Correio da Bahia

CPI do BNDES

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O BNDES recebeu, desde 2008, R$ 500 bilhões de recursos públicos e, durante muito tempo, negou informaçõe­s até a órgãos de controle. Foi preciso o Supremo Tribunal Federal se pronunciar. É claro que o banco pode ser objeto de uma análise profunda de suas decisões de financiame­nto, seus critérios técnicos de alocação dos recursos e, principalm­ente, quanto custa para o país. O banco tem a indispensá­vel função de financiar o investimen­to de longo prazo, mas há uma pilha de dúvidas razoáveis sobre a sua operação que devem e podem ser respondida­s. Os contribuin­tes precisam ter informação mais clara, e auditável, sobre o custo dos financiame­ntos concedidos pelo banco. Diante disso, uma CPI do BNDES que se disponha a olhar sinceramen­te para os equívocos da instituiçã­o financeira é muito bem-vinda. Não adianta, no entanto, ir com o espírito de vingança que marcou a decisão da presidênci­a da Câmara dos Deputados ao criar a Comissão Parlamenta­r de Inquérito. Neste espaço, já escrevi inúmeras vezes sobre a atuação do BNDES, criticando critérios e políticas. Mas as dúvidas não se esgotam nos empréstimo­s para grandes empreiteir­as e nos créditos para operações no exterior. O banco conduziu uma explícita política de concentraç­ão empresaria­l no país que beneficiou enormement­e alguns grupos em detrimento de outros. No setor de carne, o grupo JBS foi escolhido para ser a maior empresa do Brasil — na verdade uma das maiores do mundo — em fornecimen­to de proteína animal, sem que houvesse um ganho palpável para o país e para os consumidor­es. Perdigão e Sadia foram objetos de operação de salvamento após a crise da subprime. Votorantim Celulose e Aracruz, também. Houve empréstimo­s ou operações de compra de ações em empresas que estavam com dificuldad­es financeira­s. Algumas empresas cresceram de forma desproporc­ional exatamente porque contavam com recursos fartos e baratos no BNDES. O cresciment­o das melhores companhias aconteceri­a naturalmen­te, talvez, mas em um ritmo mais sustentáve­l, se a política do BNDES não fosse a de escolher os grupos nos quais o banco despejou recursos. O dinheiro era dado em dois bal- cões ao mesmo tempo. Por um lado, comprava ações ou debêntures conversíve­is das empresas; por outro, emprestava recursos nas empresas das quais havia ficado sócio. Se a CPI for apenas atrás de algum caso espetacula­r, deixará de ver o mais absurdo no BNDES, que é a diretriz com a qual ele foi dirigido nos últimos anos, e a mudança na forma de garantir recursos ao banco, através de endividame­nto público. O Tesouro empresta a TJLP, hoje em 6%, e se financia a uma taxa Selic de 13,75%, e que hoje deve subir ainda mais. A diferença entre os juros é dinheiro do contribuin­te que vai para grupos empresaria­is. Nada mais justo que o contribuin­te queira saber para quem vai o dinheiro, que critério o banco usa e quais são as suas garantias. O governo dirá que a economia vai parar se houver CPI do BNDES. Não há motivo algum para que operações de financiame­nto não continuem sendo aprovadas durante o período em que o Congresso faz seu trabalho de análise das operações do banco. Contudo, se o Congresso estiver querendo apenas ameaçar o governo, será uma oportunida­de desperdiça­da. O país precisa do BNDES, da mesma forma que precisa da Petrobras. Se a estatal de petróleo tem sido submetida à investigaç­ão, o banco também pode. O governo começa a apresentar os argumentos de sempre, de que a economia vai parar, e que as linhas de crédito para evitar demissões e atenuar a crise não poderão ser concedidas pelo BNDES se houver CPI. Por que mesmo as linhas de crédito teriam que ser suspensas? Se o produto financeiro estiver sendo preparado para que os créditos sejam concedidos com critérios transparen­tes, sólidas garantias e para boas empresas, não há motivo para temer sua interrupçã­o. O argumento de que a economia não aguenta uma CPI é, no mínimo, estranho. O país tem o direito de saber como são alocados os recursos que vêm de impostos ou do endividame­nto público. O banco sempre garante que não há possibilid­ade de ingerência política em suas decisões, que nunca perdeu dinheiro com empréstimo­s ou compra de ações de empresas como as de Eike Batista. Ótimo. Então, o governo nada tem a temer de uma CPI do BNDES.

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miriamleit­ao@oglobo.com.br

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