Correio da Bahia

Alívio e dúvida

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A primeira sensação foi de alívio com o acordo da Grécia após a reunião-maratona na Europa. Depois, veio a dúvida se o preço da Grécia ficou alto demais e, portanto, se o acordo é sustentáve­l. O primeiro-ministro, Alexis Tsipras, enfrenta resistênci­a em casa por ter aceitado o que rejeitara, mas a chanceler Angela Merkel também teve que ceder da proposta feita, de expulsão temporária. A proposta da Alemanha era muito ruim. A saída da Grécia por cinco anos da zona do euro não tinha amparo no tratado do bloco e teria efeitos previsívei­s: todos perderiam. Os credores enfrentari­am o calote. Por que e como pagar ao clube do qual você foi expulso? Na Grécia, haveria uma devastação econômica, se fosse reintroduz­ida uma moeda fraca e temporária como a dracma. O mistério é como a Alemanha, que viveu todas as consequênc­ias de um processo de rejeição da moeda, pode ter tido ideia tão desatinada. A Alemanha tentou melhorar a proposta, oferecendo uma ajuda humanitári­a, pós-expulsão, o que levou a França a reagir, dizendo que a Grécia precisava de um acordo e não de caridade. Se o leitor quiser fazer um exercício de quem tem razão, descobrirá que ambos têm. A Alemanha dirá que já emprestou muito, aceitou uma redução de dívida, e este é o terceiro acordo com a Grécia. Por outro lado, a Grécia poderá dizer que em cinco anos fez muito esforço, tentou cumprir o combinado, teve sucesso pontual, mas sua dívida cresceu de 108% para 170% do PIB. O presidente francês, François Hollande, quis encontrar um meio termo, que resumiu na frase: “Não à austeridad­e sem cresciment­o; não ao cresciment­o sem austeridad­e.” O problema é que não basta ter razão no caso grego, é preciso encontrar uma solução que funcione. Conhecemos a luta entre credores e devedores. O Brasil foi considerad­o “caloteiro” até que os bancos e governos credores foram convencido­s, num inteligent­e processo de negociação, a conceder um grande desconto em troca do esforço brasileiro para pagamento da dívida. Deu certo, e nos livramos da herança deixada pelos governos militares na negociação liderada pelo economista Pedro Malan, no início dos anos 90. Mais dramáticos são os exem- plos históricos vividos pela Alemanha. Quando a dívida de guerra imposta foi alta demais, ela entrou em colapso econômico e político. A França tinha direito de confiscar a produção de aço dos alemães, caso eles não pagassem. O fim da história todos sabem: hiperinfla­ção, nazismo, Segunda Guerra. Depois disso, os vencedores ofereceram um acordo com perdão de dívida e incentivos ao cresciment­o, a despeito do horror da divisão do país. A Alemanha pode dizer que cedeu neste fim de semana, porque queria que o fundo de € 50 bilhões com lastro de ativos gregos fosse administra­do pela Europa, mas acabou ficando sob supervisão grega. Os contribuin­tes alemães podem reclamar de um novo empréstimo de € 86 bilhões a quem não tem capacidade de pagar a dívida atualmente. Os gregos podem dizer que eles votaram vigorosame­nte pela rejeição daqueles termos do acordo e agora o primeiro-ministro, Alexis Tsipras, concordou com quase tudo. O problema mais aflitivo agora é quando e como abrir os bancos gregos. Pode-se imaginar a agonia de viver o cotidiano com bancos fechados por duas semanas. A nova data para a reabertura é quarta-feira, embora ainda não exista garantia de que isso vá acontecer. É natural, em momento assim, que haja uma corrida bancária tão logo as portas se abram. Só um acordo forte, com empréstimo imediato, poderia evitar a corrida. Quanto maior a dúvida sobre a sustentabi­lidade do acordo, maior será o impulso do cidadão grego de raspar a sua conta bancária. O não pagamento ao FMI ontem, pela segunda vez em poucas semanas, aumenta essa sensação de inseguranç­a. Tsipras, ao fechar os bancos, sair da negociação e convocar o referendo, fez uma aposta de alto risco, que já afetou a economia grega. Merkel, ao endurecer tanto o jogo, pode não ter agradado nem aos gregos nem aos alemães. Tudo vai bem quando acaba bem, mas ontem a sensação é de que nada havia acabado ainda. Agora, falam os parlamento­s. A análise do que foi concedido por ambos os lados pode eliminar a sensação de alívio e confirmar o ambiente de dúvidas que cerca a economia da Grécia e o futuro da Europa.

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miriamleit­ao@oglobo.com.br

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