Claudia

Noites insanas

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Clarice Lispector se casou aos 23 anos com um diplomata e passou as próximas décadas escrevendo cartas em que se queixava de saudades do Brasil. Ao seguir o trabalho do marido ao redor do mundo – morou em Nápoles, Berna e Washington –, Clarice tinha crises de depressão agravadas pela distância.

Já o escritor norte-americano Henry

James se deprimia no estado inverso: quando ficava em casa. Seu humor só melhorava em movimento, passeando pelas capitais europeias, visitando museus e igrejas compulsiva­mente. Por sua vez, quando a brasileira Vanessa Barbara

enfrentou a depressão pós-parto depois do nascimento de sua filha, a única coisa que conseguia fazer era… ler biografias de escritores com transtorno­s mentais.

Foi a partir dessas leituras que surgiu

Três Camadas de Noite, o primeiro livro de Vanessa – ganhadora de um prêmio Jabuti e colunista do The New York Times

– depois que se tornou mãe. A obra é um relato mordaz, terno e engraçadís­simo de sua maternidad­e durante a pandemia de Covid, entrecorta­do pelas vidas dos autores, passagens de mitos gregos e pensatas sobre escrita. A mistura, nem um pouco óbvia, culmina em uma obra fluida e muitas vezes emocionant­e. Três Camadas da Noite, Fósforo, R$ 74,90

Como foi pesquisar a biografia de autores que lidaram com depressão? Foi ótimo. Gosto muito de ler sobre o cotidiano dos outros, e dessa vez mergulhei na vida real de escritores que, como eu, tentavam lidar com graves distúrbios mentais enquanto se dedicavam ao trabalho criativo. No livro, falo de Sylvia Plath, Clarice Lispector, Henry e Alice James e Franz Kafka. Eu partia de curiosidad­es bem prosaicas: como eles faziam para calar as ruminações e produzir uma linha que fosse? Como ganhavam a vida? Tinham ou não filhos? Nos momentos em que eu era incapaz de fazer qualquer outra coisa, eu ia absorvendo a trajetória desses outros escritores, com seus dramas reconhecív­eis.

No livro você menciona seu distúrbio de ciclo circadiano, em que só adormece de manhã. Ou seja, você estava acordada nas madrugadas, em que bebês também costumam não dormir. Como foi esse maternar? Nos primeiros meses, eu dormia em qualquer lugar porque estava tentando amamentar em livre demanda e a minha privação de sono era absoluta. Quando entendi que isso estava acentuando minha depressão, procurei voltar ao meu ritmo circadiano natural e dormir de manhã – abençoadas sejam as mamadeiras e a fórmula. Eu ficava trabalhand­o no turno da noite enquanto a bebê dormia no quarto dela, mas ela acordava inúmeras vezes, então eu parava para amamentar, trocar fralda...

É comum que mães deixem de escrever durante a primeira infância dos seus filhos. Como foi o seu caso? Poucas semanas depois do parto, continuei tentando produzir meus textos mensais para o New York Times, já que eu só recebia por publicação. (Ah, a doce vida dos freelancer­s...) Consegui manter essa produção a um custo muito alto, vivia exausta. Só voltei a pensar melhor – e escrever alguma coisa mais livre – quando minha filha tinha três ou quatro anos.

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