PARADA DO MEDO
“Sinta-se seguro! Este local está sendo filmado e gravado”, diz a antiga placa dentro de um dos três estacionamentos do Pelourinho. Diante da mensagem, o cliente talvez diminua a apreensão, em meio ao breu geral e a ausência de vivalma, mas quem estiver ciente de que apenas duas câmeras ‘garantem’ sua segurança – uma voltada para cada lateral da escada que dá acesso à Praça das Artes –, certamente tomará a atitude de adiantar o passo.
Nos pavimentos que comportam 200 carros e 40 motos, a escuridão é interrompida, raras vezes, por uma ou outra lâmpada acesa e, de dia, pela luz solar, que entra por pequenas frestas. No chão, há lixo, poças de água e até de xixi. E não é difícil encontrar materiais aparentemente já usados para consumir crack. As paredes estão amareladas pela umidade e achar um segurança é tarefa árdua. Ontem, CORREIO circulou por vários pavimentos sem encontrar nenhum.
Esses problemas, além dos preços, alvo de reclamações constantes de clientes e comerciantes, têm motivado uma batalha judicial entre a empresa Master Park, que explora os espaços, e os donos dos estacionamentos: o Instituto do Patrimônio Artístico e Cultural da Bahia (Ipac) e a Ordem Terceira de São Francisco. Com contratos vencidos desde maio e abril deste ano, respectivamente, os donos querem os espaços de volta, mas a empresa se mantém operando com autorização da Justiça.
Pelo serviço, o usuário paga, na primeira hora do estacionamento da Ladeira do Pax, pertencente à Ordem Terceira de São Francisco, R$ 9. Na segunda, o preço sobe para R$ 18 e na terceira, para R$ 27. A hora adicional, a partir daí, custa R$ 8 e não há tolerância. São 600 vagas.
Nos outros estacionamentos, há tarifas menores: R$ 7 na primeira hora, R$ 11 na segunda e R$ 15 na terceira, com cada hora adicional a R$ 2. Mas em tempos de festa, a situação muda. “Um amigo veio dar uma olhada no São João e ficou indignado: pagou R$ 40 como tarifa única”, lembra a comerciante Elaine dos Santos, 34.
QUEIXAS Para quem frequenta os estacionamentos, várias queixas. “Aí não tem serviço nenhum, eles só fazem cobrar. Eu sou mensalista há anos e é um descaso total”, afirmou um cliente, que não quis se identificar. O funcionário público Sérgio Sacramento, cliente há oito anos e que paga R$ 200 como mensalista, conta que não há segurança, nem higiene.
Ele se queixa de usuários de drogas circulando livremente pelos pavimentos. “É como se a gente deixasse o carro na rua. O povo entra aqui, se droga, faz sexo. O banheiro está sempre sujo. Não sei como essa empresa conseguiu vencer a licitação”, questionou.
Moradora do Pelourinho, a escritora Aninha Franco é mensalista do estacionamento da Ladeira do Pax e conta que já chegou ao local às 22h e encontrou cerca de 15 pessoas dormindo na parte interna. “O problema daqueles três estacionamentos é que estão explorados pela mesma empresa. Sem concorrência, eles fazem o que querem”, avaliou.
No local, os funcionários disseram que não estavam autorizados a falar sobre as queixas. Segundo a administração dos estacionamentos, o diretor estava viajando.
BATALHA JUDICIAL A empresa Master Park explora o uso dos três estacionamentos do Pelourinho, sendo dois pertencentes ao Instituto do Patrimônio Artístico e Cultural (Ipac) e um terceiro, o maior deles, de propriedade da Ordem Terceira de São Francisco.
De acordo com o Ipac, a empresa venceu uma concorrência pública em 2011 para explorar o serviço nos dois estacionamentos pertencentes ao órgão: o da Praça das Artes e outro com acesso pela Rua Inácio Aciolly, próximo ao Teatro XVIII. O contrato venceu no dia 27 de maio, mas a empresa continua lá. Ainda conforme o Ipac, a exploração, desde então, é ilegal, mas a Justiça autorizou que a Master Park permaneça até o final do processo judicial. O instituo diz ainda que a empresa vem descumprindo cláusulas do contrato desde 2012, quando foi pedida a reintegração de posse. Caso consiga reaver o espaço, o órgão diz que ele será reformado e voltará a funcionar com “preços compatíveis com o mercado”, já que consideram os valores de hoje “abusivos”.
Em nota, o Ipac listou as razões para o pedido: “Falta de manutenção dos imóveis, incluindo ausência de limpeza e iluminação; não provimento de segurança patrimonial; ausência de seguro obrigatório para cobertura de roubos e danos causados aos veículos; cobrança de preços abusivos” são alguns dos itens.
Quem também entrou na Justiça contra a Master Park foi a Ordem Terceira de São Francisco. Segundo seu presidente, Jayme Baleeiro, o contrato de locação com a empresa venceu no dia 10 de abril deste ano, mas a empresa se recusou a deixar o lugar após o prazo legal de 60 dias, encerrado em 10 de junho.
Por conta disso, a Ordem conseguiu, por meio de liminar, uma ordem de despejo, em 25 de junho, com prazo legal de 15 dias para que a empresa deixasse o local, o que também não aconteceu.
“Pelo que fui informado, na sexta passada, haveria uma liminar em favor da Master, suspendendo o nosso pedido de despejo. Entretanto, nossos advogados estão recorrendo da decisão”, disse Baleeiro. Ele também contou que pretende fixar limites e controle sobre os preços, caso consiga retomar o espaço.
Procurado, o gerente operacional da Master Park, Robson Ximenes, disse ao CORREIO que a empresa prefere não se posicionar mais sobre o assunto. “Estamos operando com amparo legal. Até segunda ordem, não vamos declarar nada”, afirmou.
Entidades tentam reaver posse de estacionamentos no Pelourinho