Respeitável público... e alunos
Atriz, professora, doutoranda, mãe e esposa. Conheça todas as frentes de atuação de Marília Martins, a Dirce de Verão 90
MARÍLIA MARTINS É DAQUELAS ATRIZES que se tornam irreconhecíveis quando entram em cena. Sua capacidade mutante é tão potencializada que quando assume um novo personagem, o espectador demora a associá-la a algum trabalho anterior. A Dirce de Verão 90, por exemplo, em nada lembra a Hermínia, de O Outro Lado do Paraíso, nem a Simone de Cheias de Charme. E não se trata apenas de caracterização. Mas de empenho, dedicação, profundidade, construção. Características que definem um ator capaz de mergulhar sem vaidades na missão de contar a história proposta. O atributo talvez tenha sido burilado em anos de teatro. Nos palcos, marcou presença em clássicos de Nelson Rodrigues, como a Silene de Os Sete Gatinhos e a Geni de Toda Nudez Será Castigada, de Machado de Assis, como a Dona Evarista de O Alienista, e de Clarice Lispector, como Maria Angélica de Parece que Vai Chover. Fora de cena ela segue em evidência. O palco cede espaço à sala de aula e no lugar do público, alunos. Doutoranda em artes cênicas, é professora da graduação em direção teatral na ECO/UFRJ. E a maratona não para. Casada com o músico Leo Tucherman, é mãe de Rafael, 15 anos, e Frederico, 12. Como ela dá conta de tantas funções? Descubra na entrevista a seguir.
Quando descobriu o dom pelas artes cênicas?
Descobri o teatro nas escolas nas quais estudei no Ensino Fundamental: Centro Educacional Anísio Teixeira (CEAT) e Colégio São Vicente de Paulo (CSVP), no Rio de Janeiro. No São Vicente me encontrei com um grande mestre: Almir Telles. Ali decidi que seria atriz profissional.
Qual personagem gostaria de interpretar?
Uma personagem em filme da Petra Costa, da Bia Lessa... Pode ser no teatro também (risos), do Karim Aïnouz ou do Gustavo Pizzi.
Por ser professora, como vê a educação no país?
Um país só cresce com investimento em educação e pesquisa. O Brasil é enorme e isso não é ruim, é uma riqueza. A produção em pesquisa pode ser imensa. Para isso, os governantes e cidadãos precisam acreditar – e agir politicamente – para que sejam constantes os investimentos em educação pública e de qualidade, com salários dignos para os professores, incentivos em suas carreiras e na infraestrutura que será oferecida aos alunos na sala de aula.
“Não paralisem por causa dos fracassos, são eles que nos fazem crescer. Celebrem as vitórias. E acreditem sempre no poder da alegria”
Que ensinamentos os seus alunos mais têm dificuldade de assimilar?
Converso muito com eles sobre a importância de nos determos atentamente à leitura de um texto, observando a reflexão/análise que o autor propõe. Muitas vezes, os alunos rapidamente saem da leitura de um texto, que é uma visão de determinado estudioso no assunto, e mergulham indiscriminadamente em interpretações generalizantes de conteúdos distribuídos sem critério pela internet. Nada contra a internet e a multiplicação dos saberes, mas nada substitui o estudo minucioso de determinado pesquisador. É a visão singular que faz diferença nesses tempos em que as informações estão à disposição de qualquer um pela web.
Qual a diferença entre educar seus dois filhos e seus alunos?
Estou sempre ligada aos valores que acredito, sendo mãe ou professora. Mas é diferente, né? Com meus alunos também sou afetuosa, adoro todos, mas também sou exigente. Me envolvo para que eles tenham uma experiência gratificante e enriquecedora nas aulas, que contribua para a formação profissional deles. Minha maior preocupação é estimulá-los a reflexão sobre ética nas artes, processos de criação, democratização aos acessos à arte e cultura.
“Nada contra a internet e a multiplicação dos saberes, mas nada substitui o estudo minucioso de determinado pesquisador. É a visão singular que faz diferença nesses tempos em que as informações estão à disposição de qualquer um pela web”
Aliás, como é a mãe Marília?
Sou uma mãe que educa, ou seja, fico cansada (risos). Digo não, dou limites, elogio, babo pelas conquistas, beijo, brigo, chamo a atenção quando estão errados... Enfim, um mix de tudo! Acompanho se estão fazendo os deveres de casa, estudando, o tempo que passam nos games... Digo também, de certa forma, que os educo como meus pais me educaram. Meus pais me ensinaram que devemos ter autonomia nos estudos. Dou a infra, organizo o quarto, a mesa de estudos, a estante de livros, a melhor iluminação para a concentração... E eles sabem que devem dar o melhor de si, se organizar, se comprometer nos estudos e tarefas da escola. E quero dar beijos neles também, claro. Digo que são lindos, incríveis, que amo...
Como surgiu o convite para a Dirce em Verão 90?
A Izabel de Oliveira me convida para suas novelas desde Cheias de Charme. Conheci a Paula Amaral nessa época, em algumas participações que fiz em Malhação. Adoro as duas autoras e sou grata pelo convite. Verão 90 é uma novela corajosa e afetuosa. Tratou com leveza assuntos importantes e delicados da nossa história recente, como o confisco das poupanças pelo governo Collor, que trouxe tantas dores e prejuízos para a maioria dos brasileiros..
“Sou uma mãe que educa, ou seja, fico cansada (risos). Digo não, dou limites, elogio, babo pelas conquistas, beijo, brigo, chamo a atenção quando estão errados... Enfim, um mix de tudo!”
Que boas lembranças você tem dos anos 90?
Momento em que o Brasil vivia a redemocratização depois de tantos anos de ditadura. Momento em que grande parte do país lutava por um futuro com menos desigualdade social, pelo sonho de um Brasil sem fome.
O que ainda podemos esperar da Dirce?
Ela é linda, afetuosa, quer ajudar a todos. Dirce é feliz do jeito que é e isso faz toda a diferença. Ela não precisa ser rica para ser feliz e sabe disso. Mas também não quer ficar sem dinheiro, não quer ser pobre, claro! Ela trabalha, se esforça, quer ser independente. Mas ama tudo o que tem: vizinhos, amigos, o trabalho na loja da Madá. Dirce é só amor e, acho que terminará rodeada de crianças... É só uma intuição.
Como é o seu dia a dia?
Cuido da casa, dos filhos, namoro meu marido, ajudo minha mãe, acompanho o que acontece com meus sobrinhos e afilhadas, estudo, escrevo para a minha Qualificação no Doutorado que será em setembro, planejo e estudo para as aulas que ministro na Graduação em Direção Teatral na Eco / UFRJ.
“Estou sempre ligada aos valores que acredito, sendo mãe ou professora. Com meus alunos, também sou afetuosa, mas exigente”
Como cuida da sua saúde e beleza?
Faço um pouco de ginástica, esteira, algumas aulas na academia, tipo pilates, yoga, alongamento. Passo cremes no rosto e no corpo. Às vezes, massagens. Faço análise há muitos anos com a psicanalista Claudia Fonseca Bernardes.
Que ensinamentos gostaria de deixar para os futuros artistas?
Arrisquem-se! Apesar de todas as pressões, sejam vocês mesmos, sustentem seus desejos e não tenham medo de errar. Não paralisem por causa dos fracassos, são eles que nos fazem crescer. Celebrem as vitórias. E acreditem sempre no poder da alegria.