“Finjo naturalidade”
Destaque como o mau-caráter Diogo, de Bom Sucesso (Globo), Armando Babaioff abre o jogo sobre construir um vilão com um pé no humor e como o desenrolar da carreira o preparou para entrar em cena e achar orgânico contracenar com Antonio Fagundes
O Diogo é um vilão com humor. Como construiu esse personagem?
Olha, é curioso… Ele vai para um lugar onde eu posso brincar muito, principalmente com a vilania. Relutei contra o título de vilão, porque logo de cara ele me tira o direito da dúvida. Mas o personagem já é vilão, não posso fingir que não [risos]. O Diogo já tem todo esse figurino preto, todo esse universo do clichê que faz parte do melodrama. Mas é interessante pegar esses recursos e subvertê-los um pouco. Para esse personagem virar uma coisa chocante é muito fácil, porque tudo que ele faz e fala é muito grave.
Como subverter isso a ponto de deixá-lo engraçado?
Não digo engraçado no sentido de só fazer graça, mas de colocar na responsabilidade de quem está assistindo, talvez, um sentimento de culpa por achar engraçado aquilo que o Diogo faz. Então, é louco rir da forma cruel como ele trata o Alberto [Antonio Fagundes] ou a enteada, a Sofia [Valentina Vieira]. Mas coloco essa responsabilidade na conta do público. Essa é a natureza desse personagem.
Como tem sido o feedback do público?
Tem desde gente que quer dar na minha cara até quem ache engraçado e divertido. Alguns dizem “Me sinto culpado por achar graça no seu personagem”. A ideia é essa.
“A única coisa que sei é subir num palco e dizer o que penso do mundo. É nesse lugar que sinto a minha responsabilidade social. Já que investiram em mim, preciso de alguma forma retribuir”
Você é taxativo ao dizer que o Diogo só pensa em si. Mas e a Gisele (Sheron Menezzes)? Ele realmente não pensa nela?
O que o Diogo leva a sério? Ele não dá um ponto sem nó. Toda vez que ele chega e convence a Gisele daquele universo todo é porque, realmente, tem outro interesse atrás daquilo. Não tem nada que o Diogo faça na trama que seja por acaso. Tudo é pensado.
Está em um dos melhores momentos de sua carreira...
Talvez, tudo o que eu tenha feito na vida, de alguma forma, me preparou para esse personagem. Quinze anos me distanciam do meu primeiro teste na Globo. Muita coisa aconteceu nesse período. O tempo inteiro faço questão de lembrar de onde venho. Essa é a minha base, é para onde eu gosto de retornar, é a minha casa, é o teatro e é onde sempre me renovo.
Tem medo de desafios?
Não. Não tive medo quando o Luiz Henrique Rios [diretor de Bom Sucesso] me chamou pra esse lugar. Sem arrogância, falo isso com toda a humildade do mundo. Mas, de alguma forma, me preparei para entrar em um estúdio e achar que é natural contracenar com o Jonas Bloch e o Antonio Fagundes. Não é [risos]! Não é normal encontrar aquelas pessoas que admiro. Finjo naturalidade.
“De alguma forma, me preparei para entrar em um estúdio e achar que é natural contracenar com o Jonas Bloch e o Antonio Fagundes. Não é [risos]! Não é normal encontrar aquelas pessoas que admiro. Finjo naturalidade”
A Rosane Svartman (autora da trama) falou que o Diogo ficará pior e que não sabia encontrar limites para o personagem. Ele tem limite?
O Diogo é sem limites. Isso me assusta nesse personagem. Porque essa proposta precisa se adequar a vários lugares: texto, direção, horário de exibição... A trama é muito assistida por crianças. O Diogo é um vilão, e a minha ideia na construção do personagem é brincar com esses vilões da literatura, quase trazendo-o pra um lugar lúdico. Quando ele discute com a Sofia, fala de igual para igual, quase vai pra idade dela. Talvez eu até vá a uma idade abaixo da dela [risos]. Parece que ele tem 5 anos e está discutindo com uma menina mais madura.
O Diogo diz que não gosta de rico, mas não quer voltar a ser pobre. Como foi o passado dele?
Nem eu sei! O Diogo tem uma psicopatia. Mas é um psicopata tupiniquim, cafona, brasileiro. Algumas pessoas, quando me perguntam por referências para compô-lo, talvez esperem me ouvir dizer que me inspirei em séries como Lúcifer, Dexter. Mas não vi nada disso! As referências dele são as de todo brasileiro. Não sei de onde ele vem, mas renega esse passado. O comportamento dele é típico do brasileiro que quer fazer parte da alta sociedade, mas não tem jeito, não tem modos… Aí é que entra o humor.
“O tempo inteiro faço questão de lembrar de onde venho. Essa é a minha base, é para onde eu gosto de retornar, é a minha casa, é o teatro e é onde sempre me renovo”
O Diogo é infiel à esposa. Como esse lado mais “machista” do personagem tem sido recebido pelo público que acompanha o folhetim?
Ele não sente culpa. Então, falar sobre machismo é um pouco complicado, porque eu não sei se é o que ele aborda. Óbvio que também tem isso ali, mas, como ele também tem, em primeiro plano, essa psicopatia, que fala dessa amoralidade e ausência de culpa, é muito pior! Porque vai além do machismo. Vai da ausência de filtro mesmo. Ele acha que transar com uma mulher desacordada porque ela está alcoolizada é normal, porque ele é marido dela.
Como é transitar entre o cômico e o aterrorizante desse personagem?
É divertido pensar que, em uma hora você compra o humor do papel e em outra fala “Meu Deus, eu ri disso?”. Isso me interessa, pois falamos de seres humanos, de humanidade. O Diogo não é uma coisa só, não é um bloco. Ele segue com esse humor sarcástico, ácido, o que torna um personagem interessante, curioso.
Você já identificou alguém como o Diogo no seu convívio?
Olha, tenho os melhores amigos do mundo. Nunca passei por isso.
“O comportamento do Diogo é do típico brasileiro que quer fazer parte da alta sociedade, mas não tem jeito, não tem modos…”
Tem projetos em vista no teatro?
Estou produzindo uma nova peça do mesmo autor de Tom na Fazenda [o canadense Michel Marc Bouchard. Babaioff estreou o texto gringo no Brasil em março de 2017]. Nós fomos com a peça para Montreal [no Canadá] no ano passado. E ele [Bouchard] ficou tão impactado com a nossa apresentação que resolveu fazer um encontro na casa dele para todo o elenco e a direção. Lá, ele me entregou um envelope dizendo “Isso aqui é pra você. Estou te dando uma peça nova e sem direitos autorais. Você não precisa me pagar nada”.
Então, Tom no Brasil está definitivamente encerrado?
Não! No ano que vem vamos fazer uma temporada de um mês em Montreal. A gente estreia em 3 de março.
Como se chama esse projeto novo do Bouchard?
A Estrada dos Passos Perigosos. Inclusive, já traduzi o texto até.
“É louco rir da forma cruel como o Diogo trata o Alberto [Antonio Fagundes] ou a enteada, a Sofia [Valentina Vieira]. Mas eu coloco essa responsabilidade na conta do público. Essa é a natureza desse personagem”
Qual sua responsabilidade social como ator e como a exerce?
Tom na Fazenda é isso, uma peça sem patrocínio que, mesmo assim, a gente apresentou no Brasil inteiro. O objetivo do espetáculo não é fazer dinheiro, mas mostrar o que os artistas brasileiros pensam do momento atual. A peça dialoga muito com essa questão. Quando estreou, ficamos muito receosos, achando que o espetáculo entraria num nicho que fala muito de homofobia. Mas passa longe disso. Ele também fala de homofobia. Então, encontro nesse lugar a possibilidade de falar sobre algo em que acredito. Isso é o que eu quero para essa profissão. É a única voz que tenho. Não sei cantar, não sei escrever. A única coisa que sei é subir num palco e dizer o que penso do mundo. E é esse o meu lugar. É nesse lugar que eu sinto que é a minha responsabilidade social. Já que investiram em mim, preciso de alguma forma retribuir.