Claudia Raia sai de cena
Ela se despede da Lidiane de Verão 90 e do júri do Show dos Famosos com um balanço do período em que brilhou diariamente na tela da Globo. E ainda conta como, em meio a tanto trabalho, enfrentou a morte da mãe: “É uma dor que talvez não passe”
NO DIA 29 DE JANEIRO ESTREOU VERÃO 90. Na trama, Claudia Raia surgiu como Lidiane. Uma ex-atriz de pornochanchada engraçada que domina a vida da filha Manuela (Isabelle Drummond). Em 7 de abril chegou a temporada 2019 do Show dos Famosos, do Domingão do Faustão. Na atração, artistas têm a missão de encarnar estrelas da música. A Claudia cabe o difícil papel de julgar os desempenhos. Assim, durante o período, a atriz de 52 anos foi ao ar todos os dias na tela da Globo. Isso sem contar que também esteve na bancada do reality Cultura, o Musical. Programa apresentado na TV Cultura pelo marido, Jarbas Homem de Mello, que buscou o melhor artista de teatro musical no país. A final foi exibida no dia 9 de junho.
ADEUS, LIDIANE!
No último domingo, dia 14 de julho, Claudia fez a derradeira participação no Show. E no sábado, dia 27, será a vez de se despedir de Lidiane. No meio de tantos projetos, a atriz ainda enfrentou a perda da mãe, dona Odette, aos 95 anos, no último mês de março. “Minha dor é imensa, mas tinha o trabalho, amigos, filhas postiças, filhos verdadeiros… Todos à minha volta e ainda com uma personagem que
me ajudou a levantar”, explica sobre como enfrentou o triste momento. Se considerarmos que tudo isso já aconteceu e estamos apenas no meio do ano, não fica exagerado dizer que Claudia é incansável. E que uma boa dose da atriz em nossa vida nunca é demais. Pelo contrário, é inspirador. Será impossível contestar essa afirmação após ler a entrevista que ela concedeu em um dos intervalos de gravações do penúltimo capítulo da trama das 7. E antes de sentir saudade, uma informação: a partir de outubro, a atriz sai em turnê com o musical Conserto para Dois, ao lado do maridão.
“Perder a mãe não dá! Ainda mais uma mãe forte, presente, que se foi com 95 anos lúcida”
Que balanço você faz da Lidiane?
Ela tem tantos coloridos, emoções, nuances… É mesmo um presente receber um personagem desses. Sou comediante e só consigo fazer graça com o que acho engraçado. E acho a Lidiane engraçada, além de ser bem escrita pelas autoras [Izabel de Oliveira e Paula Amaral]. Claro, tem a direção do Jorginho [Jorge Fernando], de outros setores, e contribuo com boa parte disso.
Como se reinventar depois de ter feito tanta comédia na TV?
É desafiador, depois de 36 anos de Globo e entre tantos personagens de comédia que interpretei, me reinventar com uma que tem características de outras que já fiz. Foi árduo, mas, acho, a Lidiane ficou diferente, engraçada. Saquei desde o começo que o coração da personagem era a relação com a filha [Manuela, de Isabelle Drummond]. É a construção de uma dupla, não eram apenas mãe e filha. Elas eram simbióticas. As duas tinham quase uma dependência emocional. Isso é interessante de mostrar. Nós construímos de verdade e até passou para a vida. As pessoas lembrarão delas com carinho.
“Eu sou do povo! Sou popular e faço a minha arte para o povo”
Por que a Lidiane atraiu tanto o Quinzão (Alexandre Borges)?
Ela tem essa coisa quase infantil, uma ingenuidade que é o contraponto da sensualidade meio bagaceira por ter feito pornochanchada. Lidiane se tornou aquela personagem que todo mundo queria levar para casa. Isso atraiu o Quinzão. É a sétima vez que faço par com Alexandre, a gente já é PHD um no outro. É muito legal fazer par com quem você tem intimidade, é amigo, admira. Foi um grande presente, mesmo que tenha sido só no final.
Em junho, foi ao ar a cena em que a Lidiane fez um ensaio sensual. Como foi realizá-lo?
A personagem tinha essa relação com o corpo, afinal, era a origem dela. Eu tive a disponibilidade para fazer e acho que ficou bom, porque tem coisa que não dá mais para fazer. Tem coisa que você pensa ‘vai ficar ridículo se fizer’.
Você falou sobre ser atriz de comédia, mas teve cena dramática também…
Ser uma personagem de comédia não quer dizer que ela não tenha sua dor, suas lágrimas. A diferença está em fazer aquelas loucuras com verdade. Ela falava barbaridades e as pessoas pensavam ‘estou com ela’, pois tem algo humana na frente. Não é a piada pela piada. A piada acontece porque
ela é doida, inadequada… Mas ela ir à cadeia, por exemplo, pedir para o João se separar da Manu foi a pior coisa que uma mãe poderia fazer. Às vezes, acho tudo absurdo, mas as pessoas acreditam que ela é uma mãe defendendo a filha. Quando se cai na empatia, pode tudo. A direção teve uma mão forte em nos conter e trazer o coração da personagem na frente. Nos mantivemos bem mesmo fazendo loucuras, porque as autoras são boas de comédia. Tudo tem que ser crível e o público precisa acreditar no que você faz.
Sua mãe (Odette) morreu em março. De onde tirou força para não perder o foco no trabalho?
Perder a mãe não dá! Principalmente uma mãe forte, presente, que se foi com 95 anos lúcida, com controle da família. É uma dor que talvez não passe, mas sou grata pela vida que ela teve e por eu ter nascido dela aos 44 anos. Há 52 anos quase ninguém nascia de mães com essa idade. A minha gratidão é maior do que minha dor. Minha dor é imensa, mas tinha o meu trabalho, amigos, filhas postiças, filhos verdadeiros… Todos à minha volta e ainda com uma personagem que me ajudou a levantar. Fazer comédia é bom por isso. Aconteceu o mesmo com a Jaqueline, de Ti-ti-ti [2010], quando me separei do Edson [Celulari]. Essas coisas te impulsionam. Você não deixa de viver o luto, mas a novela e a personagem me ajudaram muito.
Pôs cacos de outras personagens suas na Lidiane?
O ‘tudo bom?’ foi uma brincadeira minha e da Tatá Werneck, que coloquei em uma cena com o Rafa [Rafael Vitti, marido de Tatá, que faz o João na trama] para homenageá-la. Quando falei, todo mundo caiu na gargalhada. É algo tão meu e dela quando a gente se encontra que não sabia que funcionaria. Virou um bordão e nunca mais parei de falar. Onde vou as pessoas dizem ‘tudo bom?’. Incrível porque foi algo ingênuo da minha parte.
“As mulheres são abafadas por um formato ´passou dos 40 , é velha!’. Não existe isso. Diferentemente do restante do mundo, o Brasil segue maschistamente tentando abafar essa mulher como se ela não existiesse”
O que mais?
O ator é um bom ladrão [risos]. O sotaque, por exemplo, sou paulista e para fazer a carioca foi difícil, mas meus filhos são cariocas e conheço gente que fala daquele jeito. Fui pegando e virou esse retalho de homenagens que é a Lidiane.
Como foi representar as mulheres que criam filhos sem a presença de um homem?
São as duas ali, uma pela outra e isso dá a humanidade da Lidiane. A aparência de vilania no começo da trama veio da inadequação dela, porque é louca. A Lidiane se mostra com um coração aberto, se ferra, mas é batalhadora, forte e empoderada nos anos 90. Uma mulher que nunca precisou de homem. Ela tocava a vida, tem orgulho dos filmes, da carreira na pornochanchada…
Você é uma mãe como a Lidiane?
Deus me livre! Ela é muito estranha, controla demais a filha, que é adulta. Ela não sabe lidar com a síndrome do ninho vazio, o que deve ser bastante duro, e devo estar perto disso porque tenho um filho [Enzo] de 22 anos e outra [Sophia], de 16. Eles têm a vida deles, claro que interfiro quando vejo algo errado. Mas a Lidiane invade a casa da filha, manda fazer obra, é uma louca que domina tudo.
“Eles [os filhos] têm a vida deles. Mas, claro, interfiro quando vejo que algo está errado”
Você saiu de casa cedo, e se Sophia fizesse o mesmo?
Se ela tivesse vontade de sair de casa aos 13 anos, como fiz, tentaria fazer como minha mãe. Ela percebeu, tinha parido uma doida que queria voar, e se não abrisse a porta, eu arrebentaria a gaiola. Tentaria entender, daria recursos...
Há meses você está no ar de domingo a domingo...
O Show saiu do ar antes da novela e adoro. É delicado, porque julgar é complicado, principalmente por julgar pessoas com carreiras consolidadas. Elas estão ali se expondo em um momento até frágil porque é difícil fazer aquilo. Nós as encorajamos e damos ferramentas para continuarem se arriscando.
Você é do povão, né?
Sou do povo! Sou popular, faço arte para o povo.
Foi muito elogiada pelas cenas sensuais. As mulheres da sua faixa etária falam com você sobre isso?
Falam nas minhas redes, elogiam, gostam, acham graça… É legal ver uma mulher de 50 e poucos anos com esse fogo, vontade de viver. As mulheres têm isso dentro delas e são abafadas por um formato que ‘passou de 40, é velha!’. Não existe isso. Diferentemente do restante do mundo, o Brasil segue machista, tentando abafar essa mulher como se ela não existisse. Temos que acabar com isso.