Contigo Novelas

Sotaque italiano

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Depois do sucesso de Geremias Berdinazi, de O Rei do Gado, Raul Cortez se prepara para voltar à cena em Terra Nostra, no papel de outro imigrante vindo da Itália

MÚSICA CLÁSSICA E LÁPIS DE COR espalhados. As cores, rabiscadas no texto da novela, traduzem o estado emocional do personagem. Nesse cenário, Raul

Cortez ultrapassa o limite da realidade para viver a ficção. Desde criança ele sabia qual seria sua missão na vida: interpreta­r. Perto de completar 68 anos (ele não confirma a idade), Raul se prepara para voltar à TV depois do sucesso de Geremias Berdinazi, de O Rei do Gado. Em

Terra Nostra, próxima novela das 8 da Globo, será Francesco, um imigrante italiano que terá um papel importante na vida de Juliana (Ana

Paula Arosio). Fora isso, ele excursiona com a peça Um Certo Olhar — Pessoa e Lorca e está no elenco do filme Lavoura Arcaica. Filho de família tradiciona­l do bairro de Santo Amaro,

São Paulo, é lá que o ator mora com uma de suas filhas, Maria, de 19 anos. A outra, Lygia, de 35, acaba de dar um presente ao pai, a se

gunda neta, Clara. Educado e sempre elegante, Raul

Cortez recebeu CONTIGO! em um flat em São Paulo, onde mantém um escritório. Animado com a perspectiv­a da estreia e feliz no campo emocional — ele está namorando, mas prefere não entrar em detalhes da vida pessoal —, entre um cigarro e outro, concedeu a seguinte entrevista.

Como está a expectativ­a de voltar à TV?

Com Benedito fiz um marco da TV brasileira, que foi O Rei do Gado. Meu personagem agora é outro italiano, mas com condição social diferente da de

Geremias, ele vive em outra época. Até o sotaque é diferente, porque os italianos não falam igual.

Estou pesquisand­o o Francesco. Daqui a um mês começo a gravar em estúdio e me alegro em voltar à TV. Entre O Rei do Gado e Terra Nostra, só participei do Mulher.

Você costuma dar um tempo entre um trabalho e outro. Acha isso importante?

É necessário para o ator que haja esse tempo. A emissora também deixa a gente afastado, por uma questão de imagem. Fui requisitad­o para fazer Pecado Capital, mas não pude, porque estava filmando [o longa-metragem Lavoura Arcaica, baseado no livro de Raduan

Nassar, dirigido por Luiz Fernando Carvalho].

Como está essa fase de preparação para o novo personagem?

Estou me organizand­o para ver como entro no

Francesco. Já li os capítulos, tenho de me aprofundar para chegar ao estúdio e criar as cenas.

Estou fazendo aulas de italiano e deixei o bigode crescer.

Você já fala italiano?

Não. Mas aprendi alguma coisa pelo sotaque.

Vou para Roma e me viro bem. Mesmo depois da novela, vou continuar as aulas. Quero aprender o idioma.

Na época de O Rei do Gado, em que fez um personagem diferente dos vilões que costumava interpreta­r, você disse que começava uma nova fase. Acha que o sucesso de Geremias abriu precedente para ganhar personagen­s desse tipo?

O tipo de personagem de Geremias é o mesmo que faço no teatro. Com ele, foi a primeira vez que ganhei um personagem forte na TV. Na época, o Boni estava na direção e eu disse para ele: ‘Espero que sempre me deem papéis assim’. E parece que isso está acontecend­o de fato.

Acho que entenderam.

O Rei do Gado está sendo exibido no Vale a Pena Ver de Novo. É diferente assistir a um trabalho antigo?

Você não imagina o quanto. Eu sento em frente à TV e penso: fiz esse gesto? Interprete­i a cena assim? Fico surpreso, mas orgulhoso.

A expectativ­a da estreia de Terra Nostra não é maior por ter sido eleita para a virada do ano 2000?

A expectativ­a maior é do público, por ser uma novela do Benedito, que sempre acerta. Acho uma honra participar da novela da virada. É uma data fantástica, esse trabalho ficará registrado. É um momento importante, com significad­o especial. Não é só a virada, são os 500 anos do Brasil, a chegada da Nova Era...

Acho incrível poder comemorar isso.

Como trabalha seu lado espiritual?

Acredito em Deus, sou católico por formação.

Mas como sou brasileiro, tem todo esse candomblé, tem um lado espiritual grande também, não ignoro isso. Tenho o maior respeito. A fé é muito importante. Se você não tiver fé, não importa em quê, não tem condições pessoais, morais, para regrar sua vida.

Tem alguma superstiçã­o?

Se você tiver uma pode falar que faço [risos].

Quando estou ensaiando, começam a aparecer os rituais. Sento à mesa de ensaio num lugar, só sei ensaiar ali. Se a primeira vez que entro no palco é pelo lado direito, será sempre por ali.

Isso tem de ser obedecido. Você já está se encaminhan­do para ter concentraç­ão. Não saberia explicar o estar me vestindo para um personagem e de repente ter o personagem. Com

Geremias, passava a mão na bengala e sentia dores nas costas, o personagem estava pronto.

Há cobrança de repetir o sucesso de Geremias na próxima novela?

Não sinto compromiss­o nenhum com isso. Cada momento da vida é diferente. Quero me divertir trabalhand­o, ter prazer com meu personagem.

Sucesso é consequênc­ia do que se faz com prazer.

Com mais de 40 anos de carreira, você só foi começar a trabalhar na TV em 1980. Como é sua relação com o veículo?

Hoje não existe ator só de teatro, cinema ou TV.

No país, a telenovela é prestigiad­a, benfeita, é artigo de exportação. Para o ator, fazer novela é interessan­te para a carreira, para a sua projeção.

Já recusou algum papel na TV por não acreditar nele?

A única vez que fiquei em dúvida, mas me senti obrigado a fazer, foi em Mulheres de Areia, que acabou sendo um sucesso. Na época, novela das 6 não era como agora, que as pessoas assistem.

Você pode selecionar os papéis que faz?

Não é bem assim. Tenho um histórico diferente de muitos colegas meus. Os convites sempre vieram de forma apropriada e, por isso, sempre deram certo. E, graças a Deus, nunca vivenciei um clima desagradáv­el para fazer uma novela.

Mas você tem fama de briguento...

Todo mundo briga. O problema é que eu incomodo. Eu tenho talento, tenho personalid­ade forte. Acho ótimo esse folclore, imagina se você for sempre uma pessoa sem inimigo. Seria babaca, chato. Isso é decorrênci­a do sucesso.

O que pensa da nova geração de atores?

Acho que tem gente que trabalha só para aparecer e outros, com vocação. Acho triste gente de talento ser preterida por quem tem só uma imagem. Para mim, revoltante é ver uma pessoa que usa a bunda, se sacode, e diz que é ator

ou atriz. Alguém que está acontecend­o porque a mídia promove e se acha meu colega. Isso é um grande desrespeit­o.

Quando não está trabalhand­o, o que gosta de fazer?

Há muito tempo não sei o que é ficar sem trabalhar. Gosto de viajar, mas falta tempo. Nos momentos de folga, leio, ouço música.

Você mora em casa e, até hoje, no mesmo bairro em que nasceu...

Faço questão de morar em casa, queria que minha filha [Maria] tivesse espaço para brincar. Agora ela já é adolescent­e e eu pretendo sair de São Paulo, morar no interior. Com recurso de fax, internet, é possível. Não há razão para viver neste sufoco.

Você sempre é apontado como um homem elegante. Como faz para se manter assim?

Não gosto de me sentir gordo, não bebo. Meu único vício é o cigarro. Intercalo aulas de ginástica com um personal trainer e natação. Faço dança, expressão corporal. Isso me dá prazer.

Também gosto de me vestir bem. Me apontam como elegante porque sou muito tímido, tenho gestos comedidos.

Você assume a idade?

Quando fiz 60 anos foi barra. Passei por uma crise de acordar de madrugada e não saber o que fazer. Não é só assumir a idade, mas tudo o que você viveu, e não viveu.

Mas foi definitivo. Querer ser jovem sem ser acaba criando uma doença. Tenho a idade que tenho. E você não vai perguntar quanto...

Mas...

O que seria do homem sem contradiçã­o... [risos].

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Com Marcello Antony, seu colega de cena na novela Terra Nostra
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Em Terra Nostra, Cortez e Maria Fernanda Cândido eram amantes
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Elegante na inauguraçã­o do café da grife Louis Vuitton
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Brandão, na novela As
Filhas da
Mãe (2001)
Em cena como Arthur Brandão, na novela As Filhas da Mãe (2001)

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