Talentos especiais
Não é preciso ter lido o best-seller de Ransom Riggs, que inspirou a fantasia O Lar das Crianças Peculiares, para sair encantado do cinema. E não me venha dizer que o livro (no caso, O Orfanato da Srta. Peregrine para Crianças Peculiares/Ed. Leya) é melhor e que o novo trabalho da filmografia Tim Burton não capturou a essência do original, porque livro é livro, filme é filme. Até quando um muda um pouco a direção do outro.
O que importa aqui é que ambos, livro e filme, cada um em seu quadrado, contam a mesma história de forma eficiente e com riqueza de poesia, bizarrice e aventura. Cada vez mais autoral, Tim Burton contribui com muita propriedade para contar a história fascinante de um grupo de crianças excluídas, com estranhas habilidades, que vive isolada numa ilha distante da Inglaterra sob a tutela da misteriosa Srta. Peregrine (Eva Green). Tanto que, quanto leu a obra de Riggs pela primeira vez, Burton questionou: “Tem certeza que não fui eu quem escreveu isso?”
Se você enxerga semelhança com os X-Men, da Marvel, saiba que a proximidade se encerra na premissa dos poderes e do afastamento social. Os pupilos de Peregrine não são super-heróis. Apesar de crianças, eles têm mais uma espécie de missão espiritual nesse mundo. Para evitar esse tipo de comparação, porém, tanto Burton quanto Riggs evitam dizer que as crianças têm superpoderes. Preferem dizer “dons sobrenaturais”. Com toques de Peixe Grande e Suas Histórias Maravilhosas (2008), até na cartela de cores retrô, o diretor mostra beleza de uma garotinha de 5 anos com tanta força que pode levantar um carro, ou uma menina tão leve que, para não flutuar, usar sapatos de chumbo e ainda um garoto invisível. Até mesmo Miss Peregrine, ela também tem seu talento de metamorfa.
A trama mostra como o herói adolescente Jake (o promissor Asa Butterlfield, aquela lindeza de A Invenção de Hugo Cabret, de Scorcese) descobre o orfanato e chega lá após a morte de seu avô sob circunstâncias causadas pelo vilão de Samuel L. Jackson. Embora nunca tenha pisado naquele lugar, Jake tem noção de quem são seus habitantes, afinal eram personagens nas histórias contadas por seu avô.
O que Jake não sabe é que ele próprio tem uma missão especial na vida, um propósito muito específico para estar ali. E que existem outros orfanatos como aquele ao redor do mundo, todos em perigo.
Os tipos estranhos tão caros a Tim Burton que fazem parte da trama em O Lar das Crianças Peculiares têm um significado especial na construção do livro de Ransom Riggs. Há anos, ele coleciona fotografias sinistras, compradas em feiras de antiguidades. Um dia, percebeu que tanta bizarrice renderia um livro sobre um mundo escondido. Muitas dessas imagens estão reproduzidas na publicação e serviram de inspiração para os personagens da trama.