HISTÓRIA
A trajetória do fenômeno hot rod só começou a ser documentada recentemente. Por isso, muitas informações acabaram perdidas
O nascimento do Hobby
Osurgimento do fenômeno hot rod começou na primeira metade do século passado, quando os pioneiros disputavam corridas de aceleração em linha reta nos lagos secos californianos. Era uma forma barata de pilotos amadores competir. Estes apaixonados, porém, acabaram desaparecendo antes de darem qualquer tipo de depoimento, dificultando a documentação do movimento hot rodding. Talvez por isso não exista uma data precisa indicando o início da onda, embora os especialistas sobre o assunto concordem que ela passou a se difundir com força durante a década de 1930.
A primeira geração de hots era basicamente da marca Ford, empresa que dominou o mercado americano até o começo dos anos 30, quando lançou também o motor V8 Flathead (“cabeçote plano”, devido ao desenho destes propulsores, que não acomodavam válvulas pois elas ficavam no bloco), fundido em um bloco único que, além de compacto e de bom desempenho, tinha preço acessível. Originalmente com 65 cv, o Flathead logo passou a ser adaptado em outros chassis de modelos da marca fabricados anteriormente, como o A, lançado em 1928, e especialmente o popular modelo T. Em pouco tempo, estes modelos híbridos foram denominados T-bucket (“T-balde”, devido ao formato da carroceria). Vale lembrar que, mesmo atualmente, as carrocerias Ford ainda são as mais populares na construção de hots, de alumínio ou plástico reforçado com fibra de vidro.
UMA NOVA INDÚSTRIA
Ainda na década de 1930 começaram a ser adotados outros motores, como o V8 da Cadillac. Mas a grande revolução surgiu em 1951, com o lançamento do Chrysler Hemi Firepower 331, um V8 de 180 cv que se destacava pelas câmaras de combustão hemisféricas. Estes motores abriram o leque para o crescimento do fenômeno. Quatro anos mais tarde, a Chevrolet lançaria seu V8 small block de 265 polegadas cúbicas de cilindrada e 225 cv, que logo se tornou muito utilizado.
A popularidade deste bloco se deu pelos mesmos motivos que, tempos antes, destacaram-se o
Flathead e o Hemi, isto é, o compromisso de preço, tamanho e potência. Além disso, o engenheiro belga de origem russa e naturalizado americano, Zora
Arkus-duntov, que desenvolveu o conjunto Ardun de câmaras de combustão hemisféricas, convenceu a GM a vender peças para os rodders a preço de custo. A estratégia de marketing disseminou o motor
Chevrolet V8 nos hots da época.
Porém, desde a década de 1930, havia uma indústria no setor que surgiu com vários curiosos que, em oficinas de fundo de quintal, começaram a fabricar “venenos”. Muitos deste “especialistas” cresceram com o fenômeno hot até se transformarem em nomes mundialmente reconhecidos. Dentre as “fábricas” pioneiras pode-se citar a Edelbrock, Harrel, Jahs, Marshall, Mccullough, Mickey Thompson, Miller, Mooneyham, Navarro, Offenhauser, Rajo, Roof, Shorrock, Scot, Wade, Weiand e Winfield.
Por tudo isso, a indústria de preparação de motores e da atual “febre” tuning está diretamente ligada ao fenômeno hot rod. Mas este termo envolve muito mais do que carros propriamente ditos. Pode ser definindo como todo um estilo de vida, no qual destaca-se a rebeldia. Desta forma, a “onda” de modificar e preparar carros antigos foi encampada não só pelos rockabillys dos anos cinqüenta, mas também pelos beatniks, mods e surfistas das décadas seguintes.
É importante lembrar também que os hot rods evoluíram em várias direções, dando origem a simples modelos customizados, hots mais modernos feitos com modelos do pós-guerra e até os bugues que, inicialmente, eram construídos com unidades do Ford Modelo A encurtados e pneus de grande diâmetro (até os anos 1950, a mecânica VW ainda não era popular nos Estados Unidos); sem falar nos curiosos lowriders, carros capazes de proezas em variação da altura de suspensão.
Estes, quando surgiram em meados da década de 1960, eram uma “especialidade” dos jovens “chicanos” que viviam nos bairros hispânicos da Califórnia. Inicialmente, só contavam com pinturas especiais e suspensão rebaixada. Hoje, além de símbolos do movimento hip hop, os lowriders não só preservam tais características, como também passaram a ser equipados com potentes suspensões de comando eletroidráulico.
ANOS DOURADOS
Historicamente, os hots americanos de maior relevância são aqueles construídos nas décadas de 1940 e 1950. Naquela ocasião, estes carros também serviam para o transporte de seus proprietários, sendo que nos finais de semana tinham seus pára-lamas removidos e disputavam provas de aceleração. Um bom exemplo da época é o Ford Modelo T de Ed Iskenderian, o mesmo que, mais tarde, se tornaria famoso por seus comandos de válvulas.
O carro, equipado com motor Flathead V8 do Ford 1932 e comando de válvulas especial, de fabricação própria, foi montado em 1940. Oito anos depois, ele foi destaque na capa da primeira edição da revista Hot Rod. Na mesma ocasião, Bob Mcgee finalizou seu Ford roadster também 1932, inovador por usar alumínio em partes da carroceria. Mcgee, em Bonneville, chegou a atingir 267,2 km/h com este carro, que depois acabou estrelando muitos filmes.
Igualmente interessante é o Neikamp Roadster, um Ford Modelo A que ganhou o primeiro troféu “America´s Most Beautiful Roadster”, conferido na primeira edição do “Oakland Roadster Show”. O carro tinha suspensão dianteira de Ford 1937, freios a tambor hidráulicos de Ford 1940, motor Flathead V8 com preparação Offe
nhauser e câmbio de Mercury 39. Em 1952, ele atingiu 227 km/h no lago seco de El Mirage, estabelecendo novo recorde para este tipo de veículo.
Outros modelos foram surgindo ao longo dos anos, mas nada comparável às criações revolucionárias de dois ícones do movimento rodder: Ed Roth e George Barris, o rei dos customizadores. As competições de arrancada também evoluíram, conforme comprovou Hot Rod em setembro de 1962, quando a revista mostrou o Ford Modelo A de Don Waite (com motor 252 V8 Hemi do Desoto 1952), que percorreu o quarto-de-milha em 10,5 segundos.
Devido aos muitos acidentes envolvendo hots, além do advento dos “muscle cars” (carros de motores extremamente potentes), a década de 1960 não foi muito pródiga na difusão do hot rodding. Apesar disso, eventos que promoviam concursos tornaram-se ainda mais importantes. O construtor Dean Jeffries (“pai” do Monkeemobile) chegou a montar seu mais famoso hot, denominado Mantaray, sobre um chassi Maserati de Fórmula 1.
Outro carro famoso nesta época foi o Ford Modelo A roadster de Tony Lamasa, equipado com o motor 265 V8 do Chevrolet Corvette 1956, que estrelou o seriado de televisão “Ozzie and Harriet Show”. Em 1968, Joe Wilhelm, fugindo às linhas dos hots tradicionais, criou o Wild Dream. Este carro, de apelo “surfístico”, também tinha motor V8, mas destacava-se pela carroceria feita em alumínio, pintada na cor dourada, de estilo futurista.
NOVAS TENDÊNCIAS
A década de 70 marcou o surgimento de uma nova denominação: street rod. Os carros com esta tendência eram mais “calmos”, seus motores e suspensões eram mais adequados ao uso cotidiano, algo muito difícil nos modelos tradicionais, que ainda usavam feixes de mola, sistemas de arrefecimento antiquados e comandos de válvulas que ocasionavam marcha-lenta bastante irregular.
Mas modelos de exposição continuaram a ser construídos, como o espalhafatoso Popcorn Wagon, de
Carl Casper, apresentado no Detroit Motorama de 1970. Outra pérola foi o Ford 1932 five-window utilizado pelo ator Paul Lemat, do emblemático filme American Grafitti (Loucuras de Verão, 1973).
Também nas telas de cinema se destacou o Califórnia Kid, astro mecânico do filme “A Curva da Morte”, de 1974. Preto, com flamas laterais e equipado com motor 302 V8, este Ford cupê 1933 foi montado por Pete Chapouris e, no filme, era conduzido por Martin Sheen, que enfrentava o xerife Roy, interpretado pelo ator
Vic Morrow (1929-1982). Ao volante de seu Plymouth Fury de rádio-patrulha, o agente da lei tinha o péssimo hábito de empurrar os infratores do limite de velocidade penhasco abaixo...
O hobby voltou com força total nos Estados Unidos durante os anos 80, com a fabricação de réplicas de carrocerias antigas, tanto em plástico reforçado com fibra de vidro como em alumínio. Mecânicas modernas, equipadas com injeção de combustível e outros avanços tecnológicos, marcaram esta nova onda. Foi nesta época que surgiu o Eliminator 34, um Ford cupê montado por Don Thelan, da Buffalo Motor Cars, para a banda texana ZZ Top.
Outro destaque da época foi o surgimento dos carros “futuristas” de Boyd Coddington, cuja empresa começou a funcionar em 1978. Até mesmo o “papa” Ed Roth apelou para a moderna tendência futurista ao apresentar o Beatnik Bandit II, um de seus últimos trabalhos. Tão impressionante quanto o carro de Big Daddy é o Poise´s Extremeliner da Thom Taylor Design que, baseado nos Ford e Hispano-suiza Xênia, dos anos 1930, apresenta grande influência da Art Deco nas suas linhas aerodinâmicas.
VOLTA ÀS ORIGENS
No fim da década de 1990, começaram a surgir modelos que, apesar de lembrarem os hots tradicionais, apresentavam chassi de tecnologia moderna equipados com suspensões independentes e motores transversais instalados entre eixos, inclusive de origem japonesa. Ao mesmo tempo, os rodders americanos iniciaram um movimento que mostra a faceta erudita no hobby: a restauração de hots antigos, já que hoje é muito difícil encontrar carrocerias anteriores à guerra em ferro-velhos. Assim, modelos das décadas de 40, 50 e 60 encontrados em estado de abandono ou repletos de adaptações, são reconstruídos seguindo fielmente as especificações originais, o que implica não só na troca de acessórios, mas também na substituição de motores e caixas de câmbio. A importância histórica destes veículos compensa o esforço. Como tudo que move a economia americana, ela também se traduz no movimento de muitos milhões de dólares.