Contigo Novelas

A campeã de capas

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Quase 30 anos depois de receber o título, ela ainda é lembrada como a Namoradinh­a do Brasil. Recordista em capas de Contigo! – são 64 delas –, ela supera nomes como Xuxa, Roberto Carlos e Vera Fischer. Nesta entrevista, a atriz conta como saiu de uma família pobre do interior de São Paulo para se tornar uma das maiores estrelas do país

C OM O SORRISO LARGO E A SIMPLICIDA­DE

que lhe são peculiares, Regina Duarte, 57 anos, é o exemplo perfeito de profission­al bem-sucedida e respeitada pelo público e pelos colegas de trabalho. Nascida em Franca (5/2/1947), interior de São Paulo, mudou-se aos 5 anos para Campinas (SP). De origem modesta, ela lembra que durante a infância preferia as brincadeir­as de menino. “Sempre achei que os garotos tinham mais liberdade. Até os 15 anos, eu adorava empinar pipa e jogar futebol”, diz a atriz, que começou na televisão fazendo comerciais. Um deles, para uma marca de geladeira, chamou a atenção de Walter Avancini. O diretor a convidou para fazer a novela A Deusa Vencida, em 1965, na extinta TV Excelsior. A partir daí, Regina não parou.

Já são mais de 30 novelas, duas minissérie­s, dez peças de teatro e sete filmes. Estrelou grandes sucessos, como Irmãos Coragem, Selva de Pedra, Roque Santeiro e Vale Tudo. Em 1975, recebeu o título de Namoradinh­a do Brasil, que a acompanha até hoje. Prestes a completar 40 anos de carreira na TV, Regina Duarte tem como marcas de seu trabalho o reconhecim­ento e a admiração do público. Na entrevista a seguir, concedida na quinta-feira (10), no Teatro Cultura Artística, em São Paulo, onde encena a peça Coração Bazar, ela fala das dificuldad­es na infância, de amor, de política e de trabalho.

Você nasceu em Franca, interior de São Paulo. O que se lembra de marcante da sua infância?

A proximidad­e com a natureza e a forma como o tempo demorava a passar. Lembro dos almoços aos domingos, depois da missa das 10h, com toda a família reunida. De vez em quando, nossa casa ficava cheia de tios e primos que vinham do Ceará para tentar a vida em São Paulo. Lembro do armazém anexo à casa e de um grande quintal, com um enorme abacateiro que tinha, lá no alto, uma plataforma de tábuas velhas, onde eu podia ler, escrever e sonhar.

Passou dificuldad­es?

Meu pai vivia dizendo que o dinheiro era curto. Ele parecia sempre muito preocupado. Éramos cinco filhos e os mais novos herdavam roupas e sapatos dos mais velhos. Eu me dava bem, porque sou a primogênit­a. Uma vez por ano, podia comprar um sapato novo. Mas as dificuldad­es não nos impediram de fazer amizade com gente boa, estudar, ler, ir ao cinema, ouvir música. As coisas boas da vida.

É verdade que, aos 12 anos, você dizia que preferia ter nascido homem?

Os meninos tinham mais liberdade. Além disso, as brincadeir­as dos garotos eram mais interessan­tes. Até os 15 anos, eu adorava empinar pipa e jogar futebol. Mas também gostava de costurar roupas que inventava para mim e minhas amigas.

Você já sonhava em ser atriz quando era menina?

Eu sempre tive um grande interesse pelo ser humano. Poderia ter sido escritora, pintora, psicóloga, jornalista. Estudei balé, violão e declamação. O teatro amador foi decisivo, porque me fez ver a importânci­a e a responsabi­lidade do papel social do ator.

década de 70, você ganhou o título de Namoradinh­a do Brasil. Sentiu-se aprisionad­a pelo rótulo?

Não. Essa história sempre gera confusões. Considero o título uma homenagem, que traduz bem minha relação afetiva com o público. O que me aprisionou, num determinad­o momento da carreira, foi a repetição de personagen­s muito parecidos. Eram mocinhas sofredoras, altruístas, culpadas, generosíss­imas, passivas, apaixonada­s-dependente­s, indecisas. Depois de alguns anos, eu precisava de personagen­s com novos estímulos, para pôr à prova meu potencial de atriz.

A coroa de Namorada do Brasil será passada para sua filha, Gabriela Duarte?

A namoradinh­a é intransfer­ível. Foi resultado de um processo, de uma trajetória profission­al. Traduz uma relação com caracterís­ticas muito específica­s de uma atriz com o público e com a mídia. Hoje, os tempos são outros. As atrizes da geração de Gabriela [29 anos] não me parecem nem um pouco interessad­as em títulos ou rótulos. Elas já nasceram bem mais livres, porque a minha geração abriu caminhos importante­s para elas. E, depois, um título como esse é uma coisa que acontece. Não dá para elaborar.

As atrizes costumam aparecer diferentes a cada trabalho. Você não muda muito. Isso incomoda?

Mudar como? Fisicament­e? Com novas propostas de interpreta­ção? Acho que a Porcina [personagem que a atriz interpreto­u na novela Roque Santeiro, em 1985] não tem nada a ver com outras que eu já havia vivido na TV. Eu gosto de personagen­s construtiv­as, com as quais eu possa aprender coisas que ainda não sei.

Como você se inspira para compor seus papéis?

Sigo as instruções dadas pelo autor e depois viajo, sonho, invento, pesquiso. Imagino como a personagem se veste, como penteia o cabelo, se ela arqueia a sobrancelh­a e com que frequência. Num cumpriment­o, como ela aperta a mão das pessoas? Coisas assim vão traçando a personalid­ade de quem vou interpreta­r.

Já se identifico­u com alguma de suas personagen­s?

Sim. Só poderia interpretá-las se pudesse me ver no lugar delas, vivendo, à maneira delas, o que viveram.

Com os três filhos crescidos (André, 33, Gabriela, 29, e João, 22), você pode ficar mais livre para o trabalho. O que mais deseja na vida?

Não é bem assim. O que faço na vida é, essencialm­ente, trabalho de equipe. Como atriz, dependo do produtor, autor, diretor, colegas atores, de toda a equipe.

É aquela história: “Uma andorinha só não faz verão”. O que eu mais desejo na vida é continuar fazendo parte de equipes de trabalho em que eu respeite a todos e todos me respeitem. Quero fazer sempre um trabalho de qualidade, seja no cinema, seja na TV, seja no teatro. Adoraria, um dia, reunir um bom grupo de profission­ais de todas as áreas e fundar uma escola de interpreta­ção. Transferir aos mais jovens tudo o que aprendemos até hoje é um belo sonho.

No ano passado, você escreveu o espetáculo Coração Bazar, em que revela sua intimidade por meio de poemas de autores como Carlos Drummond de Andrade e Vinicius de Moraes. Essa peça é um balanço de sua vida?

Exatamente. Em Coração Bazar, eu interpreto sete personagen­s que têm tudo a ver comigo. São as minhas várias facetas discutindo entre si e querendo, cada uma a seu modo, provar que conhecem melhor o caminho para a felicidade. Isso acontece de uma forma bastante engraçada e o público se diverte muito, porque também se identifica com cada um dos personagen­s da peça. Coração Bazar é um belo espetáculo, em que me exponho e revelo a minha alma como nunca tinha feito até hoje.

Hoje, como você se avalia?

Sou apaixonada por meu trabalho e me entrego de corpo e alma a tudo o que faço. Com o tempo, fui ficando mais seletiva, mais exigente. Mas isso não me impede de dialogar e descobrir valores até em coisas das quais duvido. Hoje, sou muito mais apta às negociaçõe­s que temos de fazer nas relações. Tenho novos interesses, nas diversas áreas da criação artística. Gosto da possibilid­ade de vir a escrever dramaturgi­a, dirigir atores, produzir determinad­os projetos.

Na carreira, cruzou com quem quis prejudicá-la?

Sou a rainha da justificat­iva. Adoro encontrar uma boa saída para tudo. Diante de uma frustração, penso que, se alguma coisa não aconteceu do jeito que eu queria, é porque tinha de ser assim. Só me interessam para valer as coisas que vêm a mim espontanea­mente. Diante de um desejo, dou o meu melhor para realizá-lo. Se tiver de ser, ótimo. Senão, paciência.

Você é comilona ou segue uma dieta?

Sou comilona e adoro doces. Tomo cuidado para não exagerar. Os Vigilantes do Peso me ensinaram que todo excesso tem um preço. Quando saio da linha, me obrigo a caminhar duas vezes mais no dia seguinte. Cada chocolate a mais significa 30 minutos a mais de esteira ou de qualquer outro exercício que farei.

Aos 57 anos, você não tem medo de envelhecer?

Só tenho medo de doenças e me cuido para não ficar uma velhinha chata, cheia de não me toques. A experiênci­a que tive interpreta­ndo Chiquinha Gonzaga, que tinha 83 anos, foi importante para desmitific­ar o medo estético de envelhecer.

Você é uma pessoa inquieta?

Sou muito inquieta. Mas, nos últimos tempos, tenho tentado controlar essa minha caracterís­tica, para que ela só me traga coisas boas e positivas.

É uma boa dona de casa?

Não. Lamento muito, mas não sou. Vivo ocupada com coisas da minha profissão. Mas, sempre que posso, faço algumas tarefas do lar, com prazer. Gosto de lavar louça, de arrumar a casa e de cozinhar. Mas só de vez em quando.

Você foi muito criticada por ter se manifestad­o contra o presidente Lula, durante a campanha eleitoral. Faria de novo?

Não sei. Sou muito sincera, e isso já me trouxe complicaçõ­es. Por outro lado, é difícil ficar calada quando sinto que posso ajudar alguém a perceber e a definir melhor seus sentimento­s. Não é essa a função social do ator? Não é esse um direito de todo cidadão?

SEMPRE EM EVIDÊNCIA

Já faz mais de 30 anos que Regina Duarte é figura recorrente nas páginas de Contigo!. Desde o lançamento da revista, em 1963, a atriz já esteve na capa em nada menos que 64 edições. A primeira vez em que apareceu, sozinha, na capa da revista, foi em 1972. A reportagem falava do conturbado romance entre Simone e Cristiano, personagen­s vividos por ela e por Francisco Cuoco, na novela Selva de Pedra.

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Coração Bazar,
de José Possi Neto
Na peça teatral Coração Bazar, de José Possi Neto
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“O que me aprisionou foi a repetição de personagen­s parecidos”
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Mademoisel­le
Chanel, no Teatro Faap
Na estreia da peça Mademoisel­le Chanel, no Teatro Faap
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“O que mais desejo na vida é continuar fazendo parte de equipes de trabalho”
 ??  ?? Gabriela Duarte e Regina na estreia da peça Coração Bazar, no Teatro Cultura Artística
Gabriela Duarte e Regina na estreia da peça Coração Bazar, no Teatro Cultura Artística
 ??  ?? Paulo Autran e Regina Duarte na estreia da peça teatral Mademoisel­le Chanel, no Teatro Faap
Paulo Autran e Regina Duarte na estreia da peça teatral Mademoisel­le Chanel, no Teatro Faap
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Com os filhos André Duarte e Gabriela Duarte, no restaurant­e A Cozinha, do qual seu filho é sócio
 ??  ?? Willy Biondani orientando José Mayer e Regina Duarte durante o ensaio fotográfic­o para a campanha de divulgação das novidades da revista Contigo!
Willy Biondani orientando José Mayer e Regina Duarte durante o ensaio fotográfic­o para a campanha de divulgação das novidades da revista Contigo!
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“Sou muito sincera, e isso já me trouxe complicaçõ­es”

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