Angel, o Altíssimo e as lésbicas castas
Coisa esquisita é cabeça de gente. E, quando gente assume a função de telespectador, os absurdos ultrapassam a ficção. O país vive um clima medonho, o reacionarismo e a intolerância imperam, a economia está de pernas para o ar, mas tem gente que se preocupa mesmo é com os valores que a televisão leva a essa célula pura que é a família tradicional, embora poucos consigam definir hoje o que seja uma, mais rara que a ararinha azul. Quem sabe o que quer fazer de sua vida moral e sexual decide isso com base em convicções que passam por tudo, menos por aprendizado via novela. A rejeição ao casal lésbico interpretado por Fernanda Montenegro (Teresa) e Nathália Timberg (Estela) teve muito menos a ver com o fato de se tratar de lésbicas e muito mais com fetiches e fantasias masculinas e com religiosidade feminina.
Um beijo entre duas mulheres símbolos sexuais, ah, os homens acham lindo. Entre duas velhas? Jamais. Está todo mundo indócil, indelicado, interpretando na vida pública personagens afetivos sem equivalência na própria vida privada, todos tomados por instintos radicais de mau humor, indelicadeza, intolerância e egoísmo em graus extremos, sejam filhos, pais, maridos, amantes e raivosos avozinhos religiosos disfarçados de poços de ternura. Vem cá: isso é hora de conclamar a família contra a homossexualidade de ninguém, menos ainda contra personagens televisivos? O telespectador é tão hipócrita que, se um mês antes babava de ódio contra um selinho entre duas atrizes veteranas, agora baba de outro jeito, de pura excitação, ao ver a bunda tenra do ator Rodrigo Lombardi (Alex) pagando para fazer sexo com uma modelo menor de idade, Angel (Camila Queiroz).
SOFT PORNÔ Fazer sexo com menores e ainda pagar por isso tem nome, né não? Mas aí as fantasias sexuais emboloradas de muita gente querem mais é espraiar-se nesse delírio erótico de segunda mão. Se Lombardi fosse feio, velho ou tivesse bunda flácida, os felicianos covers certamente não estariam delirando sem queixas diante daquelas cenas tórridas. Em Verdades Secretas tem gigolô, agenciamento de menores, drogas, prostituição e galã subindo pelas paredes a ponto de seduzir mãe de ninfeta para viver romance proibido com filha adolescente. Mas onde há beleza e juventude, tudo é ficção e suspense. A coisa é tão explícita contra idade que os sites de jornalismo de fofoca se referem sem pudor à mãe da personagem (Drica Morais) com um xingamento estético: a véia (sic).
O mal, visto no casal de senhoras de Babilônia, pouco teve de moralismo puro e muito de rejeição às formas de viver a cama na velhice. Tanto é assim que personagens masculinos na mesma trama, mas jovens, másculos e esportistas, agora se insinuam num balé prévio de acasalamento gay no núcleo da praia e as hostes familiares não acham nada demais, talvez ansiosas que estão para o relógio as levarem logo aos atributos físicos de Lombardi e à ninfeta nitroglicerinada.
Diante da crise do país, Verdades Secretas talvez acalme as senhorinhas religiosas que nem mais fingem escandalizar-se com um pai que contrata menores de idade para sexo, e vê, incrédulo, a própria filha chegar à sua suíte de hotel. As senhorinhas “pira” de emoção e ninguém boicota nada. Verdades Secretas é o carnaval erótico televisual dos que se acalmaram desde que os pastores convocaram o Altíssimo para polícia da cama alheia, transformando Teresa e Estela em lésbicas castas e assexuadas. Santa hipocrisia essa, incomodada com a vida sexual dos idosos, mas delirante com o soft pornô estilizado, com os corpos certos sob jogos de luzes cenográficas que revelam seios, púbis, nádegas e outras cositas pudendas.