A polêmica defensora
Famosa por dar voz aos desfavorecidos, Gloria Perez prova que sabe contar histórias românticas ao gosto do público
ATUALMENTE A TV TEM AUTORES DE
estilos diversos. Há os aficionados por tramas rurais, os românticos, os cômicos, os que trabalham o suspense e por aí afora. No meio deles a acreana Gloria Perez é dona de uma grife própria. Nenhum de seus companheiros atuais tem a mesma capacidade de transformar histórias em tribuna para protestos de grupos desfavorecidos. Em seus trabalhos, ela já levantou a bandeira dos portadores de aids, das crianças desaparecidas e agora aproveita o sucesso de sua adaptação de Pecado Capital para abrir os microfones contra a impunidade em todos os campos. O espírito combativo, aliás, é sempre lembrado quando se fala dela. O que chega a esconder o lado romântico de suas tramas. Discípula de Janete Clair, ela foi a única colaboradora aceita pela autora de sucessos como Selva de Pedra, O Astro e Pai Herói. As duas trabalharam juntas em Eu Prometo, de 1983, curiosamente a última novela de Janete, que morreu, obrigando Gloria a terminá-la.
Desse contato certamente surgiu a inspiração para falar de amores impossíveis, como o da prostituta Hilda e do religioso frei Malthus em Hilda Furacão. A minissérie, que chegou a alcançar 36 pontos de audiência às 23 h, em plena Copa do Mundo, ajudou a consolidar seu nome como uma criadora de sucessos. Título ao qual ela faz jus mais uma vez agora com Pecado Capital. Nesta entrevista, a autora reitera sua disposição em continuar lutando contra as injustiças, compara as duas versões de Pecado Capital, fala, seis anos depois, do trágico assassinato de sua filha, Daniella Perez, e também da felicidade redescoberta ao lado do namorado, o empresário José Eduardo Leite, de 45 anos.
Pecado Capital vai lançar mais uma campanha, agora contra a impunidade. Como isso será tratado na história?
Não me preocupei em dar um gancho para o assunto, ao contrário de Explode Coração, quando estruturei uma das histórias para tratar da questão das crianças desaparecidas. Acho que a luta contra a impunidade precisa de um espaço na mídia, e não de um enredo. Montamos um posto de denúncia na praia, onde o Tenorinho joga futevôlei. Quem quiser, pode telefonar para a produção e vamos levar o protesto ao ar. Esta campanha fica até o fim de Pecado Capital.
Sei que a maioria das tragédias que acontecem em nosso país não é divulgada. Quero pelo menos torná-las públicas.
Como surgiu a ideia de lançar campanhas na novela?
Isso sempre foi uma marca do meu trabalho. Já em Carmem, em 1986, fazia campanha esclarecendo sobre a aids e contando inclusive com a ajuda do Betinho [o falecido sociólogo Herbert de Souza], que falou sobre as formas de contaminação da doença. Não acho que a novela vá resolver essas questões, mas ela pode levantar uma discussão nacional a respeito de um assunto e mobilizar pessoas. Isso facilita o trabalho das instituições.
Além dos gays e dos moradores do Palace II, outros grupos terão espaço em Pecado Capital?
Sim. Pretendemos abordar muitos outros casos. A novela está aberta para os protestos contra a impunidade, que é, sem dúvida alguma, a grande incentivadora da violência que está destroçando nosso país.
É possível mudar as coisas?
O retorno que espero não é o mesmo de Explode Coração, quando ajudei várias famílias a localizar 64 crianças. Uma coisa é criança desaparecida, outra é a reforma da legislação, que ninguém quer fazer.
Estamos esbarrando em outros interesses quando falamos da queda do Palace II ou da chacina ocorrida em Vigário Geral.
As novelas são um veículo apropriado para esse tipo de discussão?
Sem dúvida que sim. Mas há quem ache que elas deveriam ser um espaço só para diversão e que temas assim ficariam melhores em programas de debate ou talk shows... A novela é acima de tudo entretenimento, mas pode incluir a realidade sem deixar de sê-lo. Sempre fiz essa fusão da ficção com o jornalismo e deu certo. Por que não? Penso que não se pode dispensar uma tribuna como esta num país onde a sociedade civil não está organizada para reivindicar nada e as pessoas não têm noção de seus direitos como cidadãos.
Por que você optou por reescrever a novela de Janete Clair?
Neste momento de minha carreira queria fazer uma homenagem àquela que me ensinou a fazer novelas e me deu a primeira chance: Janete Clair. Queria que o público mais jovem conhecesse sua obra e seu estilo, que encantou a minha geração. Esse é um trabalho que dedico a ela e a Mário Lúcio Vaz [diretor da Central Globo de Criação], que acreditou no meu talento e até hoje considero meu grande padrinho.
Não é mais complicado reescrever um sucesso?
Eu acho que as boas histórias merecem ser recontadas.
Mas as cobranças não são maiores? As pessoas não fazem comparações com o original?
Até que não. Em nenhum momento quisemos competir com a versão original, que é brilhante. Nossa pretensão foi unicamente a de contar novamente uma história que merecia ser recontada. E eu acho que mesmo quem assistiu à primeira versão entendeu isso. Mantive o espírito e a forma emocional que era o jeito de Janete escrever.
E o fato de a adaptação não ser absolutamente fiel ao original gerou alguma crítica por parte do público?
Não recebi críticas nesse sentido. Até porque a novela, sendo uma obra aberta, que caminha de acordo com a química que vai se fazendo enquanto ela está no ar, exige esse descompromisso. Procurei manter o espírito e a forma emocional que a Janete tinha ao escrever e isso também aparece na novela.
Você pretende manter o final original, com a morte do Carlão?
Ah, isso eu não vou contar! Assista!
O que o público tem pedido?
As pessoas têm pedido para o Carlão não morrer.
Qual o segredo da boa audiência de Pecado Capital?
Acho que estou sabendo tocar o coração do público, algo que aprendi trabalhando com a Janete Clair. O horário de verão sempre sacrifica muito a audiência das novelas.
Você mudou o visual e está namorando o empresário José Eduardo Leite. Depois de tanto tempo deprimida, Gloria Perez recuperou a alegria de viver?
A gente segue em frente, mas aquela dor está ali e vai continuar para sempre. Sobrevivi, foi isso. Tento seguir em frente da melhor maneira. É como digo: feliz, plenamente feliz, sei que nunca mais serei. Mas eu procuro as felicidades possíveis.
Há quanto tempo vocês estão namorando?
Há quase um ano.
E ele teve alguma participação nessa virada de vida?
Ele tem sido muito importante neste momento, em que procuro recompor minha vida. É companheiro, amigo... me puxa para a frente.
Quando você sai de uma situação tão dura, tão amarga, tão dolorosa, é essencial poder exercitar de novo a afetividade, gostar de alguém.
Quais são seus principais projetos e sonhos para o futuro?
Não sei mais fazer projetos a longo prazo. A vida surpreende tanto a gente! Prefiro ir costurando a cada dia.
Há poucos grandes autores em atividade. Existe uma crise no meio?
É um mercado de renovação difícil, porque novela é uma obra muito extensa e você só aprende na prática. Em qualquer carreira é preciso não só de talento, mas de vocação. No terreno das novelas, então, nem se fala. É um trabalho de estiva. Exige muita paixão, muito desprendimento, porque você praticamente deixa de viver enquanto está escrevendo. Mas eu acho que têm surgido pessoas que vão ficar, como o Ricardo Linhares, por exemplo. Entre os colaboradores há muita gente talentosa que daqui a pouco vai poder estar no comando de uma novela. Há a Elizabeth Jhin [colaboradora de Alto Astral]e o Filipe Miguez [de Suave Veneno], entre outros.