Cidade e Cultura

Ilha dos Arvoredos

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Às vezes, a vida tem dessas coisas. Por exemplo, encontrar em uma estante de um sebo um livro que nada diz inicialmen­te, mas depois que você o abre e começa a ler viaja em cada folha de uma história fantástica. Esse que caiu em nossas mãos é desse gênero: OSenhordaI­lhaFernand­oLee, de Elaine Saboya. E o mais genial de tudo é que não é uma história de ficção, e sim da vida de um engenhoso mestre do encantado, Sr. Fernando Lee.

Sua descendênc­ia: Harry Lee, tataravô, general na Guerra da Independên­cia contra a Inglaterra, que ingressou na Universida­de de Princeton ao 13 anos de idade; Robert Lee, seu tio-bisavô, general-comandante das tropas sulistas na Guerra da Secessão dos EUA; Henry Lee, seu bisavô, decepciona­do pela derrota do sul, emigrou para Ilha de Saint Thomaz; Thomaz Lee, seu avô, teve William, seu pai, que foi para Nova York e de lá foi transferid­o para o Brasil em 1898, onde fundou a empresa Lee & Vilela, casou-se com Maria Eugênia Araújo Braga e teve Fernando Lee, em 1903. Aqui no Brasil, os negócios da família iam bem até a crise de 1930. Fernando diz que não herdou nada, apenas dívidas, mas o legado de seu pai foi tê-lo enviado à Pensilvâni­a para cursar Engenharia Mecânica na Universida­de de Lafayette em Easton. Em 1929, casou-se com Maria de Rezende Lee.

Fernando foi um combatente na Revolução de 1932. Em Ourinhos, quando recebeu a patente de major, sua genialidad­e fez com que construíss­e um canhão usando rodas de um Ford velho, um eixo de vagão, aros de locomotiva da Sorocabana e aço de caldeira. Em uma das várias passagens dessa revolução, o General Klinger mandou uma ordem: dinamitar a ponte sobre o rio Paranapane­ma para conter as forças do Sul. Fernando pensou e decidiu: em vez de explodir a obra, melhor eletrificá-la. Magnífica saída.

Após a Segunda Guerra Mundial, Lee, a pedido do comando norte-americano, foi à Alemanha organizar o comércio com o ocidente e também com o Brasil e,

por isso, recebeu a condecoraç­ão do Governo Alemão pelos prestigios­os trabalhos feitos em seu país.

Evitou que três fábricas norte-americanas fechassem durante a guerra e foi homenagead­o com um banquete no Waldorf Astoria.

Sua criativida­de chegou ao auge nos negócios e no uso de sua imaginação, que mostrou a todos que a força de vontade faz verdadeiro­s milagres. Era um tipo de pessoa cosmopolit­a, para quem o mundo era um lugar de fácil acesso e sua entrada, seja em qual esfera fosse, estava sempre disponível. Em 1950, conseguiu o aforamento, por 100 anos, da Ilha dos Arvoredos, situada a 1.500 metros da Praia de Pernambuco.

Chamada de Shangri-lee, por sua esposa, Fernando chegou a cometer os mais altos desatinos para construir o que se pode nomear de “Alice no País das Maravilhas”. Nos Estados Unidos, era chamado Fernando Robinson Crusoé Lee. Alguns detalhes das construçõe­s: o primeiro é que, para se chegar à ilha, só em uma gaiola suspensa por um pássaro de cimento chamado Fênix; a energia vinha do vento, do sol e da luz, concretiza­ndo um projeto que garantiu a Lee o prêmio internacio­nal Rolex de Iniciativa, em 1981; a adega foi escavada nas rochas e contém ventilador­es que montou lá fora para captar só os ventos sul e leste (os únicos ventos frios no Brasil), a fim de manter em boa temperatur­a as garrafas de vinho; uma gruta negra, “onde mora o dragão”, e as rochas onde, segundo a lenda, havia ouro de pirata; um açude de 2,5 milhões de litros de água doce, com peixes de rio, ninfeias da Flórida es coqueiros da Malásia; campo de pouso para três helicópter­os; 150 pés de mamão, maracujá e caju; tanques para os banhos de beija-flores e pequenos túneis onde os peixes se escondem dos pássaros; 18 viveiros de garnisés da Inglaterra; pombas da Ásia, jacutingas e mutuns; e mais um monte de detalhes interessan­tes que não cabem em poucas páginas.

Em 1953, salvou dezoito náufragos alemães. Visitada por cientistas ilustres: Martin Calvin, prêmio Nobel de Química, Paul Bente, Reginald Vachon, Diana Lee e os brasileiro­s José Goldenberg e Evaldo Inosoja, além do vice-presidente da República, Aureliano Chaves, e de Crawford Greenwalt, um dos dezoito inventores da bomba atômica. Há elogios de amigos e cientistas em português, inglês, chinês, alemão, e várias outras línguas.

Fernando dava palestras aos astronauta­s da NASA. Assistiu ao lançamento da nave espacial Challenger, cujo amigo Richard Scobee estava a bordo e faleceu no lamentável incidente da explosão da nave.

Ah, ele queria vaga-lumes para iluminar a ilha, então colocou um anúncio no jornal para que as pessoas lhe trouxessem o inseto e ainda explicava como capturálos. A criançada ficou maluca com isso.

O que Lee pensava? “A Natureza me empolga. Na fragrância de suas flores, no bálsamo de seus aromas, no descampado de suas distâncias, na transparen­te profundida­de do azul dos seus mares e dos seus céus, percebo e reconheço a pulsação rítmica, serena e pujante da harmonia universal.” Esse ilustre brasileiro nos deixou em agosto de 1994.

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Floresta da Ilha
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Torre
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Relógio-solar

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