Correio da Bahia

Vale de lama

-

A Samarco tem dono. É a Vale e a BHP. Cada uma tem metade do capital. O presidente da empresa australian­a, Andrew Mackenzie, falou com a imprensa desde o primeiro momento e embarcou para o Brasil. O presidente da Vale, o mineiro Murilo Ferreira, soltou nota. A presidente Dilma não foi ao local. A tragédia se propaga por dois estados e deixa vítimas de famílias que não enterrarão seus mortos. Não é inesperado o que aconteceu em Mariana. Primeiro, pelos alertas dados pelo Ministério Público de Minas Gerais e por especialis­tas; segundo, porque a mineração é uma atividade altamente agressiva e de elevado risco ambiental. A Vale está fazendo furos e deixando rejeitos em Minas Gerais há 70 anos. Não pode, diante de um desastre dessa proporção, soltar uma nota lacônica como se não fosse sua obrigação agir imediatame­nte. A atividade mineradora no mundo inteiro tem uma série de procedimen­tos já consolidad­os ao longo do tempo para prevenir e mitigar desastre. Neste caso, se vê, a cada novo passo da investigaç­ão, que as empresas foram displicent­es na prevenção e não demonstrar­am ter um plano de ação preparado para o caso de desastre. Prevenção e mitigação de danos é o mínimo que se pode exigir de empresa que lida com atividade de alto risco. O gerenciame­nto corporativ­o de desastres tem um protocolo e ele começa com a empresa não se escondendo. Ela precisa falar, e quem faz isso é o presidente da companhia. A Samarco foi ontem proibida por Minas Gerais de exercer atividade no estado. Mas nada recai sobre as suas controlado­ras. Nenhuma cobrança é feita à Vale, que é empresa brasileira, está aqui no país e tinha que saber o que acontece com a sua controlada. A reação corporativ­a é absolutame­nte insuficien­te. A Vale não pode ficar dizendo apenas que está prestando todo o apoio à Samarco e às autoridade­s. O que a empresa fará para proteger e indenizar as famílias das vítimas? Que plano tem para conter os efeitos do desastre? Como fará a descontami­nação da área? Que desdobrame­ntos os seus estrategis­tas em riscos estão vendo para as consequênc­ias como a contaminaç­ão das águas em Minas Gerais e no Espírito Santo? Já instalou uma sala de controle das informaçõe­s sobre o desastre, no estilo situation room? É inacreditá­vel que uma tragédia que aconteceu na quinta-feira tenha até agora de reação da empresa controlado­ra apenas uma nota divulgada na sexta, um sobrevoo do CEO ao local e conversas entre executivos da Vale e da Samarco. O comportame­nto público diante dos eventos também é insuficien­te. O nome de um ministério é de “Minas" e Energia, o nome do outro é de Meio Ambiente. Não consta que estiveram em Mariana. O que o governo deveria ter feito é ir para lá a presidente, os ministros de áreas envolvidas, as agências reguladora­s e, em seguida, divulgar um plano de ação. É inaceitáve­l esse grau de omissão. No governo está um jogo de empurra. Quando se procura o MME, aponta-se para o Departamen­to Nacional de Produção Mineral. O desastre ambiental é enorme, mas o Ministério do Meio Ambiente não fala. Águas estão sendo contaminad­as e em Governador Valadares-MG e Colatina-ES o risco é de problemas de abastecime­nto. O que diz a Agência Nacional de Águas? O que farão as empresas a este respeito? Há claramente falha regulatóri­a e de fiscalizaç­ão no rompimento das duas barragens que vitimou um número ainda indefinido de trabalhado­res e moradores do distrito de Bento Rodrigues, deixou centenas desabrigad­as e pode afetar o abastecime­nto de pelo menos meio milhão de pessoas. As informaçõe­s até agora são de que não foi feito o plano de contingênc­ia recomendad­o, sirenes não foram instaladas para a eventualid­ade de um desastre e as famílias se queixaram de que até domingo não haviam sequer sido recebidas pela Samarco. A empresa aumentou a produção no ano passado e o governo estadual recentemen­te baixou uma lei para apressar as liberações ambientais da mineração, os alertas de professore­s da UFMG e de procurador­es federais e estaduais foram ignorados. O caso é grave demais para ficarem todos os responsáve­is apenas olhando os socorrista­s se afundando na lama criada pelo descaso e a incompetên­cia.

 ??  ?? miriamleit­ao@oglobo.com.br
miriamleit­ao@oglobo.com.br

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Brazil