Sem medo de voar
Na série Chuteira Preta (Amazon Prime e Prime Box) como Flávia, Karin Roepke fala sobre viver a antagonista, lembra as palavras da mãe quando saiu de casa para ser atriz e comemora a parceria amorosa e profissional com o marido, o ator Edson Celulari
Dom artístico
“Pensar nisso me fez lembrar do dia em que saí da casa dos meus pais para trabalhar profissionalmente como atriz em São Paulo. No momento dolorido da partida, minha mãe disse: ‘Como não deixar você voar se te alimentei com arte a vida inteira?’. Meu pai toca gaita de boca e a música sempre foi presente nas nossas reuniões familiares. As paredes de casa, em Brasília, têm quadros pintados a óleo por minha mãe. Ouvia discos de vinil de Raul Seixas e da Orquestra Filarmônica de Berlim. Fiz aulas de dança, teatro, piano, canto, pintura e línguas. Enfim, cresci em contato direto com a minha criatividade e meu dom foi cultivado desde a infância.”
Avós inspiradoras
“Minha avó materna, Ana, tinha uma linda sabedoria: aceitava o defeito das pessoas e não queria mudar ninguém. Sempre nos acolhia com chá de alguma folha que ela colhia no quintal. Era a fada das ervas e adorava o Elvis Presley. Lembro do pôster do Elvis que ela tinha no armário. Já minha avó paterna, Oma Lore, era a típica avó alemã. Uma mulher de personalidade forte, que trabalhava e cuidava da família com determinação e energia. Ela tinha orgulho dos ancestrais que vieram da Alemanha e fazia questão de manter as tradições. Sua forma de carinho era nos alimentar com cuca de queijo e strudel de maçã.”
“Os cachorros me dão aula de como estar presente no momento presente. Eles são mestres zen. Quando estão pegando a bolinha, têm 100% de atenção naquela ação. Estar com eles é receber amor e desacelerar”
Personagem excêntrica
“Atualmente, estou no ar na série Chuteira Preta (Amazon Prime Video Brasil e canal de TV a cabo, Prime Box). É uma dramaturgia que fala sobre o lado B do futebol: a dificuldade de um jogador, Kadu (Márcio Kieling), que perdeu a paixão pelo futebol e tenta se reerguer. Porém, ele tem vários obstáculos para alcançar esse objetivo, incluindo meu personagem, a Flávia, uma ex-mulher problemática que o inferniza. Viver a antagonista foi uma excelente experiência profissional. Um carreira se constrói por meio de bons personagens e ela é cheia de nuances e dualidades.”
Descoberta artística através da dança
“Comecei a dançar balé aos 5 anos de idade e senti minha alma dançando quatro anos mais tarde quando entrei nas aulas de jazz e sapateado. Era o auge da música pop: os clipes da Madonna eram referência de comportamento e os movimentos rápidos e ritmados se tornaram o meu lugar no mundo. Para qualquer música que eu ouvisse, criava uma coreografia mental e imaginava um personagem. A arte estava feita. Era essa liberdade e criatividade que eu queria. Ali comecei meu caminho.”
“Entender o poder da imagem é essencial hoje. Estou em busca disso e, vez ou outra, brinco com a moda dependendo do humor. Mas o principal: me sentir confortável na minha própria pele, com minhas qualidades e defeitos”
Amor pelos cachorros
“A Minna, o Dourado, o Kiko e o Hulk (nossos quatro cães) são o paraíso na Terra. Brincar com eles por uma hora equivale a eliminar três dias de estresse. O amor e a troca verdadeira que eles têm é comovente. Os cachorros me dão aula de como estar presente no momento presente. Eles são mestres zen. Quando estão pegando a bolinha, têm 100% de atenção naquela ação. Estar com eles é receber amor e desacelerar. Não há nada melhor.”
Parceria artística e amorosa
“Eu e Edson celebramos aniversário de casamento no último dia 31/10 assistindo à Ópera Orphee, no Teatro Municipal. Depois, brindamos com um bom vinho tinto. Mas o interesse artístico foi o que aproximou o nosso olhar e é o que mantém a parceria amorosa ainda mais profunda. Em 2018, estreamos o curta Cinzas, dirigido pelo Edson e protagonizado por mim. Ganhamos prêmios em Festivais de cinema da Espanha, Portugal e Índia. Agora, estamos finalizando outro curta, Europa. Ele dirige e nós atuamos juntos fazendo par romântico pela primeira vez. O amor alimenta a nossa arte e, tenho certeza, ainda virão muitos frutos artísticos dessa união.”
“Me dividi entre ser artista ou religiosa, os dois estavam relacionados ao aprofundamento humano. Aí, entendi que, como atriz, também poderia tocar corações e ser agente de transformação”
Arquiteta
“A certeza de que a arte seria minha profissão era absoluta. Em todo teste vocacional aparecia que seria atriz, dançarina ou artista plástica. Tudo relacionado à criatividade. Mas, na hora do vestibular, fiquei insegura em optar por uma profissão tão instável e pensei: ‘o que fazer de artístico que ofereça mais de segurança?’. Passei no vestibular de arquitetura e me formei. Também cursei artes plásticas por um ano, não concluí. Hoje, percebo como uma arte complementa a outra e, sendo atriz, toda experiência de vida é válida. Quanto mais vivo diferentes situações, mais vida crio dentro de mim e mais possibilidades de interpretar outras vidas eu tenho.”
Em forma
“O meu ideal de corpo sempre são uns quilos a menos do que tenho no momento. Hábitos alimentares ruins sempre me preocuparam. De um tempo pra cá, dei um basta nessa angústia. Percebi que precisava mudar a minha cabeça. Transformar a relação emocional que tenho com a comida. Através de hábitos como ter atenção focada no momento da refeição e buscar saciedade com comida de verdade tem me ajudado. A alimentação é um processo de autoconhecimento e, atualmente, estou nesse estágio. Não é simples. Então, o segredo é seguir e persistir.”
“O investimento mais rentável do mundo é viajar. Acumular experiências e conhecer novas culturas, gastronomias, artes e hábitos é enriquecedor. Por sorte, encontrei um marido que gosta tanto de viajar quanto eu”
Quase uma missionária religiosa
“Durante muito tempo participei de grupos jovens católicos. Quando não estava interpretando ou dançando no teatro, estava cantando na igreja. Às vezes, até inventava umas dancinhas no altar quando era coroinha da missa. A minha religiosidade era vivida de forma alegre e saudável. Por isso, quase me tornei missionária. A ideia de viver totalmente dedicada a uma missão espiritual me fascinava. Me dividi entre ser artista ou religiosa, os dois estavam relacionados ao aprofundamento humano. Aí, entendi que, como atriz, também poderia tocar corações e ser agente de transformação.”
Família alemã
“Toda a família Roepke do meu pai mora no interior de Santa Catarina. A lembrança que tenho da minha infância é de passar o Natal no Sul e ficar encantada ouvindo todos conversarem em alemão. Não entendia, mas gostava de ouvir. Admiro a cultura e a forma que criam os filhos. Lembro que via meus primos meninos, com 7 anos, lavando a louça e ajudando as mães nos afazeres domésticos. Cresci vendo meu pai dividindo as funções de casa com minha mãe. Foi positivo ter essa referência de masculino e feminino equilibrada.”
“Quanto mais vivo diferentes situações, mais vida crio dentro de mim e mais possibilidades de interpretar outras vidas eu tenho”
Paixão por viagens
“Me intitulo (com orgulho), uma turista com ‘T’ maiúsculo. O investimento mais rentável do mundo é viajar. Acumular experiências e conhecer culturas, gastronomias, artes e hábitos é enriquecedor. Por sorte, encontrei um marido que gosta tanto de viajar quanto eu. Nosso primeiro foco ao conhecer um lugar é cultural. Pesquisamos arquitetura, teatro, cinema e museus. Depois, partimos para a culinária. Sempre organizo um cronograma para o tempo render, mas fico disponível ao improviso. Afinal, um bom sinônimo para o viajar é flanar: andar ociosamente, sem rumo.”
Old Hollywood
“Sempre fui apaixonada por filmes antigos de Hollywood. Ingrid Bergman, Marylin Monroe, Greta Garbo, Audrey Hepburn, Romy Shneider, Liz Taylor... É natural que tenha influência de todas elas. Para me vestir, por exemplo, tento ser contemporânea. Mas busco um toque “retrô”, sonhando estar em um filme da MGM. Acho feminino e romântico um vestido com cintura marcada, mas também busco a praticidade da calça jeans no dia a dia. Entender o poder da imagem é essencial hoje.
“O interesse artístico foi o que aproximou o nosso olhar [dela e do marido, Edson Celulari] e é o que mantém a parceria amorosa ainda mais profunda. O amor alimenta a nossa arte e, tenho certeza, ainda virão muitos frutos artísticos dessa união”
Estou em busca disso e, vez ou outra, brinco com a moda dependendo do humor. Mas o principal: me sentir confortável na minha própria pele, com minhas qualidades e defeitos. Quando estamos seguros, uma camiseta branca básica tem o seu glamour.”
Personal organizer
“Entro em transe quando vejo um armário bem organizado, separado por produtos, tamanhos e cores. Acho que apurei esse senso estético na arquitetura. Admiro as gôndolas e os produtos empilhados no supermercado e, em casa, quero deixar tudo bem ordenado e prático nos armários também. Quando convidamos amigos para jantar, tenho prazer em arrumar a mesa combinando louças, copos, cores e texturas. Gosto de detalhes. Se cozinho, passo mais tempo na apresentação final do que no preparo. Enxergo o cotidiano como um ato artístico e isso me faz bem. Mas me policio para ser assim só na minha casa. Fico agoniada quando vejo um quadro desalinhado na parede dos outros, mas me reservo ao direito de ficar calada. Não quero que isso se transforme em TOC [trasntorno obsessivo-compulsivo].”
‘Sinal divino’
“Havia acabado de me formar arquiteta e terminado o projeto de uma escola de música. Levava o teatro e a dança como hobby, mas não via possibilidades profissionais como atriz em Brasília. Falei com meus pais e fui fazer um curso de férias de teatro em São Paulo. Soube que o Wolf Maya fazia a audição para um musical e me candidatei. Fui selecionada entre 500 pessoas. Era a confirmação de que precisava. Meu plano era fazer só esse trabalho e voltar pra Brasília, mas fui convidada para outro, e outro, e lá se foram 15 anos de carreira.”
Ioga e meditação
“Iniciei no ioga pensando nos benefícios da flexibilidade e atividade física, não tinha dimensão do bemestar emocional que poderia me trazer. Mergulhei na meditação depois que fiz o retiro Vipassana. Ficamos dez dias em silêncio aprendendo a meditar. É um curso intensivo de autoconhecimento. Foi uma experiência rica. Indico a todos a experiência do Retiro de Silêncio. Só você e seus pensamentos. Isso é libertador.”