Tolerância zero
Tenho certeza absoluta que Barack Obama sente raiva quando sabe ou vê que os policiais brancos, como sempre o foi historicamente, estão continuando a dar preferência aos negros em suas ações em nome da lei. Claro que, como presidente de uma nação, ele não pode externar o que vai em seus sentimentos. Tem de oferecer ao público vãs filosofias e palavras de conforto e entendimento. Mas, como negro, alguma coisa deve agoniar por dentro. Mas é preciso contemporizar.
Os últimos fatos comprovam, embora as autoridades não queiram apreender, é que existe, sim, uma guerra civil nos Estados Unidos. Policiais matam negros e negros matam policiais. Os negros, pode ser coincidência, são os alvos preferenciais da polícia, notadamente em Nova Iorque, embora os números de forma geral neguem essa tendência. A questão é a circunstância em que as vítimas foram assassinadas. No primeiro semestre deste ano, a polícia assassinou 279 brancos, 136 negros, 88 hispânicos/latinos, 13 indígenas e 10 asiáticos e mais outros não identificados. O problema é que, quando a polícia agiu contra os homens brancos, esses estavam realmente cometendo, comprovadamente, os delitos. Flagrantes. Já os negros dizimados estavam apenas sob suspeita ou custódia. Ou cometiam pequenos delitos como dirigir com carteira de motorista com data vencida, por exemplo. Dá para entender a diferença nas atitudes?
Anos passados em NY, na Time Square, apreciei uma cena que só tinha visto em filmes. Um homem negro e um branco que vendiam óculos numa banca, na calçada, puxaram um saco de papel de uma bolsa e tomaram goles da garrafa que estava no interior. Uma viatura da polícia que estava do outro lado de repente ligou as sirenes e acendeu o giroflex, atravessou loucamente na diagonal as largas pistas da avenida, quase gerando acidente entre os carros, e parou defronte ao camelô negro, um senhor de certa idade. De dentro do carro saíram três policiais: um asiático, um latino e um do tipo irlandês. Cercaram o homem até que ele despejou a bebida no esgoto. Nada fizeram com relação ao camelô branco que também cometia o delito de beber em público.
Era o tempo em que o prefeito da cidade, o político Rudolph Giuliani, tinha implantado a filosofia de “tolerância zero” contra criminosos e quem quiser que cuspisse para o alto ou roubasse um pedaço de pão. Diminuiu sensivelmente as taxas de criminalidade da cidade, mas a polícia com seus “superpoderes” fez e arrebentou. Mas o negro era o público preferencial. Na verdade, nunca ficou arrefecida a segregação racial nos EUA, como bem mostra a falta de oportunidades: moradia, cuidados médicos, educação, emprego. E ela alcança todos os não-brancos.
Aguarda-se a qualquer momento que surjam figuras negras exponenciais na luta contra a discriminação como o foram Martin Luther King ou Malcom X, pedindo igualdade de direitos. Personagens que foram consequentes de anos de luta. Coisa que sabemos muito bem na Bahia, onde por diversas vezes os negros escravizados, como no século XIX, foram à luta, a exemplo do jihad de 1804 dos haussás ou a Revolta dos Malês de 1835. “Black Live Matter”. E a luta continua.