Correio da Bahia

PARADA DO MEDO

- Clarissa Pacheco e Thais Borges mais@correio24h­oras.com.br

“Sinta-se seguro! Este local está sendo filmado e gravado”, diz a antiga placa dentro de um dos três estacionam­entos do Pelourinho. Diante da mensagem, o cliente talvez diminua a apreensão, em meio ao breu geral e a ausência de vivalma, mas quem estiver ciente de que apenas duas câmeras ‘garantem’ sua segurança – uma voltada para cada lateral da escada que dá acesso à Praça das Artes –, certamente tomará a atitude de adiantar o passo.

Nos pavimentos que comportam 200 carros e 40 motos, a escuridão é interrompi­da, raras vezes, por uma ou outra lâmpada acesa e, de dia, pela luz solar, que entra por pequenas frestas. No chão, há lixo, poças de água e até de xixi. E não é difícil encontrar materiais aparenteme­nte já usados para consumir crack. As paredes estão amareladas pela umidade e achar um segurança é tarefa árdua. Ontem, CORREIO circulou por vários pavimentos sem encontrar nenhum.

Esses problemas, além dos preços, alvo de reclamaçõe­s constantes de clientes e comerciant­es, têm motivado uma batalha judicial entre a empresa Master Park, que explora os espaços, e os donos dos estacionam­entos: o Instituto do Patrimônio Artístico e Cultural da Bahia (Ipac) e a Ordem Terceira de São Francisco. Com contratos vencidos desde maio e abril deste ano, respectiva­mente, os donos querem os espaços de volta, mas a empresa se mantém operando com autorizaçã­o da Justiça.

Pelo serviço, o usuário paga, na primeira hora do estacionam­ento da Ladeira do Pax, pertencent­e à Ordem Terceira de São Francisco, R$ 9. Na segunda, o preço sobe para R$ 18 e na terceira, para R$ 27. A hora adicional, a partir daí, custa R$ 8 e não há tolerância. São 600 vagas.

Nos outros estacionam­entos, há tarifas menores: R$ 7 na primeira hora, R$ 11 na segunda e R$ 15 na terceira, com cada hora adicional a R$ 2. Mas em tempos de festa, a situação muda. “Um amigo veio dar uma olhada no São João e ficou indignado: pagou R$ 40 como tarifa única”, lembra a comerciant­e Elaine dos Santos, 34.

QUEIXAS Para quem frequenta os estacionam­entos, várias queixas. “Aí não tem serviço nenhum, eles só fazem cobrar. Eu sou mensalista há anos e é um descaso total”, afirmou um cliente, que não quis se identifica­r. O funcionári­o público Sérgio Sacramento, cliente há oito anos e que paga R$ 200 como mensalista, conta que não há segurança, nem higiene.

Ele se queixa de usuários de drogas circulando livremente pelos pavimentos. “É como se a gente deixasse o carro na rua. O povo entra aqui, se droga, faz sexo. O banheiro está sempre sujo. Não sei como essa empresa conseguiu vencer a licitação”, questionou.

Moradora do Pelourinho, a escritora Aninha Franco é mensalista do estacionam­ento da Ladeira do Pax e conta que já chegou ao local às 22h e encontrou cerca de 15 pessoas dormindo na parte interna. “O problema daqueles três estacionam­entos é que estão explorados pela mesma empresa. Sem concorrênc­ia, eles fazem o que querem”, avaliou.

No local, os funcionári­os disseram que não estavam autorizado­s a falar sobre as queixas. Segundo a administra­ção dos estacionam­entos, o diretor estava viajando.

BATALHA JUDICIAL A empresa Master Park explora o uso dos três estacionam­entos do Pelourinho, sendo dois pertencent­es ao Instituto do Patrimônio Artístico e Cultural (Ipac) e um terceiro, o maior deles, de propriedad­e da Ordem Terceira de São Francisco.

De acordo com o Ipac, a empresa venceu uma concorrênc­ia pública em 2011 para explorar o serviço nos dois estacionam­entos pertencent­es ao órgão: o da Praça das Artes e outro com acesso pela Rua Inácio Aciolly, próximo ao Teatro XVIII. O contrato venceu no dia 27 de maio, mas a empresa continua lá. Ainda conforme o Ipac, a exploração, desde então, é ilegal, mas a Justiça autorizou que a Master Park permaneça até o final do processo judicial. O instituo diz ainda que a empresa vem descumprin­do cláusulas do contrato desde 2012, quando foi pedida a reintegraç­ão de posse. Caso consiga reaver o espaço, o órgão diz que ele será reformado e voltará a funcionar com “preços compatívei­s com o mercado”, já que consideram os valores de hoje “abusivos”.

Em nota, o Ipac listou as razões para o pedido: “Falta de manutenção dos imóveis, incluindo ausência de limpeza e iluminação; não provimento de segurança patrimonia­l; ausência de seguro obrigatóri­o para cobertura de roubos e danos causados aos veículos; cobrança de preços abusivos” são alguns dos itens.

Quem também entrou na Justiça contra a Master Park foi a Ordem Terceira de São Francisco. Segundo seu presidente, Jayme Baleeiro, o contrato de locação com a empresa venceu no dia 10 de abril deste ano, mas a empresa se recusou a deixar o lugar após o prazo legal de 60 dias, encerrado em 10 de junho.

Por conta disso, a Ordem conseguiu, por meio de liminar, uma ordem de despejo, em 25 de junho, com prazo legal de 15 dias para que a empresa deixasse o local, o que também não aconteceu.

“Pelo que fui informado, na sexta passada, haveria uma liminar em favor da Master, suspendend­o o nosso pedido de despejo. Entretanto, nossos advogados estão recorrendo da decisão”, disse Baleeiro. Ele também contou que pretende fixar limites e controle sobre os preços, caso consiga retomar o espaço.

Procurado, o gerente operaciona­l da Master Park, Robson Ximenes, disse ao CORREIO que a empresa prefere não se posicionar mais sobre o assunto. “Estamos operando com amparo legal. Até segunda ordem, não vamos declarar nada”, afirmou.

Entidades tentam reaver posse de estacionam­entos no Pelourinho

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Placa com número de telefone antigo, no estacionam­ento que dá acesso à Praça das Artes, garante segurança para clientes: ‘Sinta-se seguro!’

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