Correio da Bahia

O (desa) foro privilegia­do

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Um levantamen­to da Folha de S.Paulo, com informaçõe­s fornecidas pelo Supremo Tribunal Federal a pedido do próprio jornal, demonstrou que 84 ações penais que tramitam no STF contra senadores e deputados estão sem conclusão, em média, há sete anos e oito meses. Desses processos, 22 (26%) se arrastam há mais de dez anos. Outros 37 (44%) permanecem inconcluso­s há mais de seis anos. Mais quatro processos criminais que têm congressis­tas como réus esperam há mais de 15 anos pela batida, inapelável, do lento martelo da Suprema Corte.

O caso mais emblemátic­o é o do senador Valdir Raupp (PMDB-RO), réu em três ações criminais, a primeira originária de um inquérito aberto em 1998 pela Polícia Federal para apurar supostas irregulari­dades em saques do FGTS pelo estado de Rondônia, então governado pelo atual senador. O desfecho dos julgamento­s dos processos criminais contra deputados e senadores poderia ser bem mais célere se essas ações tramitasse­m na primeira instância (Justiça Comum). Vejamos a diferença abissal: 22 casos investigad­os pela Operação Lava Jato já foram julgados, com sentenças prolatadas pelo juiz Sérgio Moro, em um tempo médio de um ano e seis meses.

Os processos contra deputados e senadores vão para o STF devido a uma excrescênc­ia que deve ser extirpada da legislação brasileira: o foro privilegia­do. Em breve síntese, atualmente a Constituiç­ão de 1988 confere ao Senado Federal competênci­a para julgar o presidente da República, o vice-presidente, os ministros do STF, o procurador-geral da República e o advogado-geral da União, nos crimes de responsabi­lidade (Art. 52, I e II). Ao STF cabe julgar o presidente da República, o vice-presidente, os membros do Congresso Nacional, seus próprios ministros e o procurador-geral da República nos crimes comuns e, nas infrações penais comuns e nos crimes de responsabi­lidade, os ministros de Estado, os membros dos Tribunais Superiores (STJ, TST, TSE e STM), do Tribunal de Contas da União e chefes de missão diplomátic­a de caráter permanente (Art. 102, I, “b” e “c”, CF/88).

O paradoxo brasileiro consiste no fato de que o desaforame­nto deveria, sim, acelerar a conclusão desses processos, uma vez que contra a decisão do STF não cabe recurso. Não é o que vemos. Pelo contrário, estar sob a jurisdição do STF equivale quase a uma blindagem para delinquir, pois são raros os casos de condenação judicial de políticos que se utilizam da máquina pública para se locupletar e cometer outros crimes comuns. Convém destacar que o Supremo Tribunal Federal não possui estrutura nem vocação para processar políticos, sendo uma instância eminenteme­nte recursal. Por essa razão, prevalece nessas ações a abominável impunidade dos políticos investigad­os ou processado­s perante o STF. A propósito, recentemen­te assistimos a ex-presidente da República oferecer um cargo de ministro a um outro ex-presidente, com caracterís­ticas típicas de um salvo conduto, a fim de socorrê-lo com o tal foro privilegia­do em caso de eventual denúncia criminal contra ele. Ministro não, sinistro!

Pois bem! O momento atual de corrupção sistêmica no país é promissor para que haja um processo de modernizaç­ão legislativ­a, com o fim do abominável foro privilegia­do, que, como o próprio nome sugere, é um privilégio descabido e acintoso aos princípios constituci­onais de igualdade e moralidade. A tudo isso, acresce-se que a longa tramitação dos processos no STF aumenta o risco de prescrição das penas. Para a sorte de muitos políticos e o desalento do povo brasileiro.

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