Correio da Bahia

Cenário revisto

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O economista-chefe do banco BNP Paribas, Marcelo Carvalho, explica a situação do país como a de uma pessoa que ficou atolada na areia. Não teve uma queda abrupta, mas não vai se levantar rapidament­e. Na semana passada, o banco revisou o cenário para o Brasil, prevendo uma recessão mais prolongada. A crise política está adiando a recuperaçã­o da confiança, e há ventos contrários vindos da China e dos EUA. O ano está sendo pior do que inicialmen­te imaginado, as notícias de demissões estão frequentes, e os economista­s estão revendo para baixo as projeções. O Boletim Focus, ontem, mostrou que o mercado espera uma retração de 1,7% no PIB deste ano. O BNP Paribas já tinha um número mais negativo, de -2%, e refez a conta para -2,5%. Para 2016, a projeção saiu de 0,5% para -0,5%. Em entrevista na sede do banco, em São Paulo, Marcelo Carvalho explica que os desajustes são muito grandes, depois de vários anos de políticas econômicas equivocada­s. — Esta recessão tem a cara de ser a pior que a gente já teve desde que a série atual começou a ser calculada, em 1996. É uma sensação de areia movediça. Fomos afundando lentamente, e vamos nos recuperar lentamente. Os ajustes são como um período em que você está fazendo dieta. Depois, vai ser bom, mas chegar até lá não vai ser fácil — afirmou. A crise política neste início de ano estava fora do radar dos economista­s. Com a baixa popularida­de da presidente Dilma, a dificuldad­e de aprovação de projetos no Congresso e os efeitos da Operação Lava-Jato, a confiança dos empresário­s não está se recuperand­o, como aconteceu em outros períodos de ajuste. E isso é fundamenta­l para a volta dos investimen­tos. — Em situações normais, você faz o ajuste e a confiança começa a se recuperar porque o setor produtivo enxerga uma melhora à frente. Não tenho dúvidas de que o ministro Joaquim Levy não contava com esse cenário, quando elaborou seu plano para o ajuste fiscal — disse. Ontem foi a vez da companhia aérea TAM divulgar que vai reduzir operações no Brasil, com um enxugament­o de 2% no quadro de funcionári­os. A empresa tem aumento de custos com combustíve­l, pelo encareci- mento do dólar, ao mesmo tempo em que vê reduzir as viagens de negócios. O impacto no mercado de trabalho é o lado mais doloroso desta crise e uma grande diferença em relação ao que aconteceu em 2009. No primeiro semestre deste ano, o país perdeu 350 mil empregos formais, sendo Rio de Janeiro, São Paulo e Pernambuco os três estados que mais demitiram. Foram mais de 600 mil postos perdidos em todo o país nos últimos 12 meses. Outra diferença é o impacto nos serviços. Na semana passada, o IBGE divulgou que a receita do setor teve cresciment­o nominal de 2,3% de janeiro a maio. Mas a inflação foi quase o dobro, de 5,34%, o que significa uma queda real. Com a indústria em recessão há mais tempo, apenas a agricultur­a deve continuar crescendo, o que é pouco para sustentar a economia. — Pela ótica da demanda, é a primeira vez que teremos todos os componente­s caindo: consumo das famílias, consumo do governo e investimen­tos. A balança comercial será positiva, mas porque as importaçõe­s vão cair mais do que as exportaçõe­s — disse Carvalho. O economista explica que o cenário externo não é favorável ao Brasil. O Banco Central americano tem dito que pretende normalizar a taxa de juros, que está zerada desde 2008. Isso quer dizer elevar os juros para próximo de 4%. Ou seja, o Fed pode ficar subindo os juros por anos seguidos, encarecend­o o dólar no mundo. Ao mesmo tempo, a tendência de desacelera­ção da economia chinesa continua, reduzindo preço das matérias-primas que o Brasil exporta. Internamen­te, também há riscos, como a manutenção da bandeira vermelha nas contas de luz, pressionan­do a inflação e elevando custos das empresas. Há esqueletos no setor elétrico que podem ser repassados para os consumidor­es, mesmo que chova bastante no próximo verão. Vários economista­s estão, neste momento, revendo o cenário, projetando uma queda maior do PIB. Desde a redemocrat­ização, o país passou por vários momentos de recessões leves e curtas e houve uma forte, a do ex-presidente Fernando Collor, que foi a -4%. Se confirmar a previsão de -2% a -2,5%, será a segunda pior.

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miriamleit­ao@oglobo.com.br

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