TESTEMUNHA OCULAR DESTA HISTÓRIA
MAinda me lembro do meu primeiro esportivo. De sonho, logicamente. Tinha nove anos de idade quando fui com meu pai assistir pela primeira vez a uma corrida de automóveis. Foi no circuito da Cavalhada-vila Nova, em Porto Alegre, onde subimos num muro na frente de uma Igreja para apreciar os DKWS, Gordinis, Simcas e as potentes Carreteras, contornar ao largo da igreja com muito cuidado, lentamente, devido ao piso de paralelepípedo liso e bastante escorregadio. Mesmo assim eu vibrava com entusiasmo. De repente, surgiu um carrinho pequeno, amarelo, de linhas extremamente cativantes e, melhor, tremendamente rápido. Seu piloto contornou a larga curva de pé embaixo fazendo o carro “deslizar”, numa derrapagem controlada, de maneira impressionante. Paixão imediata. Desta forma descobri o que era realmente pilotar e passei a sonhar com o carrinho: uma berlineta Interlagos. Somente no dia seguinte fui saber, no jornal, que era o carro de Christian Heins, o Bino, mestre de uma geração de pilotos, dos irmãos Fittipaldi a José Carlos Pace e Chiquinho Lameirão, dentre muitos outros. Bino, que tinha o espírito da velocidade como Ayrton Senna, infelizmente teve o mesmo fim trágico num acidente ocorrido na edição das 24 Horas de Le Mans de 1963.
Fui crescendo e a paixão pelos esportivos também. Em 1964 tive a oportunidade de visitar o Salão do Automóvel, no qual foram apresentados o Brasinca GT e o Capeta. Como a grande maioria dos visitantes sai do acanhando “barracão” de exposições no Ibirapuera com orgulho de ser brasileiro. Dois anos depois, em 1966, novamente. Naquele Salão foi lançado o PUMA-DKW e eu pude ainda, do alto de meus 13 anos de idade e que também já fazia meus rabiscos de esportivos, ter a oportunidade de “trocar algumas idéias” com o projetista Anísio Campos, e também com Emerson Fittipaldi, que dias antes quase vencera as Mil Milhas Brasileiras pilotando um GT Malzoni.
Na adolescência, circulando com minha moto cincoentinha por São Paulo, “matei” muita aula para apreciar o paciente trabalho de Toni Bianco moldando no martelo seu belo Fúria de competição, na oficina da então Camional, lá no bairro do Ipiranga. Aproveitava também para, vez em quando, “inspecionar” a linha de montagem da Puma, o que nada agradava ao sisudo Jorge Lettry. Mais tarde, já militando no jornalismo automobilístico, mantive esta mania. Por isso, numa visita a Porto Alegre descobri, num “furo de reportagem”, os moldes do primeiro Miura, que ainda estava sendo criado. Alguns anos depois fui convidado por Aldo e Gobbi para avaliar o protótipo do Miura Targa, com o privilégio de ser um dos primeiros a acelerar o modelo.
Na mesma época também colaborei com a Puma nos testes de avaliação do P018, com o qual alcançamos a máxima (real) de 178 km/h. Além disso, ainda na década de 1980, acompanhei o trabalho de Mario Bellato, Mario Hofstetter, Almir Donato e muitos outros. E cheguei a triste conclusão que, quando esta indústria começava a alcançar a maturidade e realmente poder criar modelos realmente de sonho, foi morta com um mero canetaço do governo com a abertura das importações no começo dos anos 90. Uma ação necessária, mas feita sem o devido planejamento, como quase tudo que é feito oficialmente em nosso País.
Dizem que vivemos hoje numa democracia. Porém, há muitas décadas, o Brasil é comandado pela ditadura dos burocratas, ou tecnocratas, eufemismo que surgiu durante a ditadura militar. São eles que, a seu bel prazer, decidem o que é bom para o Brasil. Devido a esta ditadura, que se mantém no poder independente das siglas partidárias e matizes ideológicos que assumam o comando do governo, há mais de vinte anos o Brasil optou, ao que parece definitivamente, em ser um país pequeno, medíocre. Um país da periferia, a reboque dos países desenvolvidos. Esta política, que continua mantida, não afeta somente e especificamente ao automóvel. Em praticamente tudo o que se refere ao desenvolvimento de tecnologia de ponta, o País sofre da total falta de políticas específicas, que estimulem e, principalmente, financiem a pesquisa e a produção.