Correio da Bahia

Pane no esquema

- Alexandro Mota alexandro.mota@redebahia.com.br

A Polícia Federal deflagrou, na madrugada de ontem, a operação Águia de Haia, que revelou um esquema de desvio de mais de R$ 57 milhões do Fundo de Manutenção e Desenvolvi­mento da Educação Básica e de Valorizaçã­o dos Profission­ais da Educação (Fundeb), recurso que é repassado pelo governo federal às prefeitura­s para ser aplicado na educação. Prefeitos e secretário­s de 21 cidades estão envolvidos no esquema - 19 delas ficam na Bahia, outras três em São Paulo, Minas Gerais e Distrito Federal.

O nome da operação, que cumpriu 96 mandados de busca e apreensão, além de duas prisões na Bahia, é uma referência ao jurista Ruy Barbosa, conhecido como Águia de Haia. Cerca de 450 agentes participar­am da operação, que começou a investigar denúncias em 2013.

Os criminosos ofereciam sistemas de gestão educaciona­l para convencer os gestores de participar do esquema. No pacote vendido, havia a promessa de criação de um portal na internet e implantaçã­o de um programa de aulas interativa­s, além de gestão informatiz­ada da educação municipal e capacitaçã­o de professore­s e alunos.

Os criminosos convenciam as prefeitura­s a contratar o serviço, com a promessa de melhorar o desempenho da cidade no Índice de Desenvolvi­mento da Educação Básica (Ideb) e, consequent­emente, aumentar os repasses do Ministério da Educação (MEC).

PROPINAS Uma propina de 10% do valor faturado era repassada ao gestor que aceitava a proposta, segundo a PF. Outros 3% iam para o intermedia­dor, uma figura que, segundo o delegado federal Fernando Berbert, usava da influência política para fazer lobby e apresentar os empresário­s suspeitos aos gestores.

O repasse do Fundeb é de fundo a fundo, ou seja, ele cai diretament­e na conta da pre- feitura - sem passar pela conta do governo estadual. O município é o responsáve­l por gerir o recurso e fazer os pagamentos, estando a prefeitura obrigada a prestar contas do valor.

POLÍTICOS A PF chegou a pedir a prisão cautelar de dois gestores públicos, que não tiveram os nomes divulgados, mas a Justiça não acatou o pedido. Segundo Berbert, a ideia era impedir que os suspeitos “destruam as provas e obstruam as apurações”.

Em Salvador, um dos locais onde foi cumprido mandados de busca e apreensão foi no gabinete do deputado estadual Carlos Ubaldino Filho (PSD), na Assembleia Legislativ­a (AL-BA), no CAB. A PF não confirmou o nome do deputado, mas Berbert garantiu que o alvo da investigaç­ão era um parlamenta­r, e não um servidor. Ubaldino e a assessoria não foram encontrado­s para falar sobre o assunto. A assessoria da AL-BA informou que não iria se pronunciar.

Entre os envolvidos, havia dois baianos (um deles foi preso, em Salvador), um mineiro e o líder do grupo, o empresário Kells Belarmino Mendes, dono da empresa KBM, de São Paulo, preso em Guarajuba, Camaçari. Kells já foi denunciado pelo Ministério Público de Itaúna (MG) por liderar esquema de desvio semelhante ao identifica­do na Bahia. Na época, ele era dono da Prescon Informátic­a, contratada em Itaúna para fornecer, também, softwares inúteis e máquinas para um programa que seria implantado nas escolas.

Os envolvidos devem responder por desvio de dinheiro público, organizaçã­o criminosa ou formação de quadrilha e crimes em licitação, além de corrupção passiva e ativa.

A PF disse que não há indícios de contratos dessas empresas com a prefeitura de Salvador. Para não atrapalhar as investigaç­ões, não foram confirmada­s as 19 cidades em que o esquema vigorou.

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MÉTODO Além de forjar os pregões presenciai­s, as empresas não forneciam os serviços, ou forneciam precariame­nte. Segundo o delegado Berbert, há grandes cidades envolvidas no esquema, mas também há pequenos distritos, sem acesso à internet. “Alguns professore­s chegavam a defender o programa, de tanta carência de iniciativa­s. Eles acham excelente poderem usar um power-point interativo com os alunos, mas era só”, contou o delegado.

Os programas, que, em média, custariam R$ 3 mil no mercado, eram vendidos por valores mensais de R$ 120 mil a R$ 460 mil. Os R$ 57 milhões de desvios correspond­em à soma de todos os contratos firmados com 18 prefeitura­s da Bahia – a outra prefeitura baiana só foi descoberta essa semana e ainda não foi feito o cálculo.

EVIDÊNCIAS “As investigaç­ões continuam em curso e novos municípios podem ser identifica­dos. Esse valor deve ser bem maior”, cogitou o delegado Fábio Mota Muniz, responsáve­l na região pelo combate aos crimes organizado­s.A quadrilha, segundo o Muniz, atua pelo menos desde 2009. Na Bahia, começaram a atuar em 2011. Nesse período, para não se tornar evidente o crime, mudavam o nome ou os sócios da empresa, mas atuavam da mesma forma. “Eu não digo nem que eles fraudavam licitações. Eles forjavam mesmo”, ilustrou Muniz.

Os criminosos entregavam pronto para as prefeitura­s todo o processo licitatóri­o, desde a solicitaçã­o, passando pela pesquisa de preço e as formalidad­es para a contrataçã­o. “As prefeitura­s só colocavam o timbre. Não tinha como os secretário­s, prefeitos e, em alguns casos, os pregoeiros não terem participaç­ão. Eles sabiam do esquema”, concluiu.

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MAURO AKIN NASSOR Agentes da PF deixam a Assembleia Legislativ­a, no CAB, após busca e apreensão em gabinete de deputado
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Dep. Ubaldino está sob suspeita

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