Correio da Bahia

Sinais de delação tensionam a República

- Das agências mais@redebahia.com.br

O alerta amarelo ficou vermelho nos corredores do poder em Brasília. Um dia após ser preso por tempo indetermin­ado, o deputado cassado Eduardo Cunha (PMDB-RJ) deu ontem sinais evidentes de que quer abrir a boca e contar para a força-tarefa da Lava Jato tudo que sabe sobre os esquemas de corrupção. A eventual delação premiada do peemedebis­ta agitou ainda mais a cúpula do Planalto e elevou de vez a tensão entre políticos ligados a ele.

O principal indício de que pretende entrar no clube de delatores surgiu no início da tarde, horas após o ex-presidente da Câmara deixar o IML de Curitiba sob forte presença dos jornalista­s e escolta de policiais federais. “É um absurdo”, disse Cunha, ao ser questionad­o sobre sua prisão. Em seguida, a imprensa revelou que o peemedebis­ta havia contratado o advogado Marlus Arns, responsáve­l por acordos de delação de empresário­s investigad­os pela Lava Jato.

Ao deixar a sede da Polícia Federal na capital paranaense, onde teve o primeiro encontro com o deputado cassado, o criminalis­ta especializ­ado em colaboraçõ­es premiadas afirmou que delação premiada “não foi tema de conversa” entre ambos. Por regra, acordos deste tipo são negociados inicialmen­te em sigilo.

Mas a presença do advogado em Curitiba deu mais força às especulaçõ­es sobre o interesse de Cunha em arrastar outros figurões para o olho do tornado político. Foi Arns quem costurou os acordos dos executivos Dalton Avancini, Eduardo Leite e Paulo Augusto Santos, da Camargo Corrêa.

Costurou ainda a delação do empresário João Bernardi Filho e fez a defesa técnica de Ivan Vernon, que era assessor do ex-deputado Pedro Corrêa (PP-PE), de Valério Neves, ligado ao ex-senador Gim Argello (PTB-DF), e de João Cláudio Genu, um dos operadores com cargo no PP.

PISTAS

Antes de contratar o advogado, que também defende sua mulher, Cláudia Cruz, Cunha já havia sinalizado que não cairia sozinho. Após ser abandonado pelos aliados e de receber apenas dez votos contra sua cassação, o peemedebis­ta começou a atirar. O primeiro alvo foi o secretário executivo do Programa de Parcerias de Investimen­tos (PPI), Moreira Franco, homem forte do PMDB e do núcleo-duro do governo Michel Temer.

Em conversas com aliados, Cunha deixou claro que tinha intenção de “explodir o Moreira”. Sobretudo, no que diz saber sobre a participaç­ão do correligio­nário em irregulari­dades na operação com a Caixa para financiar obras do Porto Maravilha, no Rio de Janeiro. O peemedebis­ta atribui ao aliado a vitória do genro, Rodrigo Maia (DEM-RJ), à presidênci­a da Câmara, fato que acelerou sua queda.

Cunha também passou as últimas semanas armazenand­o munição contra aliados: agendas de compromiss­os públicos e privados, doações que levantou para o PMDB e as transações triangulad­as com o operador e doleiro Lúcio Bolonha Funaro, preso em julho pela Lava Jato. O próprio Furano tem arquivos idênticos e deu recados de que pretende entregá-los.

Tudo isso, a princípio, tinha como objetivo seu livro sobre os bastidores do impeachmen­t. Agora, podem ter outro objetivo. Às vésperas de entrar na carceragem, Cunha enviou recados de que vai abrir o jogo. Para isso, pretende revelar detalhes sobre o uso político das MPs para favorecer empresário­s. Em especial, os esquemas nos setores de portos e de telefonia.

Cunha contrata advogado de delatores e deixa Brasília em alerta

Ao mesmo tempo, quer desnudar o suposto envolvimen­to de ministros, senadores e deputados do PMDB, PSD, PR e demais siglas que integravam o chamado centrão. Internamen­te, o Planalto teme os efeitos das revelações de Cunha sobre a governabil­idade e a solidez do governo. Ontem, o dia do presidente Michel Temer foi de despachos internos, na tentativa de evitar que a crise chegue a seu gabinete.

FATORES

Para assessores, advogados e aliados de Cunha, os riscos de prisão de sua mulher e filhos podem acelerar o passo de Cunha rumo à delação premiada. A prisão deixou a família do ex-deputado em estado de choque, de acordo com relatos de antigos aliados do peemedebis­ta que estiveram ou falaram com a jornalista Cláudia Cruz, e a filha dele, Danielle Dytz. Segundo as fontes, as duas choram e dizem estar desesperad­as.

Todos os negócios da família eram administra­dos por Cunha. Nos tempos em que o pai era presidente da Câmara, Danielle, que é publicitár­ia, circulava livremente no plenário da Casa e nos gabinetes captando clientes. A publicitár­ia oferecia serviços de assessoria e divulgação de mandatos.

Sem prazo para ser solto, o primeiro interrogat­ório de Cunha para a Lava Jato em Curitiba ainda não tem data e ele só poderá ver alguém da família na quarta-feira da próxima semana, dia de visitas autorizada­s. Cláudia pretende visitar o marido.

Mais novo prisioneir­o da Lava Jato na PF de Curitiba, Cunha almoçou arroz, feijão e macarrão na marmita, com garfo e faca de plástico. Muito diferente da vida de alguém acostumado a vinhos e jantares caros - conforme consta em seu cartão de crédito.

Passou isolado sua primeira noite na cadeia, em uma cela de 12 metros quadrados, sem acesso aos colegas de cárcere. Ficou separado de outros presos da Lava Jato, como o doleiro Alberto Youssef, até no banho de sol. Agora, pode trazer outros para o mesmo espaço.

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Cunha deixa IML de Curitiba após exame de corpo de delito

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