PERSONAGEM
Talentoso, excêntrico e bonachão, Ed Roth representou a síntese da cultura rodder norte-americana
O Rato louco por Hot Rod
Um dos nomes mais importantes do movimento rodder, Ed Roth nasceu em Beverly Hills, luxuoso bairro de Los Angeles, em 4 de março de 1932. Seu pai, um imigrante alemão que trabalhava como motorista particular para gente rica, acabou perdendo o emprego no difícil período da Grande Depressão. Assim, pouco tempo depois de Ed nascer, os Roth mudaram-se para uma casa menor e mais simples, localizada em Bell, bairro de pessoas de baixa renda.
Ed, porém, cresceu em um lar austero e cercado por uma estranha personalidade do pai, que tinha fixação por símbolos militares germânicos. O tradicionalismo da família era tal que o futuro rodder, antes de entrar na escola, não falava uma palavra em inglês. No lar dos Roth, o idioma oficial era o alemão. Ed e Gordon (seu irmão mãos novo) logo demonstraram grande habilidade técnica na construção de miniaturas de aeroplanos e manuseio de kits de química. Gordon, inclusive, se formaria como engenheiro químico anos mais tarde.
CAÇANDO EXTRATERRESTRES
Ed também teve seus arroubos de rebeldia adolescente. Seu primeiro carro, adquirido quando tinha apenas 14 anos de idade, foi um Ford 1934 cupê (embora algumas fontes indiquem um Chevrolet 1939). Com este carro, ele participou de rachas e fez diversas modificações. Para justificar estas mudanças, dizia ao pai que elas serviam para “aumentar a segurança”.
Graduado na Bell High School em 1949, ingressou no East Los Angeles Junior College e, dois anos depois, entrou para a Força Aérea dos Estados Unidos. Sua primeira missão foi totalmente anticonvencional: como cartógrafo, Ed foi mandado para a África com a curiosa incumbência de documentar objetos voadores não-identificados. Como os marcianos não apareceram, ele teve tempo ocioso suficiente para fazer os desenhos do primeiro carro, que batizou de Excaliber.
Após dar baixa no serviço militar, casou-se com
Sally, namorada dos tempos de adolescência, com quem foi morar na Carolina do Sul. Para sustentar a família, Ed começou a trabalhar como vitrinista nas lojas Sears, Roebuck. Nas horas de folga, no entanto, extravasava a imaginação fazendo pinturas especiais nos carros de amigos. Esse serviço “extra” o levou a conhecer Oscar “The Baron” Crozier e Tom Kelly, com quem abriu uma oficina de personalização (o atual tuning) em 1958. O trio passou a ser conhecido como “The Crazy Painters” (ou seja: Os Pintores Malucos).
FORA DA LEI
Os trabalhos dos “Pintores Malucos” logo fizeram muito sucesso, em especial as chamas e os “scallops”, faixas espalhadas pela carroceria do veículo que se tornaram muito populares na época. Ed, já então apelidado de “Big Daddy” (Paizão), teve tempo para criar o Rat Fink (Rato Trapaceiro), personagem que estamparia em muitas de suas camisetas e carros, além de dar andamento no projeto do carro que desenhara nos tempos de força aérea.
Viabilizar a construção do Excaliber não era, porém, tarefa fácil, devido às linhas avançadas, apesar do veículo ter como inspiração os conhecidos T-buckets.
Foi quando Ed lembrou de uma velha foto em que
Henry Ford, munido com um machado, golpeava uma carroceria feita de plástico reforçado com fibra de soja procurando demonstrar a durabilidade daquele material. Aquilo ficou na cabeça de Ed até que, ao passear numa praia, observou alguns surfistas com pranchas que lhe chamaram a atenção.
Foi a primeira vez que Ed viu um objeto feito de plástico reforçado com fibra de vidro, mas ele só passaria a dominar os segredos do composto após conhecer um rodder chamado Shadoff, que utilizava o material sintético em seu speedster. Big Daddy moldou a carroceria do Excaliber, cujo nome acabou sendo alterado para Outlaw
(Fora da Lei), e a pintou de branco, verde e prata, além de colocar pára-brisa do Dodge 1922 e lanternas traseiras do Chevrolet Bel Air 1958.
O conjunto foi montado em um chassi especial, cromado, cuja suspensão dianteira, ao contrário dos T-buckets da época, utilizava molas helicoidais em lugar do feixe único transversal. O motor do Outlaw era um V8 de Cadillac 1949 de 331 pol³ (5.424 cm³), alimentado por quatro carburadores Stromberg. A caixa de câmbio, também do Cadillac, tinha três marchas. Rodas cromadas, originais do Mercury, sendo que as dianteiras foram substituídas por raiadas. O interior em couro branco tinha volante de Chevrolet Impala. Finalizado em 1959, o Outlaw foi um dos mais famosos show cars de sua época.
BEATNIK BANDIT
Outro hot rod de Ed foi o Tweedie Pie, um Modelo T com chassi de Ford 1932, encurtado, e motor Chevrolet V8 small block equipado com coletor de admissão Offenhauser e seis carburadores. Finalizado em 1960, o Tweedie Pie era um belo hot rod, mas foi totalmente eclipsado pela “loucura” seguinte de Big Daddy: o Beatnik Bandit.
Baseando-se numa proposta de Joe Henning, redator da revista Rod & Custom, que sugeriu a construção de um hot rod futurista, Ed optou pelo chassi modificado do Oldsmobile 1955, que já tinha suspensão com molas helicoidais. A mecânica também era da mesma marca, com motor 303 Rocket V8 (4.965 cm³), mas com compressor Roots e dupla carburação.
A carroceria, como a do Outlaw, que não tinha portas e era de plástico e fibra de vidro, foi pintada em branco com “scallops” que iam do bronze ao dourado. Os bancos eram individuais e, no meio deles, uma grande alavanca cromada servia como direção e que também incorporava os comandos do freio e do acelerador. Outro destaque do Beatnik Bandit era sua capota transparente feita em acrílico.
Tudo começou quando Ed viu o dream car “Mac
The Knife” do roqueiro Bobby Darrin, que fazia uso do mesmo artifício. O problema é que Big Daddy não sabia como copiá-la, até que teve uma grande idéia: comprar uma peça de acrílico plano, fixá-la num aro metálico e esquentar tudo no forno de uma pizzaria. Assim, o material sintético foi derretendo e formando a “bolha” utilizada no Beatnik Bandit.
NOVOS CAMINHOS
Em 1962, Ed entrou no campo dos dream cars, criando o Rotar. Um curioso veículo, que mais parecia uma nave espacial de três rodas e com dois motores de 650 cm³ de moto Triumph. No ano seguinte, Big Daddy montou o Mysterion. A base deste carro era um chassi
cromado com longarinas perfuradas. As rodas dianteiras, feitas pela Cragar, utilizavam pneus 3,26x16 das motocicleta Harley-davidson, enquanto nas traseiras destacavam-se enormes rodas Rader montadas com pneus Mickey Thompson de arrancada.
Mas o mais curioso é que o Mysterion era equipado com dois motores Ford big block, de 406 polegadas cúbicas (6.653 cm³) montados paralelamente, sendo cada um alimentado por três carburadores de corpo duplo. O sistema de transmissão também era duplo, contando com duas caixas automáticas e cada uma tinha sua própria coroa e pinhão, com os dois diferenciais montados no mesmo eixo traseiro.
FAMÍLIA ADAMS
Fanático pelo seriado de televisão “Família Adams”, Big Daddy resolveu construir um carro gótico para a série, já que o seriado concorrente: “Os Monstros”, utilizava hots construídos por George Barris. Daí nasceu o Druid Princess (Princesa Druida), modelo equipado com motor Chrysler big block 383 V8 (6.276 cm³), câmbio manual de três marchas e suspensões por molas helicoidais cromadas.
A maior parte das peças do Druid Princess foi comprada em ferro-velho, como blower GMC, faróis de Reo 1909 e radiador de furgão Dodge 1960. Mas as rodas Cragar SS e os pneus Firestone “Indy” estavam na última moda no fim da década de 1960. A carroceria, de plástico/fibra de vidro, misturava o estilo de carruagem com bolo de noiva e a maluquice também tinha um caixão infantil como porta-malas, além de pára-lamas no formato de prancha de surfe. Mas a série foi cancelada antes do hot ficar pronto. Mesmo assim, o espalhafatoso veículo fez sucesso virando capa da revista Hot & Custom de janeiro de 1967.
VERSÁTIL ATÉ O GRAND FINALE
A simpatia de Big Daddy pelos Hell´s Angels também fez com que ele criasse, na década de 1970, o “curioso” triciclo com motor VW “a ar”, que acabou sendo copiado em todo o mundo e mostrou mais uma faceta da versatilidade de Ed Roth. Ao completar 63 anos de idade, em 1995, Big Daddy agitou o meio rodder ao apresentar o Beatnik Bandit II. Este carro tinha motor Chevrolet
350 V8 (5.735 cm³) descoberto e, tal como o primeiro Beatnik Bandit, o segundo também tinha carroceria de plástico e fibra de vidro com capota tipo bolha.
A última criação do construtor foi o Stealth, pequeno e inacabado hot com mecânica do Geo Metro da GM, modelo baseado no Suzuki Swift. Big Daddy morreu em 4 de abril de 2001, antes de finalizá-lo. Ele foi enterrado no Manti City Cemetery, em Utah, num caixão especial, de madeira avermelhada, filetes dourados e a figura de Rat Fink estampada. Como ele mesmo dizia, “Once a rat, always a rat... Rat Finks forever!” (“Uma vez um rato, sempre um rato... Rato Trapaceiro para sempre!”).