oposta à que eu tinha acabado de indicar para Nick. Depois de alguns momentos de consulta, decidimos que eu estava certo e ele estava errado.
Saindo da cidade, fomos em direção a Vichy através de pistas sinuosas, e o rali começou. As condições meteorológicas nos convenceram de que, apesar de um acordo anterior um pouco prematuro de viajar com a capota abaixada, seria muito mais confortável com ela levantada.
Nos cinco dias seguintes, passamos por algumas das mais lindas e pitorescas partes da França. Vichy, Clermont-ferrand, Toulouse, Pau e centenas de pequenas aldeias iam e vinham, passamos por entre montanhas espetaculares, saboreamos maravilhosas delícias gastronômicas, a nossa velocidade aumentou, o tempo firmou, e baixamos a capota.
Aos poucos, adquirimos um tom blasé diante da visão de uma Ferrari 250GTS passando, ou ao parar em algum posto de gasolina isolado e ficar atrás de lindos e requintados esportivos dos 1950, e os nossos braços doíam acenando para os milhares de espectadores entusiasmados ao longo das estradas.
Mas também houve frustrações: ter que apressar um maravilhoso almoço para conseguir chegar na hora de partida estabelecida; perder a corrida nas pistas porque estávamos sempre ficando para trás na estrada conforme os pilotos que viajavam atrás de nós estavam prestes a iniciar seus eventos; ganhar uma caixa enorme de chocolates e descobrir que todos haviam derretido quando finalmente a abrimos.
Quatro circuitos foram incluídos no rali: Magny-cours, Charade, Nogaro e Pau. O objetivo dos competidores comuns é tentar completar três voltas consecutivas em tempos idênticos. Todos os grupos circulam juntos e é muito fácil cair na tentação de ‘competir’ com os outros em seu grupo e estragar os tempos de volta. Apenas cronômetros são permitidos no carro e, para este fim, Nick tinha trazido seu relógio de cozinha e eu um grande cronômetro russo que uso na minha câmara escura fotográfica.
A bateria do relógio de Nick havia acabado e o meu cronômetro russo parecia relutante em iniciar ou parar de modo previsível, então, mesmo que eu tivesse sido capaz de registrar um tempo de volta com precisão, repeti-lo estava claramente fora de nosso alcance. Eu tinha sido reduzido a nada mais do que lastro.
No entanto, o que nossa equipe não dispunha de experiência em navegação foi mais do que compensado pela habilidade de condução. Cada mudança de marcha foi exatamente no início da linha vermelha. Os freios eram aplicados exatamente no mesmo ponto a cada volta, as curvas foram sempre suaves, e a potência estava sempre em alta durante todo o raio de uma curva. “Com um 356, você nunca, nunca deve parar de acelerar em uma curva”, aconselhou Nick.
Eu protestei com ele sobre o fato de que a linha entre a “entrada lenta” e o “Ai, meu Deus! Nós nunca vamos conseguir fazer a curva a esta velocidade!” era extremamente tênue. Mesmo quando um Frazer Nash encostou em nós, Nick não tirou o pé do pedal, mas o baixou ainda mais, lançou o 356 sobre o meio-fio e acelerou.
Tal era a precisão do relógio mental de Nick que, no segundo dia, nós (ele, na verdade), ganhamos um prêmio por completar quatro voltas sucessivas com um intervalo de apenas 0,20 segundo entre si!
Em algum lugar de Auvergne, estávamos saindo das montanhas por uma estrada incrivelmente sinuosa, o tipo de lugar onde um 356 se mostra: um monte de curvas relativamente lentas nas quais o peso sobre as rodas traseiras pode realmente ser usado para tirar o carro das curvas. À frente, vimos um Mini-cooper S.
Quase imperceptível no início, nossa velocidade nas curvas começou a aumentar e aos poucos começamos a colar no Mini. Logo estávamos bem atrás do carro, que havia visivelmente aumentado sua velocidade, mas depois de um quilômetro acelerando nas curvas, o motorista diminuiu um pouco a velocidade e nós o ultrapassamos. No entanto, o ruído do escapamento do Mini e o som de suas engrenagens indicava que seu piloto tinha a intenção de ficar com a gente.
Gradualmente, nos afastamos do Mini conforme o pequeno Porsche cravou seus pneus traseiros no asfalto. E então chegamos ao vale, a estrada se endireitou e Nick abrandou o ritmo.
Em poucos minutos, tínhamos entrado no Parc Fermé, onde dois franceses suados em roupas de pilotos e cheios de adrenalina saíram de seu Mini e se aproximaram de Nick. “Isso foi fan-tás-ti-co! O modo como você dirigiu nas curvas foi incrível”, disse o motorista. “Você tem um motor de 120 cavalos no carro? Nós temos um de 110 e não conseguimos alcançar você!” Ambos ficaram de queixo caído quando Nick disse que não tinha mais do que os 60 bhp de fábrica. Ele teve até que levantar a tampa traseira para provar isso.
No último dia, nós já havíamos abandonado qualquer pretensão de ganhar uma posição sensata nos resultados e, quando nos alinhamos para a última subida íngreme, o organizador de eventos Patrick Peter sussurrou para Nick: “Isso é boa sorte. Vá em frente”. E assim ele fez. O objetivo dos competidores comuns é subir a colina em um certo tempo, rápido, mas não na velocidade máxima. Fomos na velocidade máxima. Mais uma vez eu fiquei maravilhado com a aderência do 356 - contanto que você não amarele! O Avons recém-montados foram levados ao limite curva após curva.
No caminho da subida de seis minutos, passamos por um E-type que havia partido 30 segundos antes de nós, e então pela Ferrari que havia saído 30 segundos antes disso, e nós chegamos à linha de chegada assim que o carro na frente dele estava cruzando a linha! Isso causou muita confusão para os cronometristas e um monte de pontos de penalização para nós, mas não conseguiu tirar os sorrisos de satisfação de nossos rostos. Nós ainda estávamos rindo quando chegamos a Biarritz.
Apesar de nossas transgressões, terminamos a prova em 40º lugar geral. E fico imaginando o que os 50 e poucos carros abaixo de nós estavam fazendo.
‘Quando um Frazer Nash encostou em nós, Nick não tirou o pé do pedal, mas o baixou ainda mais, lançou o 356 sobre o meio-fio e acelerou’