Cidade e Cultura

Enseada

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São 5.600 metros de praia e muita atividade. Uma praia perfeita para a família toda, com ótima infraestru­tura de quiosques. Sua areia é fina e o mar calmo, porém com correnteza­s, então é sempre bom ficar alerta. Bares, restaurant­es e o maior número de pousadas e hotéis completam a paisagem. Na orla, as mansões à beira-mar são de fazer cair o queixo, tamanha a beleza das formas de cada uma delas.

Família Oliveira

Típica família caiçara, cujas lembranças remontam a meados do século 19. Nossa equipe teve o prazer de conhecer detalhes de um tempo de grandes dificuldad­es, porém maravilhos­o. Conversamo­s com Francisca Cândida Oliveira de Souza, nascida pelas mãos da parteira Dolores, em 1950, e que nos relatou a vida de sua família e de sua infância, na Praia da Enseada.

Seu bisavô, Sr. José Rosa de Oliveira, era faroleiro da Ilha da Moela. José era casado com a Sra. Delmira, sua prima, pois era costume os parentes se casarem. Possuíam muitas terras, inclusive na Rodovia Rio-Santos. Mas a vida na Ilha da Moela era muito difícil e solitária. Quando vinham para a Enseada, seu meio de transporte era a canoa de voga. Para Delmira ter seus filhos, era obrigada a vir com dias de antecedênc­ia para receber auxílio. Conseguimo­s fotografar uma carta datada de 31 de outubro de 1883, escrita por José, que relata os mantimento­s que ainda estavam armazenado­s no farol para o Capitão do Porto de Santos.

O pai de Francisca, Sr. José Avelino de Oliveira, funcionári­o do Porto de Santos, foi convidado a trabalhar como marinheiro e caseiro de Chiquinho Matarazzo, sobrinho do Conde Matarazzo, que construiu uma casa – que ainda está de pé – para ele e sua família morarem. Foi nessa casa que Francisca nasceu. Ela nos conta que as construçõe­s à beira-mar eram do Sr. Paulo Siciliano e dos Matarazzo, que construíra­m apenas um barracão só para os barcos em um terreno que ia do morro até a praia. Nesse terreno, havia a olaria da família paulistana que sua bisavó lhes havia vendido. Francisca lembra

com carinho das festas que o Sr. Paulo Siciliano fazia. Tanto os Matarazzo como os Siciliano vinham para pescar, sem luxos. Paulo Siciliano sempre fazia festas ao lado da atual Capela de São Paulo. Nessa época, havia a pesca da tainha com rede e os homens conseguira­m em um só dia pescar 9 mil unidades. Eram tantas que muitas foram enterradas na areia. Eles as penduravam em varais de bambu para secar e depois salgar.

Já seu pai Avelino era um aventureir­o. Até atuou no filme OCaiçara, em 1950, da saudosa Companhia Cinematogr­áfica Vera Cruz. Ele era o marinheiro que levava os barcos até a Ilha Monte de Trigo. Certa vez, na Segunda Guerra Mundial, Avelino montou uma galena para ouvir as notícias e um camarada achou o aparelho estranho. Desconfiad­o, chamou a polícia, que apreendeu o equipament­o e o acusou de espião alemão. Foi difícil explicar, mas no fim deu tudo certo. Também tinha a função de prender os “marginais” quando havia festa, e ele participav­a para manter a ordem. Era o “xerife” da Enseada. Mas não havia crime nenhum; só havia alguns que bebiam a mais. Naquele período, houve apenas um assassinat­o e foi algo tão gritante, tão chocante, que o bandido sumiu.

A vida era sacrificad­a pelas distâncias que todos tinham que percorrer para ir à escola, fazer compras, ir ao médico (este só quando as ervas medicinais não davam conta), ou seja, tudo era distante, pois o caminho para ir ao “Guarujá” era feito pela praia e depois por uma trilha no Morro da Campina (Maluf); o resto era só mata fechada. A praia era recoberta pelo jundu e havia paca, cotia, gambá, veado, porco-do-mato, esquilo, cobra caninana, cobra-cipó, jararaca, Joãobolão, abricó, araçá, cambucá, jambo, caju, manga, goiaba branca, vermelha e cabeça-de-nego, jabuticaba, abacaxi, coco de babaçu, coco tucum e jacutinga, além das nascentes nos morros que formavam córregos que desaguavam no mar.

A mãe de Francisca, Sra. Maria de Oliveira, era catarinens­e. Não gostou quando chegou de navio, pois Florianópo­lis já tinha uma infraestru­tura. Ficou um tempo e depois voltou, mas o pai de Francisca não se conformou e foi até Santa Catarina para trazê-la de volta para se casarem. Outra dificuldad­e era com as compras. O dono do armazém em Santos concordou que, se Maria arrumasse mais duas pessoas, ele levaria os mantimento­s até lá para compensar o frete. Vinha na balsa antiga e de caminhão, um verdadeiro off-road. Apesar de morarem em frente ao mar, um problema sofrido era a água potável, pois as que subiam dos poços eram salobras. Desse modo, eram obrigados a subir o Morro das Tartarugas e depois descer pelo costão rochoso onde havia nascente e voltar, sabe-se lá como, trazendo a água.

As histórias dessa família reúnem acontecime­ntos de forte impacto, como foi o caso do naufrágio do navio

CharruaCar­ioca, que desbravou todo o nosso litoral e também o litoral africano, palco de orgulho, mas também de momentos tristes como o cativeiro de escravos. Após muitas viagens, em 1856, sob o comando do Capitão-Tenente Antônio Miguel Pestana, em um trajeto infeliz ao passar entre a Ilha de Santo Amaro e a Ilha das Cabras, levou a pique sua embarcação composta de 82 tripulante­s e cinco passageiro­s dos quais apenas 34 sobreviver­am. A família Oliveira testemunho­u e ajudou no resgate dos corpos das vítimas. Na praia, na altura do hoje Casa Grande Hotel, foi construída a Capela de Santa Cruz, na qual foi enterrado o Capitão. E são muitas as histórias incríveis que ainda poderíamos contar de um passado não muito distante, do qual apenas nos resta a saudade de um tempo que não volta mais.

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 ??  ?? Carta do faroleiro José Rosa de Oliveira ao Porto de Santos de 1883
Carta do faroleiro José Rosa de Oliveira ao Porto de Santos de 1883
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Casa antiga
 ??  ?? Contagem das Tainha
Contagem das Tainha

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